Em qualquer carreira, é comum que (bons) profissionais leguem prestígio a seus herdeiros. Na política, contudo, essa lógica causa apreensão. Políticos têm a missão de zelar pelo bem público. Quando seus laços familiares se sobrepõem ao compromisso com o eleitor, a democracia sai enfraquecida. Mesmo que seja permitido aos caciques transmitir aos filhos seu capital político, a perpetuação dessas “dinastias” pode debilitar a saúde do regime democrático.
“A eleição dos filhos acaba sendo um mecanismo de oligarquização da política com grupos que têm um compartilhamento de interesses políticos, econômicos e sociais e que pensam igual, agem igual e escondem muitas vezes o que se convencionou chamar de malfeitos. Isso colide com o interesse público”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP.
“Em países onde as instituições são muito mais sólidas, o poder dos políticos e dos filhos dos políticos estão sempre cerceados pelo poder constitucional. Mas no Brasil, onde 40% do PIB passa pelo Estado e há 27.000 cargos de livre indicação, o poder político é gigantesco e pode desvirtuar o processo democrático”, avalia o cientista político Luiz Felipe D’Ávila, diretor-presidente do Centro de Liderança Política (CLP). “A manutenção de dinastias pode usar a máquina pública como forma de distribuição de favores”, afirma.
A política de parentesco não é exclusividade do Brasil – as famílias Kennedy e Bush nos Estados Unidos são bons exemplos – mas a disputa de outubro deve deixar ainda mais evidente a oligarquização da política brasileira se confirmar a eleição dos filhos de ex-governadores, ex-senadores e até de deputados. Entre 2006 e 2010, 228 dos 513 deputados federais tinham parentes na política, segundo levantamento da ONG Transparência Brasil, sendo que 53% deles eram herdeiros diretos do pai.
“Essa tendência de formar políticos e quadros através da tradição familiar é uma reserva de mercado. As famílias caminham em função dos próprios interesses e se separam de interesses universais dos eleitores”, completa José Álvaro Moisés. “Não é muito republicano que em um país de 200 milhões de habitantes, com a complexidade que tem o Brasil e com um sistema democrático recente, famílias se perpetuem no poder e criem relações nem sempre defensáveis do ponto de vista público e dos interesses da sociedade. É muito provável que esses políticos tenham como objetivo primeiro os seus valores de comportamento a defesa de sua família, de seu grupo, de sua facção”, diz.
Neste ano, no momento em que José Sarney, o maior cacique da política nacional, deixa oficialmente a vida pública, a política de pai para filho não dá sinal de arrefecimento, atinge os mais diversos rincões do país e inclui de cargos mais modestos, como os de deputado estadual ou distrital, até o controle de governos estaduais. Depois de a política ter abrigado filhos de políticos dos mais diversos espectros ideológicos – Roseana e Zequinha Sarney, Luciana Genro, Efraim Filho, Rodrigo Maia, Jaqueline Roriz, Felipe Maia, Duarte Nogueira e Fernando Coelho Filho – concorrem nas eleições deste ano a cargos de deputado federal, por exemplo, Marco Antônio Cabral (PMDB), filho do ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral, Pedro Cunha Lima (PSDB), filho do ex-governador da Paraíba e atual senador Cássio Cunha Lima, e Newton Cardoso Jr (PMDB), filho do ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso. Em comum, além de uma discutível experiência política, a defesa de interesses oligárquicos e a expectativa de receber grande parte dos votos do eleitorado cativo do patriarca.
“Em oligarquias de outras profissões, como advogados ou médicos, o herdeiro é julgado por sua competência. Ninguém vai se operar com o filho de um cirurgião apenas porque o pai era competente. Se o filho de um grande advogado começa a perder causas não será contratado mais. Na iniciativa privada existem critérios mais sólidos do que no mundo público para julgar as dinastias”, afirma D’Ávila.
Na plataforma de campanha do novato Marco Antônio Cabral, por exemplo, há um misto de defesa do legado de Sergio Cabral – que deixou o governo com aprovação de apenas 20% dos eleitores – de elogios ao sucessor Luiz Fernando Pezão (PMDB) e de compromisso como transformar a base militar de Santa Cruz em um aeroporto comercial e criar unidades de educação tecnológica (Cefet). São de Marco Antônio Cabral, por exemplo, promessas de apoio a inclusão de jovens por meio do surfe e de lutas marciais. Com apenas 22 anos, o estudante Felipe Francischini, candidato a deputado estadual, não desgruda sua campanha do nome do pai, o deputado candidato à reeleição e delegado licenciado Fernando Francischini. “Vi meu pai lutar contra a corrupção em Brasília. Agora é a minha vez de defender o que é certo do jeito que meu pai me ensinou”, diz o aspirante a parlamentar no site de sua campanha.
Se na Grécia Antiga a assembleia pública conhecida como Ágora forjava os principais líderes de seu tempo, no Brasil, historicamente, as famílias políticas são responsáveis por boa parte dos criadouros de candidatos. Nas eleições deste ano, a exemplo do que já aconteceu no passado, o pedigree dos filhos de políticos conhecidos é a principal arma para a conquista de votos.
Filho do ex-ministro e ex-líder governista Romero Jucá, Rodrigo Jucá compõe a chapa do PSB como candidato a vice-governador de Roraima. O filho do ex-governador do Pará e atual senador Jader Barbalho, Helder Barbalho (PMDB), briga pela liderança nas pesquisas pelo governo paraense contra o atual governador Simão Jatene (PSDB). Depois do avô Laércio Barbalho e do pai, Jader, Helder é a terceira geração da família na política. Sua candidatura foi acertada sob as bênçãos do ex-presidente Lula em troca do lançamento do ex-deputado Paulo Rocha, inocentado no julgamento do mensalão, para a vaga do Senado. Líder nas pesquisas de intenção de voto, Helder rejeita pertencer a uma “dinastia” política e minimiza a influência do pai na campanha de 2014. “O papel de Jader nesta campanha é de pai, que torce pelo filho, e que cobra, se eu for eleito, que eu não esqueça do meu compromisso com o povo do meu estado”, afirma. “Não há dinastia. Estou em um novo momento da política, diferente da época do meu pai. A renovação na política não se dá apenas por tirar o sobrenome de alguém, e sim pela forma de se fazer política. O mundo mudou, as pessoas mudaram, as necessidades mudaram. Com isso, o ideal do novo político tem que acompanhar estas mudanças”, diz.
Em Alagoas, o deputado Renan Filho (PMDB), filho do presidente do Senado Renan Calheiros, que também lidera a corrida pelo governo, não abre mão da influência do pai e diz ser “natural” seguir os passos do patriarca. “O senador Renan Calheiros é uma grande liderança política em Alagoas. O voto livre do povo alagoano tem respondido que é natural seguir a carreira política do meu pai. Assim como ocorre com médicos, advogados, jornalistas, atores e outros profissionais, alguns filhos de políticos seguem a carreira do pai”, afirma.
Na disputa pela preferência do eleitor, quando a associação do candidato com o pai famoso não é imediata, os filhos aspirantes aos cargos eletivos tratam logo de incorporar o sobrenome famoso e deixar claro quem é o padrinho político. Foi o caso, por exemplo, de Maurício Thadeu de Mello e Silva, que se apresenta nas urnas para deputado estadual como Requião Filho em associação ao pai senador e ex-governador do Paraná Roberto Requião. Ou de Irajá Silvestre Filho, candidato à reeleição para deputado federal que estrategicamente recorre ao sobrenome da mãe, a senadora Katia Abreu, para se apresentar ao eleitor como Irajá Abreu.
Na formação de futura Câmara Federal, há ainda herdeiros políticos que vem galgando espaço a cada eleição. O deputado estadual baiano Cacá Leão (PP), filho do deputado e atual candidato a vice-governador João Leão, vai disputar o cargo de deputado federal, assim como o deputado estadual Arthur Bisneto (PSDB), filho do prefeito de Manaus e ex-senador Arthur Virgílio. Mário Negromonte Filho, por sua vez, tenta um naco dos quase 170.000 votos do pai para se eleger deputado federal. Negromonte pai, ex-ministro das Cidades, esteve envolvido em um sem-número de escândalos – desde o pagamento de propina a integrantes de seu partido até a adulteração de projetos bilionários – mas agora ocupa confortavelmente o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia.
Também vão se aventurar nas urnas o empresário Expedito Netto, de 25 anos, filho do senador Expedito Junior, cassado por compra de votos em Rondônia, o empresário tocantinense João Ribeiro Jr, filho do ex-senador João Ribeiro, parlamentar réu por trabalho escravo e morto no ano passado, e a administradora de empresas Lívia Fidelix, filha do eterno candidato do Aerotrem Levy Fidelix.
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