Durante anos, a britânica Sammy Woodhouse tentou esquecer uma página obscura de seu passado: foi estuprada quando era menor de idade e ficou grávida. Ela teve o filho e tentou reconstruir a vida.

Mas tudo mudou recentemente, quando soube que o conselho do distrito metropolitano de Rotherham contatou o homem que a estuprou para oferecer a ele “um papel” no cuidado e atenção do filho, hoje adolescente.

“EU FIQUEI CHOCADA E ME SENTI OFENDIDA”, DISSE SAMMY AO PROGRAMA VICTORIA DERBYSHIRE, DA BBC.

Após a repercussão, a entidade afirmou que investigaria os fatos e que não tinha a intenção de prejudicar o filho ou a mãe.

De acordo com o Reality Check da BBC, especializado em checagem de dados, as normas jurídicas na Inglaterra e no País de Gales estabelecem que todos os pais, independentemente de quem sejam, devem receber notificação sobre os procedimentos de cuidado dos filhos. Não há distinção nem para condenados por crimes, como um estuprador, por exemplo.

‘E quanto aos meus direitos humanos?’, indagou Woodhouse, após saber que conselho quis aproximar o filho do homem que a estuprou — Foto: Twitter/Reprodução/BBC

“A questão aqui é a lei que, tal como está, permite que estupradores e outros criminosos participem nos cuidados e em outros aspectos da vida da criança”, diz a procuradora Denise Lester, ex-presidente do subcomitê de direito das crianças da Sociedade do Direito, em referência ao Public Law Children Act, que prevê as situações em que o Estado pode intervir no âmbito familiar.

Em um vídeo postado no Twitter, Woodhouse, que hoje tem 33 anos, pede ao governo britânico que “mude a lei para garantir que os estupradores não tenham acesso a crianças concebidas através do crime que cometeram”.

Ela descreveu Arshid Hussain, que foi condenado em 2016 a 35 anos prisão, junto com os dois irmãos, pelo abuso sexual de mais de 50 garotas, como “um perigo para ela e para crianças”.

Segundo o jornal “The Times”, o conselho contatou o estuprador depois que ele foi incluído como “parte demandada” em uma ação judicial que envolvia o filho ajuizada em uma vara de família local.

No processo, o Conselho de Roterham, com o apoio de Woodhouse, pedia permissão para dividir com a mãe parte das responsabilidades sobre o rapaz, que, ainda segundo a publicação, passava por dificuldades e tinha “necessidades complexas”.

A entidade prometera mantê-lo informado sobre os procedimentos futuros para permitir que ele conhecesse e se comunicasse com o filho.

Estupro

Woodhouse tinha 14 anos quando foi abusada por Arshid Hussain.

A jovem manteve seu anonimato durante anos e achava que, após o julgamento de Hussain, hoje com 43 anos, poderia seguir em frente com sua vida e que nunca mais ouviria falar dele.

Agora, depois do que aconteceu, decidiu contar sua história para evitar que casos semelhantes se repitam no Reino Unido e pedir uma mudança nas leis.

“ESTAMOS SENDO CONSTANTEMENTE REVITIMIZADAS. COMO VÍTIMA DE ESTUPRO, SEMPRE ME DIZEM: ‘BEM, NA VERDADE ELE TEM SEUS DIREITOS HUMANOS’. E QUANTO AOS MEUS DIREITOS HUMANOS? O QUE ACONTECE COM OS DIREITOS HUMANOS DE OUTRAS PESSOAS? E OS NOSSOS FILHOS, E O NOSSO DIREITO DE MANTÊ-LOS SEGUROS?”, DIZ ELA NO VÍDEO.

O que dizem as autoridades

“DEVEMOS DEIXAR CLARO QUE EM NENHUM MOMENTO A INTENÇÃO DO CONSELHO FOI COLOCAR QUALQUER CRIANÇA EM RISCO OU PERMITIR QUE QUALQUER ENVOLVIDO COM EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTIL CONDENADO CUIDE DE QUALQUER CRIANÇA”, AFIRMA O CONSELHO DE ROTHERHAM EM COMUNICADO.

Também por meio de nota, o Ministério da Justiça declarou que, apesar do que a lei estabelece, as autoridades locais podem pedir aos tribunais que solicitem permissão para não notificar os pais que eventualmente sejam desprovidos de autoridade parental sobre os procedimentos de cuidado aos filhos.

A pasta também indicou que os tribunais devem considerar o dano potencial à criança e à mãe ao tomar essa decisão.

De acordo com informações levantadas pela equipe do Reality Check da BBC, a lei não implica que os estupradores tenham automaticamente direito de participar da vida dos filhos.

Qualquer pedido de acesso deve avaliar o risco e o bem-estar da criança antes de permitir o contato.

Em geral, o pedido é negado nos casos em que a criança não tem relação com o pai, como no caso de um estupro, ou quando há risco para a criança, por exemplo, em casos de extrema violência doméstica.

O Ministério da Justiça acrescentou que o “incidente” envolvendo Woodhouse “é obviamente bastante lamentável e que os departamentos relacionados, bem como a autoridade local, trabalharão com urgência para entender e fazer face às falhas identificadas no caso.”

Fonte: BBC