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As eleições Americanas e a montanha-russa

 

As eleições nos Estados Unidos estão marcadas para terem suas urnas fechadas em 05 de novembro e está havendo enorme volatilidade nas percepções dos eleitores e nas pesquisas eleitorais.

Para entender o que está acontecendo, vamos primeiro entender como funcionam as eleições por lá.

 

O Colégio Eleitoral

 

Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos, nem sempre quem obtém o maior número de votos ganha a eleição. Me utilizarei de sinônimos e simplificações para ficar mais fácil o entendimento. Lá, cada Estado tem um número já pré-determinado de “medalhas”. Quem for o mais votado em determinado Estado, ganha todas as “medalhas” daquele Estado. Quem conseguir a metade mais uma medalha ou o maior número inteiro acima da metade da soma das “medalhas” de todos os Estados, ganha a eleição para a Presidência. Suponhamos um País que tenha somente três Estados – Tocantins com um milhão e cem mil eleitores, Acre com 600 mil eleitores e Amapá com 550 mil Eleitores. No sistema brasileiro, quem conseguir a metade mais um da soma desses votos se torna Presidente. Já o sistema americano determinaria seis “medalhas” para o Tocantins, quatro para o Acre e três para o Amapá. Seria eleito nesse sistema quem conseguisse 7 “medalhas” (6+4+3 = 13, que divididos por dois chega ao valor de 6,5 – cujo maior número inteiro mais próximo é o 7). Temos os candidatos A e B. Candidato A obtém 900 mil votos no Tocantins e ganha as seis “medalhas” desse Estado. Candidato B obtém 200 mil votos no Tocantins e não recebe nenhuma “medalha”. Mas o candidato A vai mal no Acre e no Amapá. Ele obtém somente 150 mil votos em cada um desses estados e não consegue nenhuma “medalha” deles. Já o candidato B obtém 450 mil votos no Acre e 400 mil votos no Amapá e se torna vitorioso nesses dois estados, amealhando as 4 + 3 = 7 “medalhas” dos dois estados. Apesar do candidato A ter obtido o maior número de votos, 900 + 150 + 150 = 1.200 mil votos, enquanto o candidato B obteve somente 200 +450 +400 = 1.050 mil votos, o candidato B obteve 7 “medalhas” contra 6 “medalhas” de seu oponente e será declarado o vitorioso. Sim, parece um pouco complicado para nós e se torna mais ainda quando falamos de um país com 49 unidades da federação aptas a receber e processar votos. Dentre essas unidades, são distribuídas 538 “medalhas” por uma fórmula pré-determinada, mas leva em consideração o número de deputados, que por sua vez são definidos em função da população de cada Estado. Esse processo é denominado de Colégio Eleitoral e está definido no segundo Artigo da Constituição Americana, em vigor desde o longínquo ano de1787.

 

Previsibilidades e Imprevisibilidades

 

Há Estados com bastante previsibilidade na predileção de orientação política. A Califórnia tem sempre votado nos Democratas (esquerda ou progressista) e o Texas, por exemplo, vota nos Republicanos (direita ou conservadores). Aqui no Brasil, há uma similaridade em alguns Estados. O Maranhão tem votado no campo da esquerda nas últimas seis eleições presidenciais, já Santa Catarina tem votado em candidatos tidos como de direita nas últimas cinco. Se houvesse uma eleição presidencial no Brasil amanhã, seria provável que a maioria da população do Maranhão votasse em um candidato de esquerda e a de Santa Catarina votasse em um candidato de direita. Mas há Estados imprevisíveis. Minas Gerais, por exemplo. Desde 1989, elege presidentes de diferentes orientações políticas. O Presidente Lula perdeu três e ganhou três eleições naquele Estado. O Estado de Minas Gerais não tem posição ferrenha para nenhuma orientação política a caso houvesse uma eleição presidencial amanhã, seria imprevisível saber o vencedor ali. Podemos dizer que Minas Gerais é um Estado “pêndulo”, que vota de acordo com as melhores propostas que considerar para si em cada eleição especificamente. Imagine um pêndulo de relógio que se movimenta em direções opostas ao passar dos anos. Pois bem, nos Estados Unidos há sete Estados pêndulo que geralmente definem as eleições. São eles: Arizona, Nevada, Winsconsin, Michigan, Pensilvânia, Carolina do Norte e Geórgia.

 

As candidaturas, em ordem alfabética

 

Donald Trump é o candidato do Partido Republicano. Perfil conservador nos costumes e liberal na Economia. Já foi Presidente entre 2017 e 2020 e busca proteger a economia americana impondo sobretaxas a produtos importados de outros países. Desta vez, anunciou que, se eleito, não só irá voltar com as sobretaxas como fará políticas específicas para reinstalar no país diversas cadeias de produção de indústria perdidas nos últimos 30 anos para outros países, notadamente a China e outros países asiáticos de menor porte. A novidade também se dá em ter obtido apoio de antigos membros do Partido Democrata (de sua oponente), como Robert Kennedy Junior e Tulsi Gabbard – ex-deputada pelo partido Democrata. É importante lembrar que a família Kennedy é muito tradicional na política americana e todos seus membros sempre fizeram oposição a Trump e aos Republicanos. Robert Keneddy Junior defende causas ambientais e a eliminação de toxinas nos alimentos, incluídas artificialmente nos processos de produção. Outro apoio relevante é o de Elon Musk. Bilionário e “cientista-maluco”, tem conseguido obter recursos f inanceiros e atenção em um estalar de dedos. Há poucas semanas, “destruiu” os memes sobre foguetes ao fazer um foguete “voar de ré” e estacionar em uma plataforma.

Jill Stein é a candidata do Partido Verde. Tem sua plataforma política em três Ps: Pessoas, Planeta e Paz. Geralmente, obtém muito poucos votos e é praticamente impossível que ganhe a eleição. No entanto, a sua pequena torcida pode fazer um estrago. Muitos de seus eleitores declaram estar cansados de votar no “menos pior”. Muitos votaram em Joe Biden (Democrata) em 2020 e relatam em entrevistas para os jornais e a TV que estão profundamente decepcionados em votar em alguém que pregava a paz e tranquilidade, mas que hoje presenciam um Mundo com duas significativas guerras. Em 2020, Joe Biden venceu Donald Trump no Estado pêndulo de Winsconsin por cerca de 20 mil votos. Em cenário similar, os 1,5% de intenções de votos de Jill Stein podem reverter o quadro, pois é mais provável que ela retire votos dos Democratas.

Kamala Harris é a candidata do partido Democrata. Tem perfil de maior regulamentação dos negócios e busca de avanços na pauta progressista de costumes. É a candidata das atrizes e atores de Hollywood, da maioria dos jornalistas e da arrecadação de doações bilionárias. Até hoje, já conseguiu arrecadar mais de 6 bilhões de Reais em doações. É a atual vice-presidente dos Estados Unidos e tem trabalhado para convencer os americanos dos avanços dos últimos três anos e meio de governo democrata. Também tem uma retórica anti China e só assumiu sua candidatura há cerca de três meses, com a desistência de Joe Biden em se candidatar para a reeleição. Enfrenta desafios enormes como se posicionar entre Árabes e Judeus na guerra do Oriente Médio e também em se dissociar da imagem de Joe Biden, sendo que é partícipe do mesmo governo. Apesar de algumas gafes, havia conseguido muitos holofotes positivos até duas semanas atrás.

Conseguiu energizar a base do partido Democrata e traz a eleição para o campo da imprevisibilidade, de um ponto em que a derrota era dada como certa quando Joe Biden era o candidato. Se saiu melhor no único debate presidencial com Donald Trump. Diversos analistas políticos dizem que se os eleitores considerassem somente as características de personalidade, ela seria a vencedora.

 

Pesquisas, pesquisas e mais pesquisas

 

O número de Pesquisas é avassalador. Em um mesmo dia, podem ser divulgadas duas ou três Pesquisas. Há também as pesquisas por Estado, que tornam a análise das possíveis combinações ainda mais desafiadora. São tantos dados que há Estatísticos e diversos sites dedicados a processar e “interpretar” os dados. No meu acompanhamento dessa eleição, utilizei muito o Real Clear Politics, algo como “Política Transparente de Verdade”, e o do renomado estatístico Nate Silver. Além das Pesquisas, há sites onde as pessoas apostam dinheiro nos candidatos que avaliam que irão vencer a eleição, sendo o mais famoso deles o Polymarket. Houve também o acompanhamento da ação na Bolsa de Valores da empresa de televisão e mídia do Donald Trump, a DJT media group. O fato dessa ação subir ou cair, indica a leitura do mercado de ações sobre o tema.

É muito importante lembrar que as pesquisas erraram muito sobre os Prognósticos de Trump em 2016 e 2020. Nate Silver reconhece que seu maior erro profissional foi avaliar em 70% as chances de sucesso de Hillary Clinton em 2016, eleição ganha por Trump.

 

Minha opinião

 

Trump deve ser eleito. Um dos dados mais importantes a se analisar em pesquisas é verificar quem as pessoas acreditam ser o potencial vencedor. Esse dado é importantíssimo para entender o “sentimento” do eleitor, mesmo sendo bombardeado por pesquisas que possam indicar o contrário. Aqui, temos, segundo o site Real Clear Politics, a convergência do líder potencial de votos em três Estados Pêndulo: Arizona, Carolina do Norte e Geórgia. Além disso, as pessoas desses estados acreditam firmemente que Trump será o vencedor neles. Quem melhor que os moradores do estado para opinar sobre o sentimento do vencedor em suas cercanias? Pois bem, no Arizona, 75% apostam que o vencedor será Trump, na Carolina do Norte 65% apostam em igual resultado estadual e na Geórgia o número chega a 64% em apostadores convencidos na vitória local de Trump. Caso Trump vença mesmo esses três Estados, ele necessitaria de vencer em somente um dos seguintes Estados denominados de Cinturão de Ferro: Winconsin, Michigan e Pensilvânia.

Opino que é factível a vitória de Trump em ao menos um desses Estados, potencialmente obtendo a vitória em dois deles. Em Wisnconsin, as pesquisas sempre erram absurdamente contra Trump. Em 2016 o erro foi de 7,26%, no qual Hillary Clinton ganharia por 5,5%, mas acabou perdendo por 1,76% dos votos. Já em 2020, acertaram o ganhador, mas o erro ainda foi grande. A previsão era de que Joe Biden venceria com uma margem de 6,6% dos votos mas conseguiu uma diferença de somente 0,6% deles, algo em torno de 20 mil votos. Atualmente, Harris tem uma mínima vantagem de 0,3% das intenções de votos nas pesquisas. Nunca um candidato Democrata (Harris) foi tão mal em pesquisas como em 2024. Aqui também teremos o fator Jill Stein novamente. Em 2016, ela obteve cerca de 33 mil votos em Winsconsin, enquanto a vantagem de Trump foi de cerca de somente 22 mil votos. Já em 2020, ela não concorreu e Biden virou o jogo mas teve uma liderança mínima de cerca de 20 mil votos. Com ela no certame e seus eleitores declarando abertamente que o Partido Democrata de Harris falhou em trazer a desejada Paz ao Mundo, há indícios de que Kamala Harris terá grandes dificuldades em nesse Estado pêndulo.
O outro Estado é a Pensilvânia. Ali, há também convergência de pesquisas e apostas, no entanto, em escala menor. A liderança de Trump nas pesquisas é de somente 0,3% e 55% dos apostadores locais acreditam na vitória de Trump, contra 45% que acreditam na vitória de Kamala Harris. Pensilvânia é considerado o mais importante de todos os Estados pêndulo. Nate Silver considera que o vencedor nesse Estado tem 94% de chances de vencer a eleição no total do Colégio Eleitoral. Não é surpresa que ali ocorreu a maioria dos comícios dos dois candidatos. Foi em um McDonald´s na Pensilvânia que Trump fritou batatas e serviu clientes no Drive Through. Há a coincidência que também foi nesse Estado que ele sofreu o atentado. Por outro lado, Kamala Harris sofre da desconfiança de alguns eleitores locais por ter afirmado há alguns anos que eliminaria totalmente o “fracking”, uma maneira de se extrair petróleo considerada polêmica por alguns ambientalistas. A cadeia de extração de Petróleo “fracking” emprega mais de 300 mil pessoas na Pensilvânia e a proposta de Kamala, deixaria essas pessoas desempregadas da noite para o dia. Trump, é favorável ao “fracking” e naturalmente aproveitou os vídeos antigos de Kamala Harris para fomentar dúvidas a respeito da real posição da candidata sobre o tema.

Neste exato momento, a análise fria do site Real Clear Politics indica que Trump vencerá nos Estados do Arizona, Carolina do Norte, Geórgia e também na Pensilvânia. Há também a indicação de vitória de Trump em Nevada, um Estado mais famoso pela sua Capital, Las Vegas, do que pelo número de “medalhas”, que são somente seis. Caso a análise do site esteja correta, Trump obteria 287 “medalhas”, 17 a mais que o mínimo necessário para ser eleito. A minha análise considera essa vitória com a adição de Winsconsin, levando Trump a obter 297 “medalhas”.

Há outros indicadores pró-Trump. O preço da ação de sua empresa de mídia se multiplicou por três somente entre os dias 01 e 28 de Outubro. Um grande indicativo de que o mercado financeiro acredita em sua vitória. Outro dado é que várias pesquisas nacionais indicam a possibilidade de vitória de Trump inclusive no número total de votos, além da vitória no Colégio Eleitoral. Para fins de eleição, só conta mesmo a vitória do Colégio Eleitoral, mas ir bem também na somatória de votos seria ótima notícia para Trump. Outro dado positivo é que mais de 75 milhões de eleitores votaram antecipadamente, o que demonstra engajamento do eleitor Republicano pró Trump, que geralmente é mais “preguiçoso” em relação ao deslocamento para as urnas.

 

A eleição está então finalizada e decidida?

 

Naturalmente que não. Kamala Harris ainda tem chances e elas não são desprezíveis. Se por um lado as ações da empresa de Trump triplicaram entre 01 e 28 de Outubro, do dia 29 para cá elas caíram 32%. Enquanto que 65% apostadores estavam convencidos na vitória de Trump até o dia 30 de Outubro, hoje são somente 55%. A diferença que era de 30 pontos (65% – 35%) a favor de Trump, hoje é de somente 10% (55% – 45%). As pesquisas que até o dia 30 indicavam a vitória de Trump em Winsconsin e Michigan, viraram para o lado da Kamala no final de semana. Muitos analistas creditam isso a uma verdadeira “blitz” de vídeos de grandes atrizes e atores de Hollywood, além de personalidades da música e dos esportes, em favor de Kamala Harris. Do dia 30 de Outubro para cá, pessoas como Scarlett Johansson, Julia Roberts, LeBron James, Jennifer Aniston, Arnold Schwarzenegger, Beyoncé, Jennifer Lopez, Ricky Martin, Leonardo DiCaprio, Cher e Willie Nelson declararam ou reforçaram seus apoios a Kamala Harris. Há muitas pessoas famosas e principalmente muito quilate nos apoios a ela.

 

Onde estamos neste exato momento então?

 

A atual eleição americana me lembra muito o jogo entre Brasil e Croácia na Copa do Qatar de 2022. Acabou de terminar o primeiro tempo da prorrogação e o Brasil (Trump) está vencendo por 1 x 0. A Croácia (Kamala) terá somente quinze minutos do segundo tempo para em uma jogada, um detalhe ínfimo que seja conseguir fazer um gol e transferir todo um sentimento de derrota ao seu oponente, um verdadeiro banho de água gelada no grupo rival. As próximas 48 horas, tal como aqueles fatídicos 15 minutos, demorarão uma eternidade para passar.

 

Leonardo Furtado

Eengenheiro e Mestre em Ciências das Decisões e planejamento de cenário pela London School of Economics

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