Protagonista da atual discussão sobre reajustes salariais e seus consequentes impactos em um Orçamento que opera no negativo, o Judiciário é o único dos três Poderes da União a não respeitar a regra que estabelece limite para o crescimento das despesas.
Segundo dados do Tesouro Nacional, o Judiciário já ampliou seus desembolsos em 8,8% no primeiro semestre deste ano. A variação é mais alta que os 7,2% permitidos pelo teto de gastos para este ano.
Uma reversão do quadro não é fácil, já que os órgãos da Justiça comprometem mais de 80% das despesas sujeitas ao teto com salários e encargos sociais, que não podem ser simplesmente cortados.
A regra do teto de gastos, aprovada em dezembro de 2016, define que o crescimento das despesas do governo federal será limitado à variação da inflação por um período de dez anos, com possível prorrogação por mais dez.
O descumprimento da regra pelo Judiciário pode ser corrigido até o encerramento do ano, quando o governo federal fecha as contas.
Mantido o estouro do limite, o Executivo terá de compensar esse excesso gastando menos do que o permitido.
No ano passado, o uso desse mecanismo já foi necessário.
Com um limite autorizado de crescimento de 7,2% em 2017 para todos os Poderes, o Judiciário elevou os gastos em 7,5%. O excesso teve de ser absorvido pelo Executivo.
Como a economia de cada Poder foi repassada para este ano como saldo, o limite de gastos não é mais linear.
O Executivo, por exemplo, tem um teto que permite alta de 7,1% dos gastos e ampliou as despesas no primeiro semestre deste ano em 5,3%. Isso ainda deixa uma folga
no Orçamento.
O Legislativo, por sua vez, ampliou os desembolsos em 2,7% de janeiro a junho, índice bem menor do que os 9,6% permitidos.
No total, juntando todos os Poderes, o gasto poderá crescer no máximo 7,1% neste ano.
Mantida a tendência, o descumprimento da regra pelos órgãos da Justiça deve ser observado novamente neste ano —e pode ser ainda mais intenso em 2019.
Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiram propor um reajuste de 16,38% para os próprios salários, de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil. O novo valor valeria a partir do próximo ano.
Se for aprovado pelo Congresso, o aumento vai gerar um efeito cascata, porque o valor pago aos ministros é o teto para o funcionalismo.
Desse modo, o reajuste do STF provoca aumento automático na remuneração de servidores que hoje têm salários cortados por estarem acima do limite.
Além disso, algumas categorias têm seus reajustes atrelados aos dos ministros.
Apesar de o Executivo compensar os excessos do Judiciário, essa facilidade tem data para acabar.
A partir de 2020, cada um dos três Poderes —além de Defensoria Pública da União e Ministério Público da União— terá de respeitar seu próprio limite, sem a possibilidade de auxílio.
Em caso de descumprimento do teto de gastos, são acionados gatilhos de ajuste, como veto a aumentos salariais de servidores, criação de cargos e realização de concursos.
O professor da FGV Eaesp Sergio Luiz de Moraes Pinto alerta para o fato de que o governo corre o risco de ser obrigado a conceder reajustes mesmo em caso de acionamento desses gatilhos.
Ele afirma que a regra veda esses aumentos, a menos que sejam provenientes de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à entrada em vigor da norma.
“Nesses casos, o governo será obrigado a dar os aumentos, mas vai ter de cortar em outro lugar, possivelmente em despesas sociais, saúde ou educação”, afirmou.
A pressão dos gastos com pessoal, somada a outras despesas em trajetória de crescimento, como a da Previdência, já está aos poucos estrangulando o Orçamento e forçando cortes de gastos não obrigatórios.
Neste ano, o governo prevê um desembolso de R$ 127,7 bilhões com despesas discricionárias, o que representa menos de 10% do limite de gastos, estipulado em R$ 1,347 trilhão.
O relator do projeto que estabeleceu as bases para o Orçamento de 2019, senador Dalírio Beber (PSDB-SC), ressalta que o governo já está perdendo, por exemplo, a capacidade de investir. Ele explica ainda que não é viável cortar certas despesas discricionárias.
Fonte: Folha de S. Paulo/Bernardo Caram