Depois de vazar um protótipo do Instagram em que as curtidas eram escondidas dos usuários, a rede social começou a testar o novo layout no Canadá. A novidade, segundo a empresa, foi pensada para “que seus seguidores se concentrem nas fotos e nos vídeos que você compartilha, e não em quantos likes eles têm”.

É um passo, ainda que tímido, rumo à sanidade mental dos usuários da rede. De acordo com uma pesquisa recente divulgada pela Royal Society for Public Health, o Instagram é ferramenta que mais contribui negativamente para a saúde mental de adolescentes e jovens adultos. Realizado no Reino Unido, o estudo ouviu cerca de 1.500 pessoas entre 14 e 24 anos. Em contrapartida, o Youtube foi visto como a rede mais positiva para os usuários.

Outra pesquisa aponta que o número de redes sociais que um jovem adulto usa é proporcional à sua propensão a desenvolver depressão e ansiedade. Após analisar dados fornecidos por mais de 1.700 pessoas entre 19 e 32 anos, os pesquisadores descobriram que aqueles que acessavam 7 ou mais plataformas tinham um risco três vezes maior de apresentar sintomas de depressão e ansiedade quando comparados com aquelas pessoas que usavam até 2 redes.

Uma das causas para isso, segundo os autores, pode ser a dificuldade de navegar entre diferentes normas e redes de amigos em cada ambiente virtual, embora assumam que possa existir uma tendência de que pessoas com a saúde mental frágil sejam mais atraídas a usar múltiplas plataformas de social media.

Pode ser que alguém comece a ficar infeliz com a vida, então começa a diversificar e usar outras plataformas e conhecer outras pessoas. Mas a multitarefa se torna difícil, e fica mais complicado formar relacionamentos e entender as regras [de cada rede], e isso leva a mais depressão”, destaca Brian A. Primack, diretor do Centro para Pesquisas em Mídia, Tecnologia e Saúde da Universidade de Pittsburgh e um dos autores do estudo.

Entretanto, a tecnologia não é apenas vilã: ela foi usada como ferramenta para conversarmos com diversas pessoas que vivem em menor ou maior intensidade os efeitos do FoMO (“Fear of Missing Out”, na sigla em inglês), uma sensação de que, ao se desconectar, você está perdendo algo. Todas as entrevistadas destacam os muitos benefícios da conexão, mas demonstram dificuldades de lidar com a pressão que ela exerce em nossas vidas.

‘Você não tá vivendo a sua vida’

Para a taróloga Michele DS Branco, de 32 anos, as redes sociais são uma ferramenta de trabalho, mas também agravam a sensação de ansiedade. Embora não considere que sua relação com a tecnologia seja extrema, ela sente que o seu uso causa “uma necessidade de estar sempre esperando por uma resposta, por alguma novidade, por alguma coisa que na verdade não vai acontecer”.

Michele comenta que o uso constante de redes como o Whatsaap gera uma sensação de imediatismo, como se todas as mensagens recebidas precisassem ser respondidas na hora. “Acontecem muitos atritos, porque de repente você não responde uma pessoa porque você não pode, e ela acha que é porque você não quer falar mais, que é porque você não quer mais amizade“, explica. O mesmo ocorre quando envia uma mensagem para alguém e fica esperando a resposta. “Eu poderia muito bem mandar mensagem para a pessoa e ir fazer minhas coisas“, diz.

Aos finais de semana, quando costuma visitar seus familiares, ela opta por deixar o celular em casa como uma forma de evitar que o aparelho atrapalhe a convivência. Isso permite que curta o momento com outras pessoas, mas não evita que a ansiedade apareça – e, junto com ela, a vontade de ir logo para casa se conectar.

Graças a isso, já pensou diversas vezes em excluir todas as redes sociais – principalmente o Whatsapp, ferramenta usada para possibilitar nossa conversa, visto que a taróloga vive em Embu das Artes, no interior de São Paulo. Ela reconhece, porém, que teria dificuldade em cortar estes acessos e precisaria fazer isso aos poucos.

Você não quer postar sua vida, você não quer expor sua vida, mas você quer ficar olhando no Instagram a vida das pessoas; o que as pessoas estão fazendo, o que as pessoas estão comendo, então que graça tem? Você tá vendo, você tá se comparando e não tá vivendo a sua vida. 

O projeto de excluir as redes não foi adiante, mas ela deixou de expor sua vida online e hoje costuma utilizar a tecnologia somente para trabalhar, visto que realiza os atendimentos online, via mensagens.

24 horas desconectada

Acho que foi em 2011 que coloquei dentro das metas do ano ficar um dia no mês sem internet. No primeiro ano, ok. No segundo, também. Mas depois que passei a ter telefone com wi-fi, nunca mais consegui cumprir“, conta a jornalista e estudante de museologia Suzana Pohia, de Porto Alegre. Isso foi em 2013.

Desde então, há meses em que consegue, noutros falha em seguir o objetivo de se desconectar. Suzana arrisca dizer que em 2019 não tenha passado nenhum dia completamente offline, embora em alguns dias o uso da internet não chegue a 30 minutos. Pelas dúvidas, ela já riscou o item de ficar 24 horas por mês sem internet de suas metas anuais, mas cogita inclui-lo novamente no próximo ano.

Às vezes saio sem telefone para desopilar e provar que consigo ainda ficar tempos sem comunicação. Rola dias em que é maravilhoso, mas outros sinto uma falta..“, conta. O que faz falta varia: pode ser a lembrança repentina de um amigo e pensar que poderia chamar a pessoa ou simplesmente a sensação de ter algo para passar o tempo.

Sinto às vezes uma ansiedade pela internet, acordar e já saber as mazelas do mundo. Então, nos dias que estou mais tranquila, tento levantar, ir pra sala, tomar café e ler, deixar o celular no quarto. O ruim também é que muita coisa tá concentrada no pc/celular: ver as horas, escutar música, saber a programação de cinema, falar com alguma amiga, ver filme em casa…

Apesar de relutar muito em aderir ao Whatsapp, foi tragada pelo aplicativo em 2015 e já se sente dependente da tecnologia. Recentemente, o app parou de funcionar em seu celular e Suzana foi tomada por uma sensação de pânico, que logo passou. Mesmo assim, a ideia de que pode estar perdendo uma mensagem importante permanece – o problema com o aplicativo ainda não havia sido resolvido quando conversamos.

Suzana Pohia. Foto: Arquivo pessoal

Ruim com elas, pior sem elas

A consultora de estilo Ju Miranda, de 38 anos, vê as redes sociais como uma ferramenta profissional. Entretanto, o fato de estar sempre conectada por vezes se transforma em um problema.

Como trabalha em casa na maior parte do tempo, ela se sente mais suscetível a distrações. “Eu pego o computador para escrever um texto, eu fico horas nas redes sociais. Horas só rolando o feed“, comenta. Muitas vezes, o gatilho é uma notícia, como o caso do modelo que morreu durante a São Paulo Fashion Week. Quando isso acontece, Ju não para até ter lido tudo que saiu na mídia sobre o assunto.

E aí eu volto para o feed, fico no feed eterno. Só rolando a tela, quando tem alguma coisa interessante eu abro o link ou respondo alguma coisa de algum amigo. Às vezes assim eu mudo: tô vendo o Facebook, vejo alguma coisa que é legal – sei lá, uma marca de roupa que é legal – e vou procurar no Instagram; e eu fico no feed do Instagram também só dando curtir e rolando a tela.

Depois de passar algum tempo nas redes, é comum se sentir cansada mental e emocionalmente. “Tem épocas que eu fico exausta de ver, mas é como uma compulsão mesmo“, define. Quando se sente assim, troca as redes sociais pela televisão ou então decide passar algum tempo em jogos de quebra-cabeça no celular.

Uma das estratégias já adotadas pela consultora de estilo foi a de deixar o smartphone na sala ao dormir. “Como eu não tenho horário para trabalhar, ficava até tipo quatro horas da manhã rolando a tela. Eu deixava na sala e me dava muita ansiedade de ficar rolando na cama sem o celular do lado“, lembra. Por algum tempo, chegou a combinar com o marido para ele esconder o aparelho e, assim, conseguir ser mais produtiva, mas se sentia agoniada com a sensação de que alguém poderia estar entrando em contato com ela. “Tanto ficar sem as redes sociais me deixa ansiosa, como ficar nas redes sociais também me deixa“, comenta.

Apesar disso, ela destaca os pontos positivos da internet. Um deles é que, por trabalhar em home office e sair pouco de casa, o contato online é uma forma de manter sua vida social em dia. Outra questão importante lembrada pela consultora de estilo é o fato de que a tecnologia permite aprender muitas coisas e já a auxiliou a obter ajuda ao encarar novos desafios profissionais.

Férias do Instagram

A publicitária Isabela Crepaldi, de 33 anos, encontrou uma maneira criativa de se ver livre do Instagram: pediu para as amigas mudarem a senha de sua conta na rede e apagou o aplicativo do celular. Depois de uma semana sem acesso ao próprio perfil, ela passa bem, mas brinca que “respira com a ajuda de aparelhos“. Ao burlar seu impulso de entrar na rede, a paulistana percebeu que este era um hábito quase automático. O objetivo agora é completar 30 dias sem acessar o app de fotos.

Isabela Crepaldi. Foto: Arquivo Pessoal

Com a mudança, uma reflexão: será que as fotos que ela tirava antes eram só para postar ou para guardar a recordação?

Descobri que tinha muito mais relação com ‘exibir’ o meu momento pros outros (e ver quem interagiu, se interagiu, como interagiu) do que guardar aquele momento pra mim. Uma vez uma amiga me disse que o Instagram dela era como se fosse um álbum de fotos que ela gostaria de ver depois de alguns anos. Lembranças de momentos, situações, celebrações que fizeram parte da história dela. Sendo as fotos legais/bonitas ou não. E me dei conta de que raramente tinha pensado assim quando postava alguma foto no meu Instagram.

Outro impacto foi o fato de passar muito tempo analisando a vida dos outros. “A vida ficava mais em torno do que outras pessoas estavam fazendo do que na minha. Muitas vezes, horas depois eu ainda estava lá, no perfil de uma 10ª pessoa totalmente randômica, que eu nunca tinha visto na vida, fazendo conclusões sobre dinâmicas e relacionamentos entre pessoas. Percebi que isso não fazia o menor sentido. E quis fazer um detox“, conta.

Desde então, ela confessa ter acessado mais o Facebook, que andava quase esquecido, mas a dinâmica é diferente. Além de não postar nada na rede, ela acessa sua conta, vê algumas coisas interessantes e logo sai. “Juro que não é facil, mas me sinto liberta e orgulhosa de não ser mais a primeira coisa que eu faço antes de levantar da cama e a última antes de dormir“, conta, sem esquecer de acrescentar, com uma dose de humor, que está bem, mas “tremendo de abstinência“.

Embora uma brincadeira, a palavra abstinência pode estar mais associada à FoMO do que se imagina…

Você tem FoMO de quê?

Em entrevista à Gaúcha ZH, o doutor em psiquiatria e coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica da Universidade de São Paulo (USP) Cristiano Nabuco cita um estudo que compara ressonâncias magnéticas realizadas em pessoas dependentes de álcool e drogas e em usuários pesados de computador. A pesquisa teria constatado o mesmo tipo de desgaste nos dois tipos de pacientes.

A mestre em psicologia clínica Sylvia van Enck explica que o FoMO, conforme a expressão em inglês ao qual se refere (“Fear of Missing Out“) se caracteriza como “o receio de que outras pessoas tenham boas experiências que você não tem“. Essa sensação faz com que as pessoas queiram estar constantemente conectadas para saber de tudo que se passa com os outros e compartilhar novidades com os demais.

A psicóloga, que atua no Programa Ambulatorial para Dependências Tecnológicas, da USP, destaca:

A presença deste sentimento tem contribuído com o aumento do risco de episódios de ansiedade – e, conseqüentemente, de depressão –, até levar à sensação de exclusão social, maior susceptibilidade à pressão de grupo e, finalmente, um elevado risco de desenvolver o vício em tecnologias

Apesar da tendência de pessoas com FoMO desenvolverem transtornos mais graves relacionados à tecnologia, ela relata que a maior parte das pessoas que procuram o serviço são jovens, dependentes de games. Nesses casos, o tratamento envolve uma triagem psicológica e médica e uma avaliação neuropsicológica. A partir daí, os pacientes passam pelo atendimento ambulatorial mais adequado a cada caso e, posteriormente, são encaminhados a um tratamento em grupo, assim como suas famílias, que são atendidas em um grupo separado. O processo tem duração de 18 semanas. Finalizado esse período, são realizados grupos de manutenção mensal.

Pessoas conferem celular

Foto: Robin Worrall

Sintomas

Sylvia destaca que os sintomas de FoMo mais observados pelo próprio usuário e por pessoas próximas a ele são os seguintes:

  • necessidade de sempre conferir e atualizar as postagens nas redes sociais;
  • tendência à distração quando estão em contato com a tecnologia, seja em rodas de amigos, reuniões, aulas, trabalho;
  • distração ao dirigir um veículo ou andar pelas ruas;
  • ansiedade extrema quando por algum motivo não conseguem acessar as rede sociais.

 

Como forma de prevenção para as futuras gerações, a psicóloga sugere que os pais sirvam de referência para os filhos, dando o exemplo. “Devem priorizar a presença junto a eles, mostrando interesse pelo que eles têm a contar, ouvi-los genuinamente, desenvolver atividades em conjunto, estabelecer limites claros quanto ao uso da aparelhagem, limitando seu próprio tempo de trabalho no computador ou celular, quando em casa“, comenta.

Talvez você não precise seguir o conselho do fundador do Whatsapp e deletar o Facebook, mas, se você se identificou com os relatos acima, pode estar na hora de repensar sua presença digital. Bora ler mais sobre o assunto?

Fonte: Hypeness

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