
Em mais uma sinalização de redução de transparência em grandes plataformas digitais, a Meta — dona do Facebook, Instagram e WhatsApp — decidiu desativar o CrowdTangle, ferramenta gratuita para monitoramento de redes sociais comprada pela empresa em 2016. O anúncio gerou críticas e preocupação entre pesquisadores, que veem na medida uma restrição no acesso a dados às vésperas de processos eleitorais.
O CrowdTangle ficará indisponível a partir de agosto, dois dias antes do início do período oficial das campanhas eleitorais no pleito municipal do Brasil e em um ano com recorde de eleições pelo mundo. A ferramenta é usada por jornalistas, pesquisadores e checadores de fatos e fornece dados que, entre outras finalidades, auxiliam na localização e rastreamento de publicações com desinformação e discurso de ódio. A mudança afetará análises sobre conteúdos que circulam nas redes da Meta.
Ao anunciar a desativação do CrowdTangle, a empresa informou que novas ferramentas de pesquisa estarão disponíveis junto ao Consórcio Interuniversitário para Pesquisa Política e Social (ICPSR) da Universidade de Michigan. Segundo a Meta, essas novas ferramentas poderão ser solicitadas por “pessoas de instituições acadêmicas qualificadas ou sem fins lucrativos que realizem pesquisas científicas ou de interesse público”. Não há informações sobre o acesso pela imprensa.
Apagão de dados
Diretor do Instituto Democracia em Xeque e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), João Guilherme Bastos dos Santos diz que a mudança impacta análises que seguem os termos de uso das plataformas e não lançam mão de outros métodos de coleta, como a raspagem de dados. O CrowdTangle funcionava como intermediário ao permitir acessar e organizar dados.
— Há um cenário em que as plataformas investem cada vez mais em banir envolvidos em raspagens, que vão contra termos de uso, mas não são ilegais — diz Santos. — Quase todas as pesquisas que conferem continuamente discurso de ódio e desinformação no Instagram e Facebook em escala dependem do CrowdTangle.
Para o pesquisador, a medida pode levar a um “apagão” durante o período mais próximo à votação. A decisão da Meta acompanha tendência observada em outras big techs, que vêm dificultando o acesso a dados. As limitações acontecem em muitos casos pelo fim da gratuidade de APIs (sigla, em inglês, para interface para programação de aplicações) e a prática de preços “proibitivos”. Foi o caso do X (antigo Twitter), que passou a cobrar pelo acesso.
Diretor da Bites, empresa de análise de dados, André Eler diz que o movimento da Meta preocupa.
No caso do Brasil, há expectativa pela disponibilização de dados sobre impulsionamento de conteúdo digital nas campanhas eleitorais, conforme regulação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apenas a Meta e o Google contam hoje com plataformas de transparência de anúncios. Na avaliação de Eler, porém, a medida não deve ser suficiente.
— Com o CrowdTangle, era possível identificar quando outros perfis ou outras páginas públicas faziam propaganda de algum candidato, inclusive propaganda negativa, desinformação. Ele permite identificar o primeiro post da desinformação e rastrear o caminho.
Procurada para comentar a mudança, a Meta enfatizou a substituição por novas ferramentas: “Continuaremos coletando o feedback de pesquisadores e adicionando novos recursos e bases de dados ao longo do tempo”.
Dificuldades de transparência
- YouTube: A plataforma encerrou em 2023 o acesso à parte da consulta de sua API que permitia mapear quais são os conteúdos relacionados a um determinado vídeo. A medida dificulta pesquisas sobre como funciona seu sistema de recomendação e possível relação da plataforma com a radicalização.
- X (antigo Twitter): Sob gestão de Elon Musk, a rede social passou a cobrar pelo acesso à API, interface que permite a extração e análise de dados. A medida dificulta pesquisas acadêmicas focadas, entre outros temas, em analisar fake news e discurso de ódio.
- TikTok: No mês passado, a União Europeia (UE) abriu um procedimento contra a rede social por possível violação das normas de transparência e proteção a menores. Como o Kwai, a plataforma tem menor nível de transparência que outras redes e não oferece, por exemplo, acesso a APIs para fins de pesquisa.