Para Alexandra Loras, executiva, comunicadora e ex-consulesa da França no Brasil, a representatividade negra e de gênero não é mera questão de “fazer bonito”, mas uma questão econômica. “Quando o negro tiver poder econômico, o Brasil será a principal economia global.”
Em entrevista a Época NEGÓCIOS, Loras falou sobre as necessidades e os equívocos de empresas ao trabalhar o tema da inclusão racial no ambiente corporativo. Nascida em Paris, a executiva de 41 anos diz acreditar no poder da geração atual e da “inteligência emocional” do brasileiro para mudar essa realidade cada vez mais rapidamente – e transformar o Brasil em um influenciador do mundo.
Como a senhora vê o comportamento de empresas e gestores no trabalho com a diversidade?
Empresas me chamam para falar sobre diversidade, mas para o politicamente correto. Para mostrar que, no mês da consciência negra, convidou uma palestrante negra para falar. Criei o Protagonizo porque estava cansada de ouvir o RH dizer que não encontrava negros capacitados. Em um ano e meio, sem recursos e nenhuma ideia de RH, criei uma plataforma com 7 mil pessoas negras bilíngues e com doutorado.
Eu sempre digo que as empresas precisam colocar negros na área de recrutamento dos seus próprios sites – e não só para parecer boazinha, com a foto do branco no meio e o negro e a oriental lá atrás. Coloque o negro como protagonista. Quando um candidato negro entrar no seu site, verá que pode entrar na empresa.
Como isso impacta os negócios e os profissionais?
As empresas preferem ser racistas do que capitalistas, pois não enxergam o potencial do afroconsumo. Se somos 54% da população brasileira, por que não vemos uma “família margarina” negra? Por que não vemos negros promovendo pasta de dente ou absorvente? É uma narrativa que apaga 114 milhões de pessoas e não considera nem mesmo que 22% da população da classe A é de negros. Outro número é a desigualdade salarial entre brancos e negros, que representa um prejuízo anual de R$ 808 bilhões. A elite precisa enxergar o quanto o negro é talentoso e tem um potencial imenso. Temos que deixar a quebrada entrar nas agências, nas universidades, nos cargos executivos. O Brasil tem muito a aprender com essa quebrada talentosa, que consegue se virar com nada.
O mesmo vale para as mulheres. Nos últimos 20 anos, elas saíram mais diplomadas das universidades que os homens. Por que ainda somos 6% dos cargos executivos das empresas? Por que temos a síndrome do impostor quando chegamos ao alto escalão? Porque a sociedade colocou, de forma muito sofisticada, uma inferiorização que nos faz acreditar que não merecemos chegar lá.
O que ainda falta ser abordado em relação a esses temas?
O Brasil tem apartheid e segregação tão sofisticados que não precisa de placas dizendo o que é para brancos e o que é para negros: cada um cresce sabendo seu lugar. O brasileiro tem fascinação pelo loiro de olhos claros. Vejo isso com meu filho, que nasceu loiro e branco e recebe elogios diariamente.
Tudo isso foi tão bem orquestrado que as pessoas não notam. Mas eu comecei a perceber, porque escutava sobre a democracia racial lá fora. O marketing brasileiro exibe uma miscigenação e é sensacional. Mas miscigenação para quê? Para embranquecer. O Brasil me ajudou a perceber o quanto há uma orquestração dessa inferiorização, que não é por acaso.
Falta diálogo e educação. É como vejo a inferiorização da mulher em geral, por narrativas como a da “princesinha”. Desde pequenas, somos ensinadas a ser lindas, boazinhas e a entregar todos os nossos potenciais a um homem encantado. Para mim, isso é um veneno para a sociedade.
Você acredita que as companhias que buscam mudanças estão mais conscientes?
As pessoas às vezes criticam, por exemplo, o tema do afroconsumo. Dizem que se trata de explorar o negro para consumir mais e que são os brancos que se aproveitarão economicamente. Não importa. A mudança tem que se iniciar de alguma forma e não tem receita de sucesso–se tivesse, já estaríamos colocando em prática.
Acredito que, a partir do momento que uma empresa percebe que o afroconsumo é a solução do Brasil, ela vai investir milhões para produzir publicidade com negros. O negro vai se reconhecer, e isso vai ter um impacto. Se temos empresas que investem no empoderamento negro ou da mulher, podemos modificar essa sociedade muito rapidamente. Tirar essa narrativa patriarcal, machista e racista. O homem branco é uma minoria. Por que ele iria aparecer como uma maioria no mundo?
Como provocar essas percepções nas empresas – e na sociedade?
O que me seduz dentro desse paradigma e dessa dicotomia é que eu também sei que o Brasil tem inteligência emocional. Quando palestro sobre diversidade racial nas empresas, quando as pessoas entendem meu raciocínio, elas se colocam com empatia e compaixão no lugar do outro. Mas, às vezes, como estamos em uma coisa cultural, é muito difícil perceber a dinâmica.
A partir do momento em que o branco começa a ter uma consciência negra, percebe essa segregação sutil e nota que não se trata de “quando vamos ter um dia da consciência branca”, ele deixa de só se achar não racista e se torna antirracista. O branco de hoje não é responsável pela escravidão, mas é o responsável por nos ajudar a reequilibrar as coisas. Quando o negro tiver poder econômico, o Brasil será a principal economia global. E tem a possibilidade de ser o influenciador do mundo.
fonte: Época negócios