No momento mais crítico da investigação, a Operação Lava Jato deixou de oferecer risco e virou uma oportunidade para o Congresso. Essa é a avaliação de especialistas entrevistados pelo EL PAÍS sobre a nova vitória do presidente Michel Temer (PMDB) na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Nesta quarta-feira, Temer obteve 39 votos favoráveis e 26 votos contrários ao relatório do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB), pelo arquivamento da segunda denúncia contra o presidente.
Parecia um momento grave. Pela primeira vez na história, um presidente da República foi denunciado no Brasil no exercício do cargo. Temer quebrou esse recorde duas vezes, com duas denúncias. Nesta segunda denúncia, Temer é acusado de obstrução de Justiça e de chefiar a organização criminosa composta pelo PMDB na Câmara dos Deputados.
Mas as denúncias contra Temer viraram apenas um atalho para parlamentares barganharem benesses do governo federal. Em troca da blindagem, com a rejeição da abertura de ação penal no Supremo Tribunal Federal durante o mandato presidencial, Temer concedeu diversas vantagens aos parlamentares. Nas últimas semanas, Temer afrouxou regras da fiscalização ao trabalho escravo por meio de uma portaria, negociou mais de 200 milhões de reais em emendas orçamentárias e se empenhou na derrubada das medidas cautelares contra o senador Aécio Neves (PSDB), de acordo com parlamentares de oposição.
Esse atalho ficou ainda mais fácil depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu na semana passada que quaisquer medidas cautelares da corte contra parlamentares, como o afastamento do mandato ou a prisão, precisam ser referendadas pelo Congresso.
O arquivamento da segunda denúncia contra Temer ainda precisa ser confirmado no plenário da Câmara. Mas a expectativa do governo é de vitória. A primeira denúncia foi arquivada por 41 votos a 24 na Comissão de Constituição e Justiça e, no plenário, por 263 votos favoráveis à blindagem de Temer contra 227 que defenderam a abertura de ação penal.
Tanto na primeira vitória de Temer como neste segundo triunfo, o custo da vitória de Temer deve recair para a população, seja pelo preço no uso do orçamento público para emendas e benesses do governo federal a parlamentares, como para a sociedade como um todo que volta algumas casas em avanços sociais conquistados nas últimas décadas.
Nas discussões dos parlamentares na Comissão de Constituição e Justiça, predominaram defesas de Temer como se essa blindagem ao presidente garantisse a recuperação da economia ou como se as denúncias não tivessem provas de crimes. Todos argumentos considerados falsos e rejeitados pela oposição. O deputado Alessandro Molon (REDE-RJ) foi um dos que defendeu a abertura de ação penal contra o presidente e seus aliados. “Temer e seus ministros precisam ser processados por seus crimes”, afirmou.
Mas integrantes da bancada na mira da Operação Lava Jato se juntaram à tropa de choque de Temer e a outros alvos de investigações. É o caso de Arthur Lira (PP-AL), réu na operação por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, que votou pelo arquivamento da segunda denúncia, assim como Luiz Fernando Faria (PP-MG) (acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro), e também Paes Landim (PTB-PI), e Beto Mansur (PRB-SP), investigados pelo recebimento de doações irregulares. Todos eles votaram pelo arquivamento da denúncia.
Até o deputado Paulo Maluf (PP), condenado no Supremo Tribunal Federal por lavagem de dinheiro e velho sobrevivente de escândalos de corrupção, deu o ar da graça, elogiando o relatório de Andrada que blindou Temer. “É um primor”, afirmou. Não faltou quem defendesse a blindagem de Temer pela “estabilidade” do país. “Querem destituir o presidente há um ano das eleições para causar mais caos, sofrimento e instabilidade no país. Mas o povo não aguenta mais”, afirmou o deputado Pastor Franklin (PP).
Discursos empolados, dois pesos e duas medidas, benesses negociadas pela salvação de Temer, nada difere da história do Brasil desde o período colonial, avalia a historiadora Adriana Romeiro, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e autora do livro Corrupção e Poder no Brasil. “A impunidade sempre foi uma constante na história do Brasil. Nossas elites têm mais de 500 anos de aprendizado de ilegalidade e de impunidade. Vemos que práticas patrimonialistas ainda estão em vigor. A expectativa era que a Operação Lava Jato fosse um combate à corrupção”, afirmou.
Temer tinha alavancagem para se preservar da Operação Lava Jato com concessões a parlamentares, mas esse preço ficou cada vez caro. Depois das delações do doleiro Lúcio Funaro, antigo operador do PMDB, que também acusa Temer de envolvimento em crimes de corrupção, esse preço de sobrevida também aumentou. Para Christian Dunker, coordenador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da Universidade de São Paulo e estudioso das relações de poder, o preço para Temer se manter no poder ficou ainda maior pela falta de legitimidade que ele enfrenta no cargo.
“É um sistema de chantagens mútuas em que quem está governando não tem poder de manobra para alterar as regras pelas quais o poder é redistribuído. Temer precisa pagar um preço cada vez mais alto e mais caro para obter o mesmo efeito. Isso explica também a falta de constrangimento de apresentar propostas com 3% de aprovação nas pesquisas”, afirma Dunker.
Para Dunker, a blindagem a Temer no Congresso, com a rejeição de abertura de ações penais, é também uma demonstração de como a legislação pode ser corrompida em prol de interesses particulares. “A lei tem uma finalidade interessante, mas é instrumentalizada para corrupção”, avalia.
Na prática, a proteção da Câmara, com a rejeição de abertura de ações penais, apenas adia que Temer seja processado. Essa blindagem permite que ele só seja processado criminalmente, pelas mesmas acusações, depois do término do mandato presidencial. Temer ganha tempo, pode inclusive ficar mais perto da prescrição dos crimes e de novos entendimentos da Justiça. Mas os parlamentares ganham muito mais.
Fonte: El País