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Por que os cargos de poder são sempre ocupados por pessoas brancas? Qual a representatividade das pessoas negras na gestão pública e nos partidos políticos?

Foto Montagem Gazeta do Cerrado

Por Prof. Doutor George França e Prof Mestrando Stânio Vieira*

A ausência marcante de representatividade negra nos cargos de poder é uma contundente evidência do persistente racismo estrutural que permeia nossa sociedade. Ao longo da história, os negros têm sido sistemática e injustamente excluídos dessas posições de liderança, sendo vítimas de discriminação e opressão que remontam aos tempos sombrios da escravidão.

Essa falta de representatividade negra nos cargos de poder revela a persistência de um sistema que perpetua uma formação etnocêntrica baseada no padrão estético europeu que centraliza na imagem branca, negando oportunidades igualitárias. A consequência cultural dessa situação é a frequente desconfiança ao gestor negro. A sua capacidade intelectual não é vista e quando há alguma demonstração de visibilidade é na base da tolerância e não de aceitação. E isso ocorre em razão da estética. E por que a aparência? No Brasil, o preconceito ficou é de marca ou de cor , ou seja, manifesta-se com o detalhe em uma gradação da cor da pele. É diferente do preconceito de origem , característico dos Estados Unidos, em que basta ter um ascendente negro para ser considerado negro, independente da tez da pele. Diante disso a pessoa que se aproxima mais dos traços europeu é aceito, pois no imaginário racial brasileiro ser branco é uma alusão e quase uma benção. Dessa forma o privilégio de ser branco faz que o protagonismo esteja sempre em evidência.

Nessa construção cotidiana da ideologia do embranquecimento permite a  ausência de representatividade negra que é  uma ferida aberta em nossa história, reflexo de uma sociedade que continua a valorizar e privilegiar a branquitude e seus pactos, ao mesmo tempo em que relega as pessoas negras ao status de cidadãos de segunda classe, perpetuando a exclusão e a sub-representação nos cargos de poder. São inúmeras as barreiras enfrentadas pelos negros, e muitas delas foram superadas com a força da luta ancestral e com a dignidade daqueles que emergiram das condições mais adversas possíveis.

Nessa perspectiva, é importante referência que os movimentos de negras e negros brasileiros desempenham um papel fundamental na criação de políticas públicas antirracistas, mesmo que em número limitado. Suas conquistas representam vitórias poderosas e refletem a resiliência e a determinação das pessoas negras em busca da plena cidadania e do reconhecimento histórico na sociedade brasileira.

No entanto, são várias as barreiras encontradas, algumas delas ainda são: estereótipos pejorativos, padrões de recrutamento e seleção discriminatórios, acesso limitado à educação de qualidade, ainda escassez, ou mesmo ainda falta de informação para o uso das políticas afirmativas disponíveis.

No Brasil, foram estabelecidas leis que visam promover a inclusão e a representatividade dos negros em diferentes setores da sociedade. A Lei nº 12.990/2014 determina a reserva de 20% das vagas em concursos públicos para cargos efetivos e empregos públicos, abrangendo órgãos da administração pública federal, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União. Essa medida tem o propósito de combater a sub-representação dos negros no serviço público e proporcionar oportunidades mais equitativas de acesso a essas posições.

Outra lei relevante é a Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas nas Universidades. Essa legislação estabelece a reserva de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, levando em consideração critérios socioeconômicos, étnico-raciais e para pessoas com deficiência. O objetivo é democratizar o acesso à educação superior, garantindo oportunidades igualitárias para grupos historicamente marginalizados. Essas leis representam avanços significativos na promoção da igualdade de oportunidades e no enfrentamento das desigualdades estruturais que afetam os negros no Brasil.

É importante destacar a recente iniciativa do governo federal por meio do Decreto nº 11.443, de 21 de março de 2023, que estabelece a obrigatoriedade de preenchimento de percentual mínimo de cargos em comissão e funções de confiança por pessoas negras na administração pública federal. Conforme o decreto, os órgãos e entidades devem preencher no mínimo 30% dos Cargos Comissionados Executivos (CCE) e Funções Comissionadas Executivas (FCE) com pessoas negras nos níveis de 1 a 12, e nos níveis de 13 a 17. É estabelecido um prazo até 31 de dezembro de 2025 para alcançar os percentuais mínimos determinados pelo decreto. Além disso, é prevista a definição de metas intermediárias para cada grupo de níveis, por meio de ato das autoridades máximas dos Ministérios da Igualdade Racial e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Essa medida representa um passo importante para promover a inclusão e a representatividade negra nos cargos de liderança no setor público, contribuindo para a superação das desigualdades históricas e o fortalecimento da diversidade nas instituições governamentais.

A promulgação da Lei nº 12.711/2012, da Lei nº 12.990/2014 e a implementação do Decreto nº 11.443/2023 representam avanços significativos nas políticas de inclusão e igualdade racial no Brasil. Essas medidas recentes são estratégias de extrema importância, cujos impactos ainda estão por ser plenamente percebidos, mas que certamente irão gerar resultados positivos ao promoverem a equidade de oportunidades e a representatividade das pessoas negras brasileiras.

No campo da política, algumas medidas foram implementadas pelo TSE com o objetivo de promover a inclusão de pessoas negras, como a orientação de cotas raciais para a distribuição do fundo partidário entre os partidos políticos. Essas medidas visam a estimular a participação e representatividade nos espaços de poder político. No entanto, é importante destacar que os resultados concretos ainda são limitados e aquém do esperado. Ainda há desafios a serem enfrentados, como a efetiva implementação das cotas e a garantia de igualdade de oportunidades para que possam exercer um papel mais significativo na política brasileira.

É pertinente questionar e provocar a estrutura dos partidos políticos no Brasil em relação à inclusão das pessoas negras, pois, infelizmente, essa presença ainda é inviabilizada e não desperta grande interesse por parte das agremiações políticas. A presença negra nos partidos é frequentemente subestimada e negligenciada, sendo relegada a um papel secundário e meramente instrumental, “mão de obra – barata”, sobretudo nos períodos eleitorais.  Ao olhar para essa realidade, percebemos que as pessoas negras são muitas vezes vistos como meros executores, não sendo reconhecidos como protagonistas políticos. Essa visão limitada reforça estereótipos e perpetua uma marginalização que impede a plena participação dos negros no cenário político.

É fundamental refletir sobre essas questões e buscar mudanças significativas que assegurem uma participação efetiva e representativa na política brasileira, superando a visão de que as pessoas negras são apenas uma “mão na massa” e reafirmando seu papel como protagonista na construção de um país mais inclusivo e democrático. É importante também perceber que o problema transcende as diferenças ideológicas e permeia todas as agremiações partidárias. É uma questão estrutural enraizada na mentalidade arraigada de muitos dirigentes políticos, que ainda veem como uma “mão de obra” a ser utilizada e descartada, ao invés de enxergá-lo como uma voz ativa e poderosa na construção de políticas transformadoras.

Ainda nesse sentido, podemos também refletir sobre a ausência de representantes negras e negros nos cargos de indicação em Brasília demonstra uma desconexão entre as lideranças políticas e a realidade da população negra. A falta de vozes negras nessas posições estratégicas contribui para a reprodução de estereótipos e a manutenção de uma visão unidimensional da sociedade, que é algo profundamente preocupante, pois evidencia a falta de diversidade e representatividade em posições-chave do poder político

Nesse contexto, é necessário transcender as discussões partidárias e focar na análise crítica do sistema político como um todo. A falta de representação nos cargos de poder não pode ser atribuída somente a um partido específico, mas sim compreendida como uma questão sistêmica e estrutural que requer uma ampla transformação.

A solução para a falta de representatividade nos cargos de poder requer a implementação de uma série de medidas abrangentes e efetivas. Entre elas, destaca-se o fortalecimento de movimentos e organizações negras, que desempenham um papel fundamental na promoção da visibilidade e do empoderamento da comunidade negra. Além disso, é essencial construir um projeto educacional antirracista, que busque fomentar a consciência e o respeito à diversidade racial desde os primeiros anos de formação dos indivíduos. Paralelamente, é preciso incentivar o empreendedorismo e criar oportunidades econômicas para a comunidade negra, visando a redução das desigualdades socioeconômicas.

Essas medidas devem ser implementadas de forma abrangente e coordenada, com o objetivo de combater o racismo estrutural e promover a inclusão plena dos negros na sociedade. Assim como é necessário promover a participação política ativa da comunidade negra. Encorajar a participação política, seja por meio de candidaturas, engajamento em movimentos sociais ou ocupação de espaços de representação, é essencial para ampliar a voz e influência dos negros na tomada de decisões. Essa participação ativa contribui para romper com as estruturas de poder que excluem os negros e garante a representatividade necessária para abordar as demandas e necessidades da comunidade. Ao criar oportunidades e espaços seguros para a participação política dos negros, fortalecemos a democracia e avançamos na luta por igualdade racial.

Em conclusão, a ausência de representatividade negra nos cargos de poder é uma manifestação evidente do racismo estrutural presente em nossa sociedade. Para enfrentar esse problema, é fundamental adotar medidas abrangentes e efetivas.  Principalmente em um estado como o Tocantins que tem uma população formada em média por 25% de pessoas brancas, as quais tem amplo domínio de todos os espaços políticos e de poder, em detrimento de mais de 70% da população que é negra e ainda invisível nos espaços de poder do nosso estado. É preciso enfrentar o racismo estrutural em todas as esferas da sociedade e promover políticas públicas que garantam igualdade de oportunidades para todos. Mas, acima de tudo é mais importante ainda que a população negra seja a protagonista da sua própria história porque nós somos a grande maioria das pessoas deste Estado.

 

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 ago. 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm.. Acesso em: 01/06/2023

BRASIL. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Dispõe sobre a reserva de vagas para negros nos concursos públicos federais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jun. 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm. Acesso em: 01/06/2023

BRASIL. Decreto nº 11.443, de 21 de março de 2023. Estabelece a obrigatoriedade de preenchimento de cargos em comissão e funções de confiança por pessoas negras na administração pública federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 mar. 2023. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11443.htm. Acesso em: 01/06/2023

George França*

Prof. Dr. George França
Professor Associado na Universidade Federal do Tocantins (UFT), onde atua no curso de Letras: Libras e no Programa de Mestrado e Doutorado em Modelagem Computacional de Sistemas (PPGMCS). Doutor em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) e possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), além de mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas na mesma universidade. Desempenhou cargos relevantes na gestão pública, como Pró-Reitor de Graduação na Universidade do Tocantins (UNITINS), Pró-Reitor de Extensão e Cultura na Universidade Federal do Tocantins (UFT) e Diretor do Câmpus de Porto Nacional da UFT. Como contribuição acadêmica, o professor participou da criação do curso de Letras: Libras na UFT. Atualmente, ele lidera e coordena o programa de Pesquisa e Extensão sobre Transtorno do Espectro Autista no Âmbito das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), que desenvolve tecnologias digitais integradas com robótica para a educação especial. Além disso, ele exerce a função de coordenador pedagógico do Programa de Formação Docente Continuada (PROFOR/UFT) e é o idealizador e coordenador do Curso de Aperfeiçoamento em Atendimento Educacional Especializado (AEE), com foco nas Deficiências Intelectual e Múltipla Sensorial – RENAFOR-MEC/UFT/SEDUC TO. Ele também supervisiona o Curso de Aperfeiçoamento em Atendimento Educacional Especializado (AEE): Educação – RENAFOR. As áreas de atuação, incluem Tecnologias Educacionais, Educação Especial, Inclusão, Cidadania Digital, Acessibilidade, entre outras. Ele possui um extenso número de artigos publicados em revistas nacionais e internacionais e é autor do livro “O Design Instrucional na Educação a Distância: John Dewey como uma referência metodológica”. Além disso, ele organizou os livros “Práticas em EaD: Temas emergentes”, “Fronteiras da Educação: desigualdades, tecnologias e políticas”, “Tecnologias Educacionais no Tocantins – face a face”, “Autismo: Tecnologias e formação de professores para a escola pública” e “Autismo: tecnologias para a inclusão”. O professor também exerce a função de Presidente da Comissão Heteroidentificação da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Stânio Vieira*

Prof. Mestrando Stânio Vieira Possui Graduação em História pela Universidade Federal do Piauí (2000), Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (2010) e Especialização em História Regional do Piauí (2006). Mestrando no Curso de Mestrado Profissional em Educação pela Universidade Federal do Tocantins na Linha de Pesquisa: Currículos específicos de etapas e modalidades de educação. Professor na área de Sociologia no Instituto Federal Tocantins – Campus Dianópolis. Exerceu a função de Ouvidor Agrário no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – SR 24 PI. Exerceu a função de Sociólogo na Administração Pública do Estado do Tocantins nas seguintes funções: Assessor de Currículo de Sociologia e Gerente de Inovação Científica e Educacional e Diretor de Educação Profissional e Tecnológica na Secretaria de Educação do Estado do Tocantins. Exerceu a função de Conselheiro do Conselho Superior do Instituto Federal do Tocantins (CONSUP) – 2020-2022. Membro voluntário do Coletivo Permanente para Promoção da Igualdade Racial, vinculado ao Núcleos Aplicados das Minorias e Ações Coletiva – NUAmac/Dianópolis da Defensoria Pública do Estado do Tocantins. Membro da Comissão Permanente de Heteroidentificação da Universidade Federal do Tocantins. Coordenador Adjunto de Combate às Opressões do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica.Tem experiência na área de História e Sociologia, com ênfase em Cultura,Identidade e Movimentos Sociais. Atuando principalmente nos seguintes temas: educação, cidadania, desigualdades, juventude, escravidão e movimento negro.

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