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A culpa das telas no sono “zoado” em tempos de quarentena

Você é daqueles que assistem à Netflix o tempo inteiro, até a plataforma perguntar se você está mesmo ali? Principalmente nessa quarentena, muita gente tem apostado todas as fichas no entretenimento proporcionado pelas plataformas de streaming. Mas pode ser que você esteja comprometendo o seu sono ao levar esse estilo de vida. Acontece que uma pesquisa desenvolvida pela SleepStandards apontou que essa prática pode tornar as pessoas cada vez mais alertas, prejudicando a qualidade do sono. De acordo com o estudo, 74,98% dos usuários da Netflix dormem menos de sete horas por noite.

A SleepStandards entrevistou 1.032 pessoas nos Estados Unidos com idades entre 18 e 79 anos para entender como a Netflix afeta o sono. Para isso, a empresa perguntou sobre suas rotinas ao dormir e sobre como lidam com a plataforma de serviços streaming. Os resultados revelaram que até 99,1% dos americanos têm uma conta Netflix e a estão usando para assistir filmes ou programas todos os dias. Isso traduz em mais de 1.023 pessoas das 1.032 que participaram da pesquisa.

A pesquisa também pediu aos entrevistados quais são seus lugares favoritos, em casa, para assistir à Netflix. De acordo com 50,8% dos respondentes, o melhor lugar para assistir ao serviço de streaming é no quarto. No entanto, 40,3% acreditam que a sala é o melhor lugar. Apenas uma pequena parte de 4,9% dos entrevistados disse que prefere assistir no escritório ou em outros lugares incomuns, como banheiro e cozinha.

Segundo a pesquisa, apenas uma pequena parte dos usuários da Netflix está dormindo mais de 7 horas por noite. A maior parte dos usuários dorme entre 6 e 7 horas, mas cerca de 14% dormem apenas 5 a 6 horas, enquanto 1% dos entrevistados dorme menos de 4 horas por dia. Curiosamente, a maior parte dos usuários está assistindo à Netflix por 1 a 2 horas por dia, seguida por outro nicho de usuários que assiste por 2 ou 3 horas. A pesquisa perguntou aos usuários se eles têm problema de sono durante o uso da plataforma, e 46% dos entrevistados admitiram ter problemas de sono posteriormente.

Como as telas afetam o sono

Usando a pesquisa como ponto de partida, a equipe do Canaltech conversou com Lúcio Huebra, neurologista, médico do sono e membro da Academia Brasileira de Neurologia e da Associação Brasileira de Sono, para compreender como esse excesso de telas — não só de streaming de vídeos, como também de trabalho no PC ou jogos, vale dizer — acaba nos afetando na hora de dormir.

Lúcio aponta que a pessoa que passa horas assistindo a filmes e séries fica mais inativa, exercendo pouca atividade física durante o dia e com isso causando menos cansaço ao corpo. Esse cansaço normal do corpo é um dos fatores que facilitam o sono. “É muito comum que as pessoas maratonem séries deitadas e, muitas vezes, na cama. Isso faz com que o cérebro não reconheça o ambiente do quarto e a cama como o local exclusivo para dormir. Esse fato dificulta o início do sono em quem já tem uma predisposição à insônia”, afirma.

Outro fator de grande impacto na qualidade do sono é a exposição excessiva a luz da tela, sobretudo no horário da noite, o que atrasa o início do sono e deixa seu padrão mais fragmentado. Durante a maratona de séries, também é comum a perda da regularidade no horário das refeições, o que também impacta negativamente na regularidade do sono.

Quanto às consequências de curto prazo, Lúcio aponta fadiga, sonolência, desatenção, irritabilidade, dor de cabeça, tontura. Já as consequências a longo prazo são relacionadas com o metabolismo, havendo maior risco de obesidade, diabetes, dislipidemia; outras relacionadas com o risco cardiovascular, aumentando a ocorrência de infarto e derrame ou AVC, além de hipertensão arterial. “Uma noite mal dormida já causa um dano cerebral que é similar ao processo patológico que leva a doença de Alzheimer, assim, várias noites mal dormidas ao longo de anos, pode levar a um processo de declínio cognitivo, prejuízo de memória ou mesmo acelerar um processo de demência em pessoas susceptíveis”, acrescenta o neurologista.

Luz azul

Segundo Lúcio, existem algumas dicas que ajudam a melhorar o sono de forma geral, as principais são: ter uma rotina com horários regulares de dormir e de acordar. Mesmo nos finais de semana e férias, manter horários parecidos, flutuando no máximo 1 hora de sono a mais ou mais tarde, ter um bom ambiente do sono, calmo, tranquilo, silencioso e escuro. Ele ressalta ainda que a luz à noite é uma grande vilã para uma boa qualidade de sono. “O espectro de luz azul é o que mais interfere no sono, assim, todos os aparelhos eletrônicos emitem luz azulada, como o celular, computadores e TV, sendo ainda mais prejudicial o uso desses aparelhos próximo do horário de dormir”, disserta.

A ciência por trás do espectro azul explica: esta é a faixa que mais ativa a região cerebral que conhecemos como o sincronizador do ritmo biológico (núcleo supraquiasmático). Essa região do cérebro coordena para que dormimos durante a noite e ficamos despertos durante o dia. Ela recebe informações provenientes da retina de que estamos expostos a luz solar durante o dia, inibindo a produção de hormônio melatonina, que induz o sono. Já durante a noite, com menor exposição a luz, a liberação de melatonina é estimulada, induzindo o sono.

Quando as pessoas se expõem à luz excessiva durante a noite, especialmente luzes azuladas, como as provenientes das telas de computadores, televisão e celulares essa região interpreta de forma errada o momento do dia em que estamos, e assim, atrasa o nosso horário de dormir. Alguns dispositivos mais modernos apresentam modo de tela noturno, em que a iluminação emitida é no espectro de luz oposto ao azul (alaranjado), o que ativa menos, de forma inconveniente, o nosso sincronizador biológico, causando menos prejuízo pro horário de sono“, afirma o profissional.

Outra dica fornecida por Lúcio é ir para cama só no momento de dormir. Quanto mais tempo na cama sem dormir, pior a qualidade de sono. “O tempo na cama sem dormir, aumenta inclusive a ansiedade em relação à dificuldade para dormir”, aponta. O ideal é criar uma rotina de atividades tranquilas e relaxantes próximas da hora de dormir e só ir pro quarto e para a cama quando já estiver com sono.

Jovens: um público ainda mais prejudicado

Uma faixa da população merece atenção quando o assunto é qualidade do sono, uso de telas e pandemia: os adultos jovens e os adolescentes. De acordo com Gabriela Azevedo, mestre em Psicologia e especializada em Educação Socioemocional, no caso dos jovens, “o uso excessivo de eletrônicos provoca alterações químicas no cérebro que podem causar a sensação de dependência, o que causa um ciclo vicioso, isto é, quanto mais se joga o game ou se usa o celular, mais aumenta a vontade de utilizá-los“.

 

 

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