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Conheça dez mulheres incríveis que fizeram história na ciência

Virgínia Leone Bicudo: 1910-2003 / Brasil / Psicanálise (ilustração: Camila Rosa)

Bertha Lutz

Mais do que uma bióloga especializada em anfíbios, Bertha Maria Júlia Lutz foi uma das maiores ativistas feministas do país. Durante a graduação em Ciências Naturais na Universidade Sorbonne, em Paris, conheceu o movimento feminista e o exportou para o Brasil.
Quando voltou para o Rio de Janeiro, em 1918, participou da criação de diferentes ligas de mulheres que buscavam maior inclusão em todos os setores, não só em casa, como era o pensamento dominante na época. “Todas as feministas concordam que o domínio das mulheres é a casa”, disse certa vez. “Mas a casa não é mais um espaço englobado por quatro paredes.”

Fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) e, em 1932, liderou o grupo que pressionou Getúlio Vargas a modificar o código eleitoral para permitir que as mulheres votassem. E o fez com conhecimento de causa: em 1933, formou-se em Direito pela Faculdade do Rio de Janeiro (atual UFRJ).

Dedicada ao ativismo, Lutz nunca abandonou a pesquisa, chegando a descobrir uma nova espécie de sapos que ganhou o nome de Paratelmatobius lutzii. Ela viveu até os 82 anos sem se casar nem ter filhos. Faleceu em 1976, no Rio de Janeiro.

Esther Lederberg

Mesmo passando por dificuldades na infância e na adolescência, Esther Lederberg optou por se dedicar à ciência. Ela recebeu uma bolsa da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, para estudar genética. Para sobreviver, a então jovem chegou a comer as pernas de sapos que sobravam de dissecações.

O maior empecilho no caminho dela, no entanto, foi a discriminação de gênero, o que impediu que fosse reconhecida como merecia.

Duas das descobertas que fez ao longo da vida se destacaram: o desenvolvimento de um método para replicar placas de cultivo de microrganismos e a identificação de um vírus que infecta bactérias.

Mas quem levou o crédito — e o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1958 — por elas foi o marido da cientista, Joshua Lederberg. Os dois trabalhavam juntos no laboratório da Universidade de Wisconsin e, embora tenha dado entrevistas reconhecendo a contribuição da esposa, ele não a mencionou em seu discurso na cerimônia de premiação.

Em 1966, eles se separaram. A cientista permaneceu em Stanford até sua morte, em 2006, sem nunca ocupar a cadeira de pesquisadora permanente na universidade.

Jane Cooke Wright: 1919-2013 / Estados Unidos / Medicina (Fotoilustração: Camila Rosa)

Jane Cooke Wright

Neta de um ex-escravo que se formou médico e filha de um dos primeiros negros a se graduarem em Medicina em Harvard, Jane Cooke Wright contribuiu para o desenvolvimento da quimioterapia.

Em 1945, formou-se na Escola de Medicina de Nova York e entrou para a residência no Hospital do Harlem, onde seu pai trabalhava. Quando terminou a especialização, foi contratada por ele para fazer parte da Centro de Pesquisa do Câncer do mesmo hospital.

Os dois buscaram tratamentos para a doença em um momento em que a oncologia era uma especialidade cirúrgica, pois não havia outros métodos para remover ou barrar tumores. Juntos, chegaram à droga Metotrexato, que até hoje é usada na quimioterapia.

Aos 48 anos, a médica foi indicada pelo presidente Lyndon Johnson para o Conselho Nacional do Câncer. No ano seguinte, tornou-se a primeira mulher eleita presidente da Sociedade de Câncer de Nova York. Bem-sucedida, Wright tentava ignorar as barreiras que teve de superar. “Sei que sou membro de duas minorias, mas não me enxergo dessa maneira”, disse em entrevista ao jornal New York Post em 1967.

“O caminho do progresso não é rápido ou fácil “”Marie Curie

Jocelyn Bell

Em 1967, ao revisar os relatórios de monitoramento de quasares (massas de energia e luz maiores que estrelas), Jocelyn Bell Burnell notou uma série de pulsos que aparecia a cada 1,3 segundo.

Sua equipe acreditou estar diante de uma tentativa de comunicação de alienígenas, e chegou a chamar os sinais de “pequenos homens verdes”. Burnell desvendou o mistério: os sinais vinham de estrelas de nêutrons, que transformam a energia rotacional em eletromagnética. Por estarem sempre girando, a impressão é de que emitem radiação em pulsos, daí o nome pulsares.

A descoberta revolucionou a astronomia, tendo sido utilizada inclusive para testar a teoria da relatividade. Em 1974, Burnell venceu o prêmio Nobel de Física, mas seu nome nem sequer foi mencionado — os homenageados foram Antony Hewish, orientador dela, e Martin Ryle, que a ajudou a desenvolver o telescópio usado na descoberta.

Em 2018, a astrofísica foi premiada com o Breakthrough de Física, mas optou por doar os US$ 3 milhões recebidos para a criação de bolsas para minorias estudarem física no Instituto Britânico de Física.

Aos 75 anos, ela é professora visitante da Universidade de Oxford.

Caroline Herschel

Treinada para ser uma governanta, Caroline Herschel foi a primeira mulher astrônoma profissional e uma das primeiras a receber por seu trabalho científico. Ao longo da carreira, descobriu dezenas de cometas e catalogou 2,5 mil nebulosas e aglomerados de estrelas.

Após a morte do pai, seu irmão, William, decidiu que ele e a irmã deveriam ir para a Inglaterra. A mãe foi contra: desde que a filha contraiu tifo, ainda criança, e não cresceu mais do que 1,30 metro, ela a via como uma espécie de serva da casa.

Além de cuidar dos afazeres domésticos, Herschel aprendeu música e matemática. Até que William se interessou pela astronomia. Em 1781, ele descobriu o planeta Urano e foi convidado pelo Rei George III para ser o astrônomo da corte.

Herschel se destacou como assistente do irmão e, em um ano, descobriu quatro cometas. Seis anos depois, passou a receber uma pensão anual do rei por seu trabalho, além de prêmios como a medalha de ouro da Real Sociedade Astronômica de Londres, da qual também foi nomeada membro honorária em 1835 — a Sociedade só foi aberta oficialmente às mulheres em 1915.

Mileva Marić

A primeira esposa de Albert Einstein desperta controvérsias: com a publicação das cartas trocadas entre o casal, pesquisadores levantaram a suspeita de que Marić havia contribuído para os trabalhos do marido. Nas correspondências, o cientista se refere às pesquisas como “nosso trabalho” e “nossa teoria”.

Nascida em uma família abastada, ela foi uma das primeiras mulheres do império Austro-Húngaro a estudar física no Ensino Médio. Em 1896, mudou-se para a Suíça e foi a quinta mulher a estudar no Instituto Politécnico. Ela foi da mesma classe de Einstein, com quem teve um relacionamento. Em 1901, engravidou e interrompeu os estudos.

Marić tentou retomar a vida acadêmica, mas o nascimento dos outros dois filhos dificultou a empreitada. Em 1916, Einstein pediu o divórcio e prometeu que, se ganhasse o Nobel, daria a ela o dinheiro.

Cinco anos depois, ele recebeu o Nobel de Física, mas entregou a ela somente metade do valor. Sem a ajuda do ex-marido ou uma carreira consolidada, Marić passou os últimos anos de sua vida cuidando dos filhos, um deles diagnosticado com esquizofrenia. Foi enterrada em um túmulo sem nome, identificado como sendo dela só em 2004.

Johanna Döbereine

Se hoje o Brasil é o segundo produtor mundial de soja e tem carros movidos a álcool em vez de gasolina, é graças a Johanna Liesbeth Kubelka Döbereiner. Nascida na República Tcheca, a engenheira agrônoma migrou para o Brasil após a graduação e passou a desenvolver pesquisas sobre bactérias fixadoras de nitrogênio que podem metabolizar o elemento presente no ar e transformá-lo em um produto que as plantas conseguem absorver.

Döbereiner identificou ainda outras duas novas espécies de bactérias — uma delas capaz de fixar o nitrogênio na cana-de-açúcar. A associação dos microrganismos às plantas torna o uso de adubos nitrogenados dispensável e poupa bilhões de dólares na lavoura.

Em 50 anos de carreira, a cientista publicou mais de 500 pesquisas sobre as bactérias. Chegou, inclusive, a ocupar a vice-presidência da Academia Brasileira de Ciências e a ser indicada ao Nobel de Química em 1997, mas nunca acreditou que seria premiada. “Há muita política nisso e nem é minha ambição”, disse certa vez. Sem nunca abandonar as pesquisas científicas, Döbereiner morreu aos 75 anos em Seropédica, interior do Rio de Janeiro, onde vivia desde que se mudou para o Brasil.

Rosalind Franklin

Não fossem os comentários negativos de um homem, a contribuição de Rosalind Franklin para a descoberta da estrutura em dupla hélice do DNA talvez nunca fosse revelada. Em sua autobiografia, o biólogo James Watson chamou Franklin de “agressiva”, mas detalhou sua importância para o processo que o levou a desenvolver o modelo pelo qual recebeu o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1962.

Aos 31 anos, Franklin entrou para o laboratório de biofísica do King’s College. Lá, ao extrair fibras de DNA para uma análise com raios-X, descobriu que não havia apenas uma forma da molécula, e sim duas.

Antes que pudesse desenvolver sua tese, a cientista foi atravessada por Maurice Wilkins, um biólogo molecular que trabalhava no mesmo laboratório. Quando Watson, que tentava desvendar a estrutura do DNA, visitou o local, Wilkins se gabou da descoberta.

Em 1953, Franklin trocou a pesquisa sobre DNA por outra sobre vírus. Watson, junto com Wilkins e Francis Crick, anunciou a descoberta da dupla hélice. Ela nunca os confrontou, e morreu cinco anos depois, de câncer no ovário. Sua história só veio à tona após sua morte.

Virgínia Leone Bicud

Neta de uma escrava alforriada, Virgínia Leone Bicudo foi uma das figuras mais importantes na instituição da psicanálise no Brasil.

Em 1935, ingressou na Fundação Escola de Sociologia Política e, em 1942, iniciou o mestrado. O resultado foi a tese Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo, na qual mostrou que, mesmo quando as diferenças sociais diminuem, o preconceito racial permanece.

Bicudo enfrentou forte resistência: em 1954, durante o primeiro Congresso Latino-Americano de Saúde Mental, foi acusada de charlatanismo e exercício ilegal da medicina — a profissão de psicólogo só foi regulamentada em 1962. Em 1955, foi para Londres se especializar em atendimento infantil. Quando voltou, assumiu a direção do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, cargo que ocupou por 14 anos.

Sua contribuição para a psicanálise no Brasil é pouco lembrada: sua tese de mestrado, por exemplo, só foi publicada 65 anos depois, e tanto a Sociedade Brasileira de Psicanálise quanto a Fundação Escola de Sociologia Política só a homenagearam no centenário de seu nascimento. A data precisa de sua morte, aliás, nem sequer foi registrada.

Hedy Lamarr

Apesar de ser curiosa sobre o funcionamento das máquinas, Hedy Lamarr nunca chegou a obter educação formal na área. Aos 19 anos, casou-se com um fabricante de armas para, pouco depois, fugir de casa e migrar para os EUA, onde se tornou uma atriz de sucesso.

Em 1940, ela usou o conhecimento em munições para pensar em maneiras de superar a força bélica dos nazistas. Como sabia que torpedos controlados por rádio falhavam com facilidade, resolveu desenvolver um aparelho que minimizasse o risco de interferência nos sinais.

Com a ajuda do amigo George Antheil, criou um sistema que garantia que os torpedos chegassem aonde deveriam sem que fossem detectados pelos inimigos. Em 1942, patentearam a invenção.

A Marinha era resistente a aceitar invenções de civis, por isso a tecnologia não foi implementada. Passaram-se anos até que a invenção fosse reconhecida — a patente já havia expirado, o que fez com que nunca recebessem um centavo por ela.

Em 1997, a dupla de amigos recebeu o Pioneer Award da Fundação Fronteira Eletrônica e, em 2014, Lamarr entrou para o Hall da Fama Nacional de inventores, ficando conhecida como “a mãe do wi-fi

Um espaço também delas

A luta pela igualdade de gênero na ciência continua: veja quatro mudanças necessárias para que outras cientistas brilhantes não sejam esquecidas

1. Representatividade

Com o teste “Draw a Scientist” (Desenhe um Cientista), o pesquisador David Wade Chambers pediu a mais de 4 mil crianças que desenhassem cientistas. Somente 28 dos milhares de ilustrações eram de cientistas mulheres — nenhuma delas feita por um menino.

2. Incentivo

“O interesse pela ciência não vem com o gênero, mas é preciso haver incentivo e motivação para despertar o interesse nas garotas. Essas mudanças não acontecem de um dia para o outro”, ressalta Adriana Tonini, diretora de Engenharias, Humanas e Sociais do CNPq.

3. Fim dos estereótipos

Enquanto meninos recebem brinquedos que incentivam o raciocínio lógico, matemático e espacial, como LEGOs e quebra-cabeças, as meninas brincam com bonecas, o que as influencia a buscar carreiras mais voltadas para o cuidado com outras pessoas.

4. Apoio

Segundo a Unesco, só 28,8% dos pesquisadores do mundo são mulheres. Muitas deixam a carreira por conta da maternidade. Para quebrar o padrão, são recomendadas escolas em tempo integral, maior participação dos pais e licenças mais abrangentes.

fonte: Site Galileu

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