A maioria dos diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em reunião nesta sexta-feira, 19, votou por manter proibida a comercialização no Brasil dos cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes.
Ainda falta o voto de uma diretora. Até as 17h43, haviam votado Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa e relator, e os diretores Danitza Buvinich, Daniel Pereira e Rômison Mota.
Desde 2009, esses dispositivos não podem ser vendidos no país. Apesar disso, são facilmente encontrados no comércio ou online.
Para embasar a discussão, a agência elaborou um relatório que avaliou o impacto no país da proibição nos últimos anos, além da situação em outros países em que a comercialização foi liberada. O documento faz as seguintes considerações:
- Aumento do fumo entre os jovens: nos países em que foram liberados, como Estados Unidos e Reino Unido, houve um aumento do fumo entre adolescentes e crianças, o que tem gerado uma crise de saúde e um movimento a favor da revisão da liberação.
- Potencial de dependência: um dos argumentos da indústria é o de que o cigarro eletrônico seria menos viciante e, por isso, uma alternativa ao tabagismo. No entanto, as pesquisas recentes apontam que não é fato. Os vapes podem entregar até 20 vezes mais nicotina que o cigarro comum.
- Ausência de estudos no longo prazo: Não há estudos que mostrem os riscos e efeitos no longo prazo. Um dos pontos de preocupação é a evali, lesão pulmonar que pode levar à morte em um curto espaço de tempo e é causada pelas substâncias presentes nos cigarros eletrônicos. Nos EUA, foram ao menos 70 casos de morte pela doença.
- Impactos na política de controle do tabaco: o Brasil é referência no combate ao tabagismo, doença descrita para quem tem a dependência de cigarro. Um dos riscos analisados pela agência foi o aumento do consumo de tabaco no país com os cigarros eletrônicos.
Como votaram os diretores
- Antonio Barra Torres
✅ A favor de manter a proibição.
Para embasar seu voto, o diretor-presidente da Anvisa e relator citou pontos como o cenário internacional de regulamentação do cigarro eletrônico, asmanifestações da comunidade científica e a visão geral da consulta pública.
Barra Torres trouxe documentos como a publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de dezembro de 2023, que alerta que “a partir das evidências atuais, não é recomendado que governos permitam a venda de cigarros eletrônicos como produtos de consumo na prossecução de um objetivo de cessação”.
O diretor também listou os malefícios dos dispositivos eletrônicos, que podem causar lesões e até a morte, além de provocarem dependência.
Por fim, elencou novas medidas de combate à comercialização e ao consumo de cigarros eletrônicos – entre elas ações conjuntas com o Ministério da Educação para o desenvolvimento de práticas educativas sobre o tema e maior fiscalização para apreensão dos produtos.
- Danitza Buvinich
✅ A favor de manter a proibição.
Em seu voto, a diretora destacou que a possível liberação influenciar a iniciação de jovens no consumo do tabaco e ter um impacto negativo nas políticas de controle do tabagismo no Brasil.
“Destaco o aumento do risco da iniciação de jovens e adolescentes ao tabagismo, a alta prevalência de uso em países que permitem tais produtos, em especial por crianças, adolescentes e adultos jovens e ausência de estudos que comprovem que estes produtos provoquem menos danos à saúde”, afirmou Buvinich.
A diretora ainda sugeriu a alteração de parte do documento para que permita a importação dos dispositivos para fins de pesquisa. A proposta foi aceita pelo relator.
- Daniel Pereira
✅ A favor de manter a proibição.
O diretor elogiou o processo robusto de evidências levantadas pela agência sobre o tema, além do protagonismo do Brasil na luta para o controle do tabagismo.
Pereira também citou os danos ambientais, os potenciais riscos às políticas públicas de combate ao tabagismo e o provável aumento do contrabando em caso de aprovação da venda e uso do cigarro eletrônico.
O diretor levantou dúvidas a respeito da responsabilização dos autores de propagandas de cigarros eletrônicos e sugeriu um ajuste na redação deste ponto, com a retirada do termo “ou por terceiros”. A proposta foi acolhida pelo relator.
- Rômison Mota
✅ A favor de manter a proibição.
O diretor destacou resultados de estudos que apontam o aumento da prevalência do consumo dos dispositivos eletrônicos em locais onda há a aprovação. Além disso, pontou que o uso do tabaco aquecido pode levar ao consumo de tabaco comum.
Mota também criticou o patrocínio da indústria do tabaco a propagandas e pesquisas que colocam os dispositivos eletrônicos como produtos mais seguros se comparados ao cigarro comum.
Ainda falta votar a diretora Meiruze Freitas.
Consulta pública
Na reunião desta sexta, foram exibidos diversos vídeos com a manifestação de participantes da consulta pública realizada pela agência sobre o tema.
Presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Hisham Mohamad Hamida foi um dos que defenderam a manutenção da proibição em razão do aumento do número de dependentes dos vapes.
A médica e pesquisadora Margareth Dalcolmo, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), alertou para os “danos absolutamente irreversíveis nos pulmões” causados pelos vapes. Segundo ela, trata-se de uma “invenção diabólica”, que “vai gerar uma legião de pacientes com doenças crônicas”
Também houve manifestações do lado de quem é a favor da regulamentação. Representante da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Huilder Magno de Souza argumentou que a regulamentação é necessária para que haja um controle sanitário.
Para Paulo Solmucci, da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a regulamentação irá possibilitar a arrecadação de impostos.
Os pontos do relatório da agência são refutados pela indústria, que defende a liberação sob os argumentos de redução de danos (porque as pessoas substituiriam os cigarros, com tabaco, pelo vape) e aumento na arrecadação de impostos (com a liberação do comércio).
A Philip Morris Brasil, uma das principais empresas do setor, diz que o produto já representa 36% de sua receita no exterior.
Em outra frente, o setor tenta aprovar um projeto de lei que da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) que propõe a permissão da venda e produção do produto no país. O projeto está no estágio inicial de tramitação, ainda pendente de votação em comissões.
Paciente relatou ‘graxa’ no pulmão após vape
O farmacêutico Arnaldo Machado é um dos pacientes que tiveram complicações graves após o uso de cigarros eletrônicos. Ele passou um mês e meio na UTI entre a vida e a morte.
“Eu tive um colapso, meu pulmão parou e aí eu passei a jornada mais cruel da minha vida por conta de um aparelho que hoje eu vejo milhares de pessoas fazendo o uso. Esse aparelho mata, esse aparelho tira vida, não deveria nem estar sendo discutida a possibilidade de ele ser legalizado”, conta.
Machado tinha uma rotina saudável e se surpreendeu com a rapidez com que ficou doente por causa do cigarro eletrônico. Ele nunca tinha fumado cigarro comum antes de ter acesso ao cigarro eletrônico e achava que, por conta da essência de menta, não seria algo prejudicial.
Após sair da UTI, Machado ainda teve que passar meses na fisioterapia para a reabilitação e voltar a ter uma vida normal.
No Brasil, há nove casos registrados de evali de 2019 a 2020, segundo a Anvisa, No entanto, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia alerta que a doença é subnotificada. Ou seja, há um número oficial de casos menor que a realidade. Isso porque, no país, a notificação de casos é voluntária e não compulsória.