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Abandono, a vida em barracos e no escuro: Os sonhos e o que querem quem vive no Capadócia

Entrevista no Capadócia - Foto - Gazeta do Cerrado

Lucas Eurilio e Maju Cotrim

Nesta terça-feira, 18, A Gazeta do Cerrado dá sequência a série “A Palmas do Capadócia”. O bairro fica na região sul de Palmas e é um dos mais pobres e esquecidos.

Na série especial, hoje vamos retratar quais são os anseios daquela comunidade e quais são as condições em que eles vivem.

Nossa equipe conversou com vários moradores e ouviu o clamor daqueles que se tornaram invisíveis por conta de um sistema que não supre suas necessidades básicas, como moradia e infraestrutura.

Mas afinal, como se sentem os apagados do Capadócia?

Nossa reportagem caminhou pelas ruas do bairro e conversou com vários moradores. Todos os entrevistados sentem a sensação de abandono e esquecimento.

A primeira personagem é a dona Maria Borges Almeida de Morais, de 70 anos. Ela é aposentada e completou os 70 no último sábado, 15.

Dona Maria é pioneira em Palmas e veio há 32 anos atrás de Miracema do Tocantins para cá e disse que as promessas são muitas durante o período eleitoral, mas que depois todo mundo some.

“Moro aqui desde o início. Pra mim nunca mudou nada até agora. Tá tendo é muito bandido aqui. Mudou nada até agora. Só tem aqui o que você tá vendo. Não tem asfalto, não tem nada. Eles prometem muita coisa pra gente e não fazem nada. Quando passa a política, acabou, morreu. Nesse instante mesmo eu tava falando que do ano que surgiu a capital, eu vim de Miracema pra cá. A única pessoa que me deu a mão foi o Siqueira, depois que ele saiu…nada. Falei pra minha filha, tudo que eu ajudei e tenho ajudado, só me procuram quando é na política. Estou doente, não  tenho ajuda de ninguém. Num posso nem andar e cadê? Cadê os prefeitos, cadê o pessoal que pede ajuda pra mim? Num tem, não aparece nenhum. Nenhuma cesta eu nunca recebi. Se é aposentado, não é pra dar. O dinheiro não dá nem pra comprar meus remédios, eu num posso ganhar uma cesta básica?  Eu recebo só R$ 310 e isso é dinheiro pra eu comer e tratar de mim”,desabafou.

A aposentada mora em um barraco com o companheiro de 39 anos e contou que o marido diz que ela merece ser feliz.

“Agradeço a Deus todos os dias porque ele me deu um companheiro que cuida de mim. Ainda bem que Ele me deu esse companheiro. Ele vai fazer 40 e vou fazer 70. Pessoa nova, mas enxerga que eu sou honesta e que mereço ser feliz”.

Mesmo sendo parte do grupo prioritário da Campanha de Imunização Contra a Covid-19, Dona Maria afirma que até o momento não foi vacinada.

“Vacinei não. Nunca vieram aqui eu não dou conta de ir. Nunca vieram aqui. Aqui não passa essas coisas.”,disse. 

O sonho de dona Maria é tão grande que não cabe em poucas palavras.

“Meu sonho,eu nem vou dizer o meu sonho porque tenho certeza que vocês não vão fazer pra mim. Só se eu fosse lá no Luciano Huck, aí talvez ele realiza meu sonho”.

O contraste social no Capadócia atinge não apenas os aposentados, mas também jovens que se viram sem saída durante a pandemia. O caso de Marcelo, de 24 anos, não é isolado.

Ele mora em um barracão  com a esposa e os três filhos pequeno,  Oséias, Victor Lázaro e Jair Júnior. O jovem pai veio do Maranhão e contou um pouco do que vive desde que veio para o bairro. Ele e a companheira estão sem trabalho.

Marcelo, morador do Capadócia – Foto – Gazeta do Cerrado

“Vim pro Capadócia durante a pandemia e vivemos nesse barraco construído por mim mesmo. Estamos os dois sem trabalhar. Eu estava trabalhando, mas aí o serviço acabou e eu fiquei sem trabalho de ajudante de pedreiro. O barracão, fui construindo aos poucos. Fiz uma parte, depois fiz outra, fui conseguindo algumas coisas com os irmãos, outras tive que comprar. A energia eu pedi pra pra puxar, mas eles devem vir cortar. Antes de vir pra cá,  morávamos de favor em outro lugar.  Aí falaram que iam vender a casa, e tivemos que  procurar um meio. Quando nós estávamos lá na casa ainda, eles estavam querendo invadir pra vender. Estavam cortando as coisas, aí que é coordenadora aqui do bairro pegou e falou que não ia deixar entrar. Veio a minha esposa, depois eu vim, rocei, capinei,. Fomos fazendo aos poucos. Montei a barraca, coloquei as madeiras no chão e depois coloquei as telhas, que foi tudo me deram.”, contou. 

No momento em que nossa reportagem estava no local, a Energisa e a Polícia Militar chegaram para fazer o desligamento de gatos.

Bairro Capadócia em Palmas – Foto – Gazeta do Cerrado

Marcelo disse que não se preocupa com a situação em que vive, porque acredita que não vão tirá-los do local sem antes conseguirem um lugar para que eles possam ir. Ele sonha em dar mais conforto para a família.

Na verdade, eu não fico muito preocupado, porque temos que descansar no senhor, porque Ele é o nosso socorro,. Nós estamos aqui, eu creio eles não vão jogar a gente fora daqui. Ele  vão ter que arrumar um lugar pra nós. Ou uma casinha, ou um lugar pra onde gente ir. Nós não temos condições de pagar aluguel, O meu sonho é poder da um conforto melhor para a minha esposa e filhos”. 

Na jornada pelo Capadócia, outra personagem vinda do Maranhão. Dona Antônia Gomes de Sousa veio porque três filhos moram aqui na Capital. Ela contou que veio visitar e ficou.

” Vim só passear porque tem três meninos aqui, mas achei bom e to passando 2 anos e 5 meses”.

Dona  Antônia moradora do Capadócia – Foto – Gazeta do Cerrado

Dona Antônia ressalta a importância de obras de infraestrutura no bairro.

“Está precisando ajeitar as estradas, roçar mais as ruas,  que tem mato demais, energia que tem lugar que não tem, essa rua ali mesmo tem poste, mas essa aqui não tem”. 

Atualmente ela não trabalha, dois filhos mexem com carros velhos e uma está desempregada.

“Trabalho em lugar nenhum, só meus meninos que mexem nesses carros velhos. Minha outra menina chegou, mas tá sem trabalho e está na busca por emprego”, disse. 

Capadócia – Foto – Gazeta do Cerrado

O sonho dela é vender sua casa em Presidente Dutra e comprar outra aqui em Palmas.

“Meu sonho é comprar uma casinha pra mim aqui. Vender a minha em Presidente Dutra  e comprar uma casinha pra mim ficar. Só tem um menino no Maranhão o resto tão tudo aqui”. 

Para o aniversário de Palmas, dona Antônia diz que acha a cidade muito boa pra se morar.

A mensagem é que eu to achando bom ,Palmas é bom mesmo pra gente morar.  Já tem 28 anos que moro no Maranhão, já abusei de Presidente Dutra. É, só que ainda tenho que ir lá vender minha casa, pra comprar uma aqui”.

Jaira também é morada do Capadócia e vive com três filhos pequenos. A mãe dela mora em uma barraca próximo a da dela. A jovem conta que é preciso regularizar quase tudo no bairro.

“Já tenho mais de três a quatro anos que eu moro aqui. Tem que regularizar praticamente todas as coisas aqui. Tá muito bagunçado os endereços,  a não ser o talão água e energia que muitas das vezes não vem no endereço certo, as ruas também, tem muita gente que tá precisando de lote. Um ônibus né? Porque a distância aqui, pra ir lá no ponto de ônibus, meu Deus, é uma distância boa né? E aí melhorar as ruas pra passar os ônibus, pra gente não tá subindo uma distância  daqui pra aculá,  um postinho mais perto, porque o postinho daqui também é lá quase chegando no primeiro posto de gasolina”.

Jaira, moradora do Capadócia – Foto – Gazeta do Cerrado

Ela contou que mora praticamente no meio da rua. “Eu moro praticamente no meio da rua ali, porque não é lote. Eu moro em um barraquinho, eu não tenho uma casa. Até que não é tão ruim não, por que, a gente não tem condição de comprar um lote e construir. A gente não tem condição de comprar um lote e construir, então um barraco pra gente é tudo. Pelo menos tem um lugar para colocar a  cabeça  em baixo!”. 

A jovem é casada e apenas o esposo possui um emprego atualmente. Seu sonho é ter uma casa própria.

“Sonho em ter uma casa própria”.

O senhor Laro Sobral da Silva é o nosso último personagem. Ele  é aposentado veio do Mato Grosso no ano passado, já durante a pandemia, porque familiares moram em Paraíso do Tocantins e para ajudar a construir uma igreja no Bairro.

Capadócia – Foto – Gazeta do Cerrado

“Cheguei pra cá o ano passado. Eu morava no Mato Grosso. Vim pra cá porque minha família é daqui de perto, de Paraíso do Tocantins. Aí a gente trabalha sempre com Ministérios, Igrejas,. Estamos mexendo com uma igrejinha ali”. 

Seu Laro vive com a aposentadoria e com o dinheiro que ganha, precisa comprar remédios e pagar aluguel.

Moro em uma casa alugada e pago R$ 300.  Eu tô vivendo assim,  pago esse aluguel, vou no CRAS e tô fazendo um cadastro pra eles me darem uma cesta, porque né, meu salário não está dando. Eu compro os remédios, Pago aluguel, tô pagando uma cirurgia que precisei fazer no olho. Quatro operações, estou pagando R$ 19 mil, então não tá dando. Eu fiz um cadastro em 2011 pra aposentadoria. Eu recebi em 2014, em 2015 cortaram minha aposentadoria. Tô recebendo só um auxílio. Fui na assistente social e no CRAS e eles estão arrumando tudo pra mim. Resolve um pouquinho”. 

Seu Laro, morador
do Capadócia – Foto – Gazeta do Cerrado

Ele ressaltou mais uma vez que o bairro precisa de infraestrutura.

“O Capadócia tá precisando de energia. Aqui quase tudo tudo é gambiarra. Arrumar as ruas , porque andar de bicicleta aqui é a pior coisa. Mas tem que tá junto aqui pra ver o que a gente está passando. Na política eles aparecem pra conversar com a gente, mas nesse momento, ninguém vê a gente não”.

Capadócia – Foto – Gazeta do Cerrado

Laro pede que Palmas seja abençoada e que as lideranças façam seu papel nos aniversário de 32 anos da capital tocantinense.

“Que Palmas seja uma cidade abençoada. que Jesus tá sempre aí conosco pra abençoar quem tiver na liderança e movimentar, fazer muita coisa que precisa de fazer, não é só lá no centro não. O pessoal que mora aqui, nesse bairro, os pobres é que colocam os grandes lá em cima, não é rico não. Então, eles tem que olhar pra essa área aqui. Não estão olhando, só estão olhando querendo tirar o dinheiro dos aposentados, A gente não trabalha mais, então temos que ter nosso direito.”. concluiu. 

O diz a Energisa

Nossa equipe procurou a Energisa para saber qual é atual situação do Capadócia e responder alguns questionamentos.

Veja abaixo o que diz a concessionária;

Como funciona a questão da energia na Capadócia?

Nas áreas regularizadas, já há extensão de rede para atender os clientes. Os moradores devem entrar em contato com a Energisa, pelos canais de atendimento, e solicitar a ligação de energia. Vale destacar que toda casa já deve possuir o padrão de energia, que é de responsabilidade do próprio morador, ao solicitar a ligação.

Nas áreas pendentes de regularização, de acordo com a Lei 13.465/2017, a responsabilidade de promover a infraestrutura básica é do município. A Energisa informa que já notificou a Prefeitura e o MP, em 2019 e 2020, para que a situação seja resolvida.

Há casos em que se trata de área particular, em que a responsabilidade da construção da rede de energia é do loteador. Nessa região específica da Capadócia, como são muitos lotes, a Prefeitura decidiu avaliar a possibilidade de regularização fundiária.

A Energisa permanece em contato com os órgãos responsáveis para encontrar uma solução para essa situação.

 

Quantas ligações irregulares já foram diagnosticadas lá ou é completamente irregular?

 

No local, há casas com o fornecimento de energia de forma regular. Para os casos de irregularidades, a empresa sempre alerta aos moradores sobre o risco à vida deles e de suas famílias. Uma ligação irregular pode causar acidentes para quem realiza, para os moradores que podem ter contato com esses fios e para os vizinhos, que correm risco de incêndio, além de comprometer o fornecimento de energia.

 

Qual é a orientação da concessionária aos moradores?

Para os casos dos moradores que estão em áreas regularizadas, a Energisa reforça a importância de usar a energia de forma correta e segura, instalando o padrão de energia e solicitando uma nova ligação. Inclusive, a empresa destaca o benefício da Tarifa Social de Energia Elétrica, em que são concedidos descontos para os consumidores que se enquadrarem nos critérios:

E a água no Capadócia? Como funciona?

A Gazeta entrou em contato também com a BRK Ambiental  ainda no dia 14 de maio, questionando sobre a situação da água no baixo, mas até o fechamento desta reportagem, não obtivemos resposta.

 

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