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Cerca 500 famílias são despejadas de fazenda em Fortaleza do Tabocão

Foto: Rose Dayanne

“Pois terra, escola, saúde e educação, esse é o meu direito e não abro
mão”. Esse é um trecho de uma das cantigas que as crianças da ocupação
Fazenda Santa Barbara cantavam enquanto os oficiais da Justiça Federal,
acompanhados das Polícias Militar, Civil e Federal e do Corpo de
Bombeiros, aproximavam-se para cumprir o mandato de reintegração de posse.
“Elas estavam assustadas e cantar foi uma forma de acalmar elas”, relatou
uma mãe.

O despejo de cerca de 500 famílias que ocupavam uma área pertencente à
União, localizada às margens da BR-235 (Km 194), município de Fortaleza do
Tabocão, Tocantins, aconteceu durante toda terça-feira, 19, acompanhada
pela DPE-TO- Defensoria Pública do Estado do Tocantins, Comissão de
Direitos Humanos da OAB-TO, Comissão Pastoral da Terra, Ouvidoria Agrária
Nacional, Conselho Estadual de Serviço Social e também do Incra, que tem a
posse da área.

Segundo o coordenador do DPAGRA – Defensoria Pública Agrária, Pedro
Alexandre, a Justiça Federal determinou a reintegração de posse ao Incra,
com a nomeação de um servidor do órgão como administrador responsável.
Logo, nem os fazendeiros que se apropriaram da área e nem os ocupantes
poderão utilizar o local enquanto a decisão estiver valendo e cabe agora
ao Incra dar a destinação que entender correta para área.

“Chegamos antes dos oficiais de Justiça e das forças de segurança para
explicar a situação às famílias e orientamos que cumprissem a ordem
judicial. Todos os pedidos possíveis, seja na Justiça Estadual ou na
Federal pela Defensoria Pública da União, foram feitos e agora vamos
tentar manejar os meios legais para cobrar dos órgãos competentes uma
solução para a questão que envolve a área e as famílias”, ponderou o
defensor público da Regional de Guaraí, Evandro Soares.

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Saída

Foto: Rose Dayanne

Diante da decisão, durante todo o dia, as famílias saíram de forma
voluntária do local e o transporte dos pertences foi realizado em veículos
disponibilizados pela autora da ação de reintegração de posse. “A gente
não tem lugar nenhum pra ir, tem um ônibus aqui para levar nossas coisas.
Não temos dinheiro para pagar aluguel, nem casa na cidade, estou
desempregada”, relatou uma das ocupantes, enquanto carregava os pertences
da família, junto com seu marido e três filhos. “Estou levando minhas
plantinhas, eu não sei como vão ser as coisas depois, mas onde tiver vou
plantar minhas plantinhas”, contou uma idosa, ao organizar cuidadosamente
suas mudas no bagageiro do ônibus.

De acordo com a decisão da Justiça Federal, as famílias que resistirem à
ordem para sair de forma voluntária e permanecer na área terão até o dia
11 de outubro para desocuparem definitivamente o imóvel. “Sob pena de uma
desocupação forçada, com emprego de todos os meios necessários, inclusive
como remoção de obstáculos e de edificações e prisão”, determinou o Juiz
da Segunda Vara Federal do Tocantins.

Ao fim do dia, com muitas moradias demolidas, a maioria das famílias já
tinha saído da área ou aguardavam a logística para retirada de seus
pertences, enquanto deixavam no local pequenas plantações de melancia e
feijão, hortas, criações de galinhas e porcos.

Ocupação

Foto: Rose Dayanne

Em abril de 2017, as famílias começaram a ocupar a área, a maioria delas
veio do acampamento Olga Benário, no município de Guaraí, reivindicando a
destinação da terra à Reforma Agrária, pois desde 2013 aguardavam por um
projeto de assentamento que as contemplassem. No local, além das
habitações improvisadas que serviam de abrigo e morada desde então, as
famílias cultivavam hortas, plantações de melancia, feijão, culturas
diversas, assim como criam galinhas e porcos.

“Nós já estávamos na BR há quatro anos aguardando um projeto de
assentamento e quando ficamos sabendo dessa terra da União decidimos vir
para cá. A gente começou a plantar primeiro feijão, depois quiabo, depois
investimos na melancia. Nós chegamos a colher questão de mil melancias na
primeira colheita e nessa segunda umas duzentas e ainda tem mais uma safra
para colher. Nós vendemos no Guaraí umas 150, e também vendemos para os
moradores aqui e também doamos algumas”, contou orgulhoso um jovem, ao
exibir a pequena plantação de melancia, cultivada junto com a mãe e os
irmãos.

“Estamos aqui na expectativa, pois está nas mãos do Incrase vão destinar a
área para um projeto de assentamento, com agricultura familiar, ou se vai
destinar para uma pessoa só plantar soja”, afirmou o jovem.

Área

Foto: Rose Dayanne

Em 2006, a área foi expropriada e destinada para o INCRA após ter sido
flagrada com cultivo de plantas psicotrópicas. No decorrer desse processo,
a área começou a ser apropriada, com loteamento e plantação de soja, e
pleito para regularização fundiária da terra por meio do Programa Terra
Legal.

Em 2016, o Incra realizou uma vistoria na área e confeccionou um Laudo de
Viabilidade Técnica, em que inviabilizou a área para criação de
assentamento de Reforma Agrária. Em abril de 2017, as famílias começaram a
ocupar o local, vindas do Acampamento Olga Benário, às margens da BR 153,
construíram habitações e começaram a utilizar a terra para pequenas
plantações, hortas e criar animais.

Após a entrada das famílias na área, um particular que fazia uso do imóvel
ingressou com uma ação de reintegração de posse. Assim que tomou
conhecimento da situação das famílias, ainda no mês de maio, via
representantes do MST, a Defensoria Pública passou a acompanhar as
famílias. Em julho, o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins,
deferindo pedido formulado pela Defensoria Pública, reformou a decisão
proferida pelo Juízo da 1º Vara Cível de Guaraí, suspendeu a ação de
reintegração de posse e remeteu o processo a uma das Varas da Seção
Judiciária Federal do Estado do Tocantins, para análise, processamento e
julgamento da demanda.

Com a remessa do processo à Justiça Federal, a competência para atuar na
ação passou à DPU – Defensoria Pública da União, e a DPE-TO continuou
assistindo as famílias, com orientações, informações e eventuais demandas
que surgirem na competência estadual. Nesta segunda-feira, 18, o Juiz da
Segunda Vara Federal determinou a reintegração de posse, que se iniciou
nesta terça-feira, 19.

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