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200 anos de tradição, Fé e cultura popular: Romaria do Senhor do Bonfim representa devoção e senso de comunidade

Dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede e dar pouso aos peregrinos. Essas são três das 14 obras de misericórdia, ações caridosas em ajuda ao próximo contidas em ensinamentos cristãos. E por que lembrar disso? A explicação surge durante os 12 dias de Romaria para o Senhor do Bonfim, considerada uma das maiores manifestações religiosas do Estado do Tocantins. É nela que, em uma via de mão dupla, romeiros de diversos cantos do estado caminham rumo ao Santuário Diocesano do Senhor do Bonfim, enquanto contam com o apoio de pessoas que os esperam em uma estrutura montada pelo Governo do Tocantins, localizada às margens da BR-010, entre o município de Natividade e o povoado Bonfim.

É comum para quem percorre as estradas tocantinenses em sentido ao povoado, encontrar romeiros caminhando em direção ao seu destino. Alguns percorrem 23 quilômetros, partindo de Natividade, outros até mais de 200, como é o caso de Danilo de Oliveira Marinho. O jovem iniciou sua peregrinação em Lajeado, cidade onde reside, parando em Porto Nacional para encontrar seu pai, Antônio Luiz de Oliveira Marinho, e, assim, seguirem juntos rumo ao Bonfim. “Tinha uma promessa que havia feito no início do ano e vim com o intuito de cumpri-la. Estou na estrada desde da semana passada”, contou.

Em um período de quase sete dias, o casal Weslayne e Gustavo Matos caminharam uma distância média de 180 Km, partindo do município de Ponte Alta do Tocantins. A moça afirma que a caminhada de fé se deu em busca da recuperação de sua madrinha, que passou por problemas de saúde. “Percorremos um caminho longo, árduo, mas o que faz a nossa fé ser renovada é isso aqui, chegar ao final da nossa caminhada”, complementou o esposo.

Sérgio Augusto veio de Porto Nacional de carro com sua família. Ao chegarem em Natividade, o empresário seguiu sozinho a pé até o Bonfim, destino este que já faz com seu pai há dois anos. “Peço saúde e sabedoria, além de agradecer sempre, gratidão e mais nada”, completa.

Além dos que buscam acalento, existem aqueles que o propõem. Exemplo disso é Raimunda Araújo dos Santos, servidora do Estado do Tocantins e voluntária no apoio aos romeiros há 23 anos. A servidora do setor de Inclusão Produtiva da Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), explica que, junto a outros 14 servidores e através de doações de empresas privadas, fornecem alimento e água. “Pessoas passam com fome, chegam aqui e damos frutas, café, água gelada, lugar pra sentar, e a noite, que

é bem fria, ainda fazemos um caldinho”, explica.

 

Raimunda é vista como um poço de sabedoria dentro do ponto de apoio e defende o espaço para receber os romeiros e encorajá-los a continuar. “Eu queria que as pessoas percebessem a importância desse ponto, o que significa para os romeiros. Quando eles chegam machucados, a gente ajuda com o maior carinho. Lava aquele pé que tá sujo, faz o curativo para ele poder seguir o seu destino”, finaliza.

 

Em seu primeiro ano ajudando no centro de apoio, Ruth Brunes conta que o motivo principal de estar ali é sua filha Talita. Ela explica que a moça foi diagnosticada com uma síndrome bacteriana rara, ficando entubada por dez dias em estado grave. “Ela ficou desenganada, os médicos não sabiam mais o que fazer, então a gente depositou tudo na fé”, completa, ressaltando que Talita já se encontra em casa, em recuperação, e que as duas estarão presentes na Romaria do próximo ano.

 

A jornada dos romeiros do Senhor do Bonfim é uma manifestação de fé enraizada na região de Natividade e seu entorno. A caminhada é muitas vezes desafiadora, tanto fisicamente quanto emocionalmente. A determinação e a persistência necessárias para completar a peregrinação são fortalecidas pelo apoio daqueles que se unem ao longo do percurso, apoio que não apenas alivia as dificuldades vivenciadas na jornada, mas também reforça a sensação de comunidade e pertencimento dos romeiros.

A cultura do Senhor do Bonfim no Tocantins é uma expressão muito significativa da identidade cultural religiosa dos peregrinos. Como ponto alto da Romaria, a Festa do Senhor do Bonfim atrai fiéis e visitantes de toda a região, sendo marcada por procissões, missas, novenas, apresentações culturais, barracas de comidas típicas e outras atividades festivas. É um momento de profunda devoção religiosa, mas também de celebração e confraternização entre a comunidade.

História

A tradição da Romaria do Bonfim teve início no ano de 1750, a partir de uma imagem de Cristo Crucificado, encontrada por um vaqueiro em um tronco, na zona rural de Natividade, na região do povoado Bonfim. O sertanejo então levou a imagem para sua casa e no dia seguinte, ela teria desaparecido misteriosamente, ressurgindo no mesmo lugar em que fora encontrada no dia anterior.

O retorno misterioso de Jesus Cristo Crucificado representou para muitos uma espécie de milagre. A partir disso, a comunidade passou a considerar a imagem sagrada e ergueu um santuário no mesmo local onde foi encontrada, construindo a primeira capela no povoado ainda em 1750. A fé reforçada pela figura recém-chegada no município de Natividade, atraiu devotos de todas as regiões do Tocantins, construindo nas redondezas do local um pequeno povoado, que carrega até hoje o nome de seu fundador: “Bonfim”. 

Fotos: Flaviana OX/Governo do Tocantins

Reportagem: Ana Carolina Monteiro

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