O debate em torno da possível criminalização da homofobia e da transfobia retorna à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira, dia 20. A discussão, iniciada em 13 de fevereiro, tem como objetivo a deliberação sobre dois aspectos. O primeiro é decidir se o Congresso Nacional tem sido omisso ao evitar discutir a criação de leis que estabeleçam punições para quem discriminar pessoas LGBTI. E, caso os ministros considerem que houve omissão, decidir se cabe ao Supremo criar uma lei sobre o tema, tipificando a discriminação como crime.
De acordo com o Grupo Gay da Bahia, 420 pessoas morreram no país em 2018 por causa de LGBTIfobia — o equivalente a uma morte a cada 20 horas. Desse total, 72% foram assassinadas, e 24% se suicidaram após serem vítimas de preconceito.
O que dizem as ações
São duas as ações sobre o assunto que chegaram ao STF. A primeira é um mandado de injunção (MI-4733) solicitado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABGLT). Esta é uma ferramenta legal usada para pedir a regulamentação de uma norma constitucional, no caso de os poderes competentes se recusarem a fazê-lo. Chegou à corte máxima em 2012.
A segunda é uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO-26) ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), sob relatoria do decano, ministro Celso de Mello. Chegou ao Supremo em 2013.
Ambas alegam que homofobia e transfobia são preconceitos equiparáveis ao racismo, e que, por isso, enquadram-se no conceito de discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais, protegidos pela Constituição Federal.
Principais pontos de ambos os processos
– Alegação de que a criminalização da homofobia e da transfobia é obrigatória constitucionalmente. O argumento é de que essas discriminações violam “direitos e liberdades fundamentais” da população LGBTI.
– Alegação de que o Congresso se omite ao demorar para tratar dessas questões. As ações querem que a alegada demora seja considerada inconstitucional.
– Defesa da criminalização de “todas as formas” de homofobia e transfobia. Entrariam, então, nessa caracterizaçao ofensas (individuais e coletivas), homicídios, agressões e discriminações “motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima”. Não existem, no texto das ações, exemplos práticos do que exatamente seria considerado homofobia ou transfobia, nem quais penalidades poderiam ser dadas.
– Aplicação da mesma lei que estabelece como crime o preconceito de raça ou de cor para o caso da LGBTIfobia.
– Indenização das vítimas de homofobia e transfobia pelo Estado brasileiro.
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Argumentos a favor e contra
Em seu discurso no Supremo, no último dia 13, o advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, defendeu que não há demora, omissão ou inconstitucionalidade no comportamento do Congresso. E destacou que cabe somente aos deputados e senadores legislar sobre a criação de qualquer crime.
— A Constituição atribuiu com exclusividade ao Congresso Nacional decidir sobre criminalização ou não da homofobia — afirmou Mendonça.
A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) também contesta as ações no Supremo. Para eles, criminalizar a LGBTIfobia configura cerceamento da liberdade de crença porque impediria religiosos de se manifestarem contra a homossexualidade e a transexualidade com base em textos como a Bíblia.
“A criminalização da chamada homofobia não tem lastro na realidade dos fatos, suscitaria mais conflitos neste momento de polarização do país, infringiria o princípio da reserva legal, porque seria absurdo a criação de tipo penal pelo judiciário, fora da esquadra do Congresso Nacional”, diz a Anajure em uma declaração de seu presidente, Uziel Santana, publicada no site da organização.
No lado oposto, estão ativistas da comunidade LGBTI e juristas que defendem uma interpretação mais ampla da Constituição de 1988 e reclamam que é preciso que o Judiciário aja, uma vez que o Legislativo nada tem feito e não dá indícios de que debaterá o tema.
O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, fez um duro discurso a favor da punição para práticas e discursos homofóbicos e transfóbicos no último dia 13, no STF.
— Quantas mortes serão necessárias para sabermos que já morreu gente demais? — exclamou ele.
Maia também destacou a cultura de violência contra negros, pobres, homossexuais e transgêneros no Brasil e da jurisprudência do STF a favor de minorias.
— Esse tribunal nunca se acovardou nem se acovardará. Esse tribunal tem a grandeza de olhar os pequenos. Esse tribunal tem a coragem de afirmar o direito à vida a todos e que todos têm o direito à proteção da lei — afirmou, exaltado.
No último dia 14, o relator de uma das ações, ministro Celso de Mello, defendeu de forma veemente a ampliação dos direitos das pessoas LGBTI.Ele chegou a criticar, sem citar nomes, a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) ao atacar a declaração dada por ela de que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”.
Por outro lado, Mello também destacou o respeito às atribuições do Congresso, que é o responsável por aprovar leis estabelecendo crimes. O ministro não terminou de votar, e a conclusão do voto dele é esperada para esta quarta-feira.
Fonte: Jornal O Globo