Seis meses após a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela,
Anderson Gomes, completados nesta sexta-feira (14), sobram dúvidas em relação à
autoria do crime e faltam explicações quanto ao que pode ter motivado os
assassinatos.
“É difícil deitar na cama e imaginar o porquê dessa barbaridade. Eu
sei que não criei uma filha para ser odiada, para fazer mal a ninguém. Como eu
posso dormir em paz enquanto tiver esse questionamento?”, indaga Marinete
Franco, mãe da parlamentar.
Parentes e amigos da parlamentar –e o restante do país– ainda se perguntam
“quem matou Marielle Franco?” e acumulam incertezas quanto às poucas
informações divulgadas pela polícia do Rio desde o início das investigações.
O interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro, general Walter Braga
Neto, prometeu em entrevista ao jornal “O Globo” desvendar o crime até o fim do
decreto de intervenção em 31 de dezembro.
Além da falta de informações sobre o caso, familiares de Marielle continuam sendo
vítimas de outro tipo de violência: o ódio nas redes sociais. Nesse período, não
foram poucos os memes, correntes e fake news que atingiram –e
continuam atingindo– a família.
“Nós cobramos justiça e respeito. As redes sociais nem sempre são território desse tipo de valores”, afirma a irmã da vereadora, Anielle Franco, que lamenta o uso do nome de Marielle por candidatos de diferentes partidos nas eleições desse ano.
De acordo com ela, o histórico de Marielle voltou a ser contestado no último dia 6,
quando o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL)
As pessoas passaram a comparar os dois episódios e citar a minha irmã no contexto dessa polarização entre a direita e a esquerda do país. Me marcaram em um meme asqueroso que dizia ‘mulheres reclamam por ganhar menos do que homens, mas Marielle ganhou quatro tiros na cabeça, enquanto Bolsonaro ganhou apenas uma facada na barriga’. Por isso eu me afastei das redes”, explica
“Nessa época eleitoral, muitos candidatos de direita e de esquerda se apresentam como grandes amigos da Marielle.”
Marinette Franco, mãe de Marielle Anielle não nega ter assumido protagonismo após a perda da irmã. Formada em jornalismo pela Uerj, ela, que diz sempre ter tido aversão aos holofotes, se viu como porta-voz das bandeiras deixadas por Marielle.
“O meu lugar de fala mudou e sigo lutando por justiça, não somente em relação à Marielle, mas a todas as mulheres negras”, diz ela, que refuta qualquer envolvimento com a política partidária no futuro. “Eu não duraria um ano nesse ambiente recheado de hipocrisias e crimes. Me engajei, sim, mas somente em relação à política de formação crítica”, conta.
As atitudes condenadas pela família não vêm somente daqueles que faziam oposição aos ideais defendidos por Marielle. “Nessa época eleitoral, muitos candidatos de direita e de esquerda se apresentam como grandes amigos da Marielle, citam o nome dela nos palanques da vida e chegam a contar histórias que sabemos que não são verdadeiras”, diz a mãe da vereadora.
Anielle pede bom senso. “Nós não queremos destruir a campanha de ninguém, de nenhum partido. Mas pedimos respeito e cuidado no uso da imagem”, conclui. Há seis meses a estudante Luyara dos Santos, 19, filha de Marielle, viu a sua vida virar de cabeça para baixo. Além de ter perdido a mãe, em um crime que chocou o país, a jovem, recém ingressa na faculdade de educação física, teve que conviver com milhares de fake news compartilhadas nas redes sociais
Os boatos eram muitos e, em alguns casos, envolviam até mesmo seu nome
“Disseram que ela era filha de um traficante, que Marielle era envolvida com uma facção criminosa… Imagina isso na cabeça de uma menina que só queria chorar a perda da mãe. Foi muito difícil”, lembra Anielle, tia de Luyara.
Hoje, a jovem que passou a morar com os avós, conseguiu retomar a rotina e as crises de choro se tornaram menos frequentes. “Apesar de tudo o que aconteceu na vida dela, a Luyara passou em todas as disciplinas do primeiro período da faculdade. As paredes da universidade têm muitas menções e imagens da Marielle. Isso a encoraja, fortalece. Ela ensinou a prima de dois anos a falar ‘Mariele, presente'”, diz Anielle.
O que já se sabe do caso
Marielle voltava na noite de 14 de março com o motorista Anderson para casa acompanhada de uma assessora após deixar uma reunião política na Lapa, centro do Rio. A partir de imagens de câmeras de segurança, a polícia investiga o envolvimento de dois carros –um deles um Cobalt prata– que seguiram o automóvel de Marielle na rua Joaquim Palhares, um dos carros emparelhou com o veículo onde estava a vereadora e, de dentro dele, um criminoso efetuou os disparos. Ao menos 13 tiros foram disparados.
Até o momento, cinco suspeitos de envolvimento estão presos, mas cumprem
penas por outros crimes –a polícia ainda não revelou as provas que ligariam esses
homens aos assassinatos.
Entre os investigados, três são suspeitos de envolvimento mais direto nas mortes: o
ex-PM Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, apontado como chefe de
uma quadrilha de milicianos que atua na zona oeste carioca; o ex-bombeiro Luis
Claudio Ferreira Barbosa e outro ex-PM Alan Nogueira –a presença deste
último no carro dos criminosos é investigada.
Os três estão detidos por envolvimento em um crime que ocorreu em fevereiro de
2017 na Baixada Fluminense.
As denúncias que levaram os agentes aos nomes desses suspeitos também
inspiram cuidados dos investigadores, já que partiram de outro policial, que
confessou ter integrado o mesmo grupo paramilitar.
Em depoimento prestado em maio, o delator, que teve a identidade preservada, informou ter presenciado conversas entre Curicica (para quem disse ter trabalhado como segurança) e o vereador Marcelo Siciliano (PHS), em junho de 2017. Nesses encontros, o assassinato de Marielle teria sido encomendado pelo vereador e os dois, acertado detalhes do crime.
Com medo de ser morta, a testemunha prestou depoimento em troca de proteção.
Em abril, Carlos Alexandre Pereira Maia, assessor de Siciliano, foi assassinado no
bairro de Jacarepaguá, na zona oeste carioca. A mesma equipe da Delegacia de
Homicídios que investiga o caso de Marielle apura se esta outra morte foi uma
espécie de ‘queima de arquivo’.
Dois homens suspeitos pela morte do assessor também foram presos e completam
a lista de cinco detidos: Ruy Ribeiro Bastos e Thiago Bruno de Mendonça —
sobre este último, pesa a suspeita de ter monitorado os passos de Marielle no
dia do assassinato.
À época da prisão, em julho, o advogado de Alan Nogueira, Leonardo Lopes,
afirmou que “ele desconhece totalmente o caso e que nunca participou de grupo
paramilitar nenhum”. Pablo de Andrade, defensor de Curicica, nega que o seu
cliente tenha qualquer envolvimento com milícias e disse que o delator não tem
credibilidade. As defesas dos demais investigados não foram localizadas.
Ainda não se sabe quem apertou o gatilho que acertou quatro tiros na cabeça de
Marielle e três nas costas de Anderson, e a mando de quem. O que se sabe é que
uma submetralhadora HKMP5 foi usada para o crime (armamento idêntico foi
utilizado na reprodução simulada no crime, feita em maio) e, diante
de todas as evidências, pode-se concluir que se tratou de um crime
premeditado.
O ponto escolhido para a emboscada, no bairro do Estácio, na região central do
Rio, não contava com câmeras ligadas. Também se sabe que um segundo carro
participou da ação, tendo dado apoio ao veículo usado pelos assassinos. A polícia
também não revelou –as investigações correm sob sigilo– se identificou e de quem
são os números telefônicos utilizados pelos autores do crime.
As informações podem ter sido obtidas por meio do cruzamento de dados das antenas telefônicas da região, considerando a trajetória percorrida pelos carros suspeitos.
Autoridades associam o assassinato de Marielle ao avanço do trabalho dela em áreas controladas por milícias
A ausência de respostas para quase tudo que envolve o crime atordoa os familiares
da parlamentar. “A cada dia sem respostas, Marielle morre novamente. A memória
dela merece esse esclarecimento”, desabafa a irmã.
A suspeita de relação do crime com a atuação política de Marielle é tão grande
que o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) disse em agosto que a Polícia Civil do Rio investiga os deputados Jorge Picciani, Edson Albertassi e Paulo Mello (todos do MDB e presos pela Operação Cadeia Velha) por suspeita de envolvimento no caso.
As defesas dos três negam qualquer participação.
O ex-deputado e conselheiro afastado do TCE (Tribunal de Contas de Estado),
Domingos Brazão, também prestou depoimento na Delegacia de Homicídios, por
suspeita de dividir eleitorado com Siciliano em áreas comandadas por milícias na na zona oeste. Ele disse desconhecer Curicica e também o motivo do crime.