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Alta do dólar e exportação de animais vivos podem provocar apagão na pecuária brasileira

O Estado do Mato Grosso, maior produtor de carnes do país, já sofre as consequências da falta de animais para abate

Por Antônio Neves

O Brasil é considerado o segundo maior exportador de gado vivo do mundo. Com a retomada das atividades -estiveram paralisadas por causa da pandemia da Covid-19 – a exportação está com força total, em virtude da alta do dólar, o que tem provocado uma corrida nas vendas de gado. Esse comportamento do mercado pode provocar um apagão na pecuária nos próximos meses, conforme apontam especialistas, uma vez que há fuga de matrizes e o desabastecimento de animais para a reposição.

Somente na última semana, uma embarcação de bandeira panamenha – o maior navio boiadeiro do mundo – desatracou do Porto Vila do Conde, a 50km de Belém (PA), levando 15 mil cabeças de gado vivo. A modalidade de exportação impacta com a falta de animais para abastecer os frigoríficos e consequentemente o desabastecimento interno do país. Para obter maior receita, com o dólar em alta, muitos agropecuaristas estão se desfazendo de suas matrizes e com isso, poderão faltar bezerros nos próximos períodos.

No porto de Belém, navio boiadeiro o maior do mundo atracado para o embarque de animais. (foto divulgação)

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“A atual situação sinaliza que deve haver uma maciça oferta de bezerros nos próximos meses e a oferta de animais para a reposição ainda deverá ser restrita, mantendo aquecido a valorização dos preços de bezerros e boi gordo em todas as regiões do Brasil”, alerta o presidente do Sindicato das Indústrias Frigoríficas do Mato Grosso (Sindifrigo-MT), Paulo Bellincanta, acrescentando que “o setor está sentindo a falta de animais para o abate e pode paralisar as atividades em alguns frigoríficos”.

Em nota divulgada na última semana, o Sindifrigo-MT lembrou que a arroba do boi, com atraso de anos, atingiu os patamares dos preços internacionais e permanecerá neles. Este fato exigiu o ajuste no preço da carne para o mercado interno, o que ocorreu de maneira muito rápida em um momento em que a economia sofre com a realidade da pandemia.

“Ao longo de anos, o rebanho brasileiro vem se desgastando com o abate de matrizes e novilhas, redundando neste momento em uma grave diminuição de oferta. Espera-se uma melhora do quadro uma vez que com preços melhores, muitas destas matrizes antes destinadas ao abate começaram a ser novamente destinadas à cria”, pontuou Bellincanta.

Desequilíbrio

“São hábitos e costumes enraizados em nossa cultura e que precisarão se adaptar. A dura realidade da falta de matéria-prima tem trazido sérios problemas para o setor. Soma-se à ociosidade, que tem batido recordes a cada ano, o fator dos preços do produto final para o consumidor. O desequilíbrio entre a exportação e o mercado interno tem provocado um desequilíbrio maior ainda entre empresas exportadoras e não exportadoras”, explicou o presidente, acrescentando que “do outro lado do consumo está o produtor do ‘boi’, concorrendo com o produtor de grãos que fatura cinco ou seis vezes mais que ele, e que não perde oportunidade de assediá-lo para alugar suas terras”.

Apesar do cenário apresentado, Bellincanta afirmou que “mesmo com a redução no número de abates, a arrecadação aumentou em 45%, em decorrência dos preços maiores. Bons números a serem comemorados, se não fossem os problemas que atingem a indústria”.

Efeito cascata

Segundo o Contabilista e Consultor, especialista no setor de produção e venda, Sérgio Aragão, “no início de 2020 era possível comprar uma arroba de carne entre R$140 e R$144. Agora a arroba está batendo a casa de mais de R$300, principalmente neste período pós-pandemia. Vale lembrar que o mercado internacional está bem aquecido para a aquisição de carne e o dólar disparou em relação ao real isso está fazendo com que seja mais interessante a venda de carne para o exterior do que para o mercado interno. Deve-se levar em consideração que essa venda de carne é feita com isenção tributária, e a arroba no exterior tem um valor bem superior do valor da arroba negociada no mercado interno”, disse.

Aragão ainda destaca que “durante um período muito grande de 2019 e 2020, esse mercado ficou bem aquecido e foi quando matrizes no Brasil foram abatidas em algumas situações. Aqui no Tocantins, por exemplo, o abate para mercado interno prioriza muito o abatimento de fêmeas e isso prejudica o contexto de geração de bezerro a médio e longo prazo. O mercado internacional aqueceu, o Brasil vendeu muito e a reposição desse rebanho é moroso”.

Sergio Aragão – Contabilista e Consultor (foto divulgação)

A morosidade influencia diretamente no preço do bezerro e o Consultor lembra que “nós começamos o ano de 2020 com a arroba da carne a R$144 e o bezerro entre R$1.200 e R$1.300 reais. Hoje você fala de bezerro de R$2.400 mil reais e a arroba de carne a R$300 reais. Quem tinha conseguiu vender, e quem vendeu teve dificuldade para repor”.

Ainda segundo Sergio Aragão, “o processo é sistêmico, envolve o dólar, o mercado internacional e a demanda por carne de exportação leva em consideração o benefício fiscal. “Este conjunto de fatores colaborou para a escassez de animais no mercado interno. Temos uma forte demanda por exportação e um mercado interno limitado para a adequação e essa adequação nos levou a pagar mais do que R$100 na arroba da carne em menos de um ano e meio e era natural que chegasse um momento que essa linha de capacidade de produção do mercado não conseguisse acompanhar a demanda interna mais a demanda externa”, concluiu.

 

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