A líder quilombola e ialorixá Mãe Bernadete foi assassinada a tiros no quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região metropolitana de Salvador, na noite de quinta-feira (17), mesmo protegida pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Governo Federal.
Até este domingo (20), ninguém foi preso. O g1 entrou em contato com a Polícia Civil para saber novidades sobre o crime. No entanto, a corporação afirmou que a apuração do caso está em andamento e que detalhes não podem ser divulgados para não interferir nas investigações.
Segundo as investigações, mãe Bernadete, como era conhecida, assistia televisão com três netos adolescentes, dentro de casa, no quilombo Pitanga dos Palmares, quando dois homens invadiram a casa. Eles tiraram os netos da ialorixá da sala e a executaram com vários tiros.
De acordo com familiares, Mãe Bernadete estava sob proteção da Polícia Militar, por meio da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia (SJDH) há pelo menos dois anos.
Já segundo o Governo da Bahia, a líder quilombola fazia parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Governo Federal, executado na Bahia pela SJDH, desde 2017.
As estratégias de proteção à Mãe Bernadete envolviam monitoramento através de câmeras instaladas no território quilombola e rondas policiais permanentes.
“Depois de muita luta nossa, eles colocaram o sistema de videomonitoramento com câmeras. Colocaram sete câmeras, das quais só três funcionavam, mas isso depois de 1 ano e meio dela submetida nesse programa, porque antes nem isso tinha”, disse o advogado da família da família mãe de Bernadete, David Mendez.
Além do sistema com câmeras, o advogado afirmou que policiais faziam rondas no quilombo uma vez por dia.
“Fora isso, uma ronda da Polícia Militar. Uma única viatura ia na sede da associação que Dona Bernadete presidia, de manhã ou pela tarde, averiguava, via que estava tudo bem e ia embora. Que espécie de proteção é essa?”, questionou.
No programa, existe uma outra modalidade, considerada mais radical, que envolve mudança de identidade e de endereço dos protegidos, além do corte de vínculo com a comunidade próxima.
Ao g1, o advogado da família de mãe de Bernadete, contou que essa modalidade foi oferecida no sábado (19), para o filho da iolarixá e os netos que presenciaram o crime. No entanto, eles decidiram não aceitar a medida.
“Se você pega o herdeiro natural dessa luta e liderança comunitária e o obriga a se afastar dessa comunidade, o que será dessa comunidade? E quem garante que eles estariam efetivamente protegidos?”, disse David Mendez.
De acordo com a Polícia Civil da Bahia, uma das linhas de investigação é o conflito pela posse da terra onde está o quilombo. A área de cerca de 854 hectares foi caracterizada pelo Governo do Estado como local com “histórico complexo de disputas e conflitos fundiários”. Apesar disso, a corporação não descarta outras possibilidades.
A Polícia Civil ainda disse que os suspeitos usaram armas de calibre 9 mm, que desde julho voltaram a ser de uso restrito às forças de segurança. A Polícia Federal, que também entrou no caso, informou que não vai divulgar informações sobre a investigação.
Segundo familiares, a ialorixá recebia ameaças há cerca de dois meses. Ela falou sobre isso durante um encontro com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, em julho deste ano.
“Hoje eu vivo assim, que eu não posso sair, que estou sendo revistada, minha casa toda cheia de câmeras, me sinto até mal, mas é o que acontece”, disse Bernadete na ocasião.
Segundo testemunhas, a ialorixá denunciava madeireiros ilegais e por isso era ameaçada. A extração de madeira na comunidade quilombola onde ela morava é ilegal, porque se trata de uma Área de Proteção Ambiental (APA).
O Programa
O PPDDH tem o objetivo de oferecer proteção às defensoras e aos defensores de direitos humanos, comunicadoras e comunicadores e ambientalistas que estejam em situação de risco, vulnerabilidade ou que sofram ameaças por causa da atuação em defesa desses direitos.
Segundo o Estado, as medidas protetivas do PPDDH são desenvolvidas no próprio território da liderança, com o objetivo de fortalecer a sua atuação e permanência na localidade.
Atualmente, o procedimento de ingresso ao programa tem as seguintes etapas:
- exame de admissibilidade e análise do pedido (fases desempenhadas pelas equipes técnicas);
- apreciação do caso pelo Conselho Deliberativo.
O PPDDH é executado por meio de Convênios, firmados, voluntariamente, entre a União e os estados, quando existem programas estaduais. Atualmente, contam com programa instituído: Pará, Amazonas, Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Mato Grosso.
Nos outros estados, os defensores e as defensoras de direitos humanos são acompanhados por uma equipe técnica contratada através de parceria realizada entre este Ministério e uma Organização da Sociedade Civil.
Para solicitar proteção pelo PPDDH, é necessário entrar no site do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e preencher um formulário.