Levantamento foi feito pelo O Globo
Revés para a saúde de mais de um milhão de pessoas em todo o mundo, o novo coronavírus representa ameaça a 18 milhões de trabalhadores brasileiros, mais suscetíveis a contrair a doença por conta das características de sua ocupação.
Levantamento do GLOBO com base em estudos de pesquisadores da LABORe e do Laboratório do Futuro da Coppe/UFRJ indica que o risco do contágio extrapola o setor de saúde, impactando indústria, comércio e serviços.
O número dá a dimensão do desafio que é proteger não apenas aqueles em atividades essenciais, mas também da necessidade de planejar uma possível retomada gradual da economia, quando a curva de disseminação do vírus estiver controlada.
Os dados consideram a proximidade física exigida pelas tarefas de cada profissão e o nível de exposição a doenças e infecções que cada ocupação implica, com base em dados do Ministério da Economia e da O*NEt, base internacional de ocupações. Um indicador, que varia de zero a cem, mede o risco.
A ocupação que pontua acima de 60, apresenta possibilidade significativa de contágio. Cerca de 40% dos trabalhadores formais do país estão nesse grupo.
Além das equipes atuando nos hospitais, estão em risco considerável trabalhadores como motoristas de ônibus, cozinheiros, vendedores, comissários de bordo e agentes funerários.
Para especialistas, os números evidenciam o desafio de flexibilizar as políticas de isolamento social em meio à ascensão da curva exponencial de disseminação da doença e reforçam a necessidade de testagem em massa para reativar setores gradualmente.
À medida que o vírus se espalha, muitos que estão em constante contato físico com outras pessoas acabam sob risco maior pela natureza da ocupação. Não se trata de algo restrito à linha de frente, mas de boa parte da matriz ocupacional.
— Há ocupações com as quais interagimos diretamente e com alto risco. Serve de alerta. Só considerando os setores como essenciais, já é um desafio mantê-los funcionando com segurança — explica Yuri Lima, pesquisador do LABOREe e do Laboratório do Futuro, da COPPE/UFRJ.
‘Não podemos desertar’
Esse desafio de buscar segurança sem interromper setores imprescindíveis durante a epidemia é o que tem guiado as instruções transmitidas a agentes penitenciários do estado por Gutembergue de Oliveira, presidente do Sindicato dos Inspetores Penitenciários do Estado do Rio. O risco para os profissionais, de acordo com o levantamento, é de 83,7 pontos.
— Procuro tranquilizar a todos e mostrar que estamos em uma guerra contra o vírus e não podemos desertar. Nós, agentes, estamos normalmente expostos a doenças como sarampo, meningite e tuberculose. Somos servidores públicos, precisamos do nosso emprego e não podemos fugir da responsabilidade — afirma Oliveira, que tem buscado junto ao governo estadual garantias de segurança para a classe a partir do fornecimento de álcool gel, luvas e máscaras cirúrgicas, entre outros itens.
A necessidade de equipamentos de proteção individual (EPIs), hoje escassos no mercado nacional e internacional, tem sido a grande preocupação não só dos profissionais que se encontram fora do isolamento, mas também dos que estão em casa.
Entre os mais de 2,6 milhões de professores, cujo risco de contágio chega até a 81,7 pontos, muitos não conseguem imaginar a volta às aulas sem que haja a mínima segurança.
— Lido com mais de 500 pessoas por dia, tenho clareza que em uma semana de aula vou pegar a doença se não tiver o mínimo de proteção do ambiente escolar. Será necessário organizar a sala e dar o mínimo de proteção. Não dá pra imaginar um retorno como era antes — afirma Rodrigo Torres, de 27 anos, professor de artes no Instituto Marcos Richardson.
Para Adriano Massuda, professor da FGV e pesquisador visitante no Departamento de Saúde Global e Populações da Escola de Saúde Pública de Harvard, o desafio na proteção ao trabalhador será maior do que o dos outros países:
— É preciso estratégia. Tem o risco individual para a pessoa, mas há o risco coletivo. Por mais que se tenha uma boa quarentena, você pode ter uma segunda onda que provoque uma sobrecarga do sistema de saúde. A testagem é fundamental para essa retomada.
Na China, onde o governo afrouxou o isolamento social após zerar a transmissão comunitária, a volta ao trabalho na área da Educação foi muito cautelosa. Ensinando economia para alunos da unidade da New York University em Xangai, o professor brasileiro Rodrigo Zeidan relata que segue atuando apenas por meio de videoconferências até que seja seguro:
— Na China, há a percepção de que nada é pior do que o vírus. Por isso, o prédio da universidade está vazio e só é possível frequentá-lo por pouco tempo, avisando previamente. Quem chega precisa ter a temperatura aferida. Em público, todos usam máscara.
Medidas como as que os chineses tomaram na universidade onde trabalha Zeidan parecem distantes da realidade do Brasil. Aqui, a preocupação maior é com prevenção muito mais básica do que o controle infravermelho da temperatura corporal: falta água encanada para lavar as mãos em 26% das escolas, segundo o Censo Escolar de 2018, e 16% delas não têm banheiros. Há o agravante das salas de aula superlotadas.
— O cenário é de insegurança e precisará ser completamente diferente quando as escolas forem reabertas — diz o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Educação (CNTE), Heleno Araújo.
No setor de comércio e serviços, responsável por mais de 65% do PIB brasileiro, a recomendação hoje é que trabalhadores do setor utilizem as chamadas barreiras físicas, como máscaras de pano ou TNT, segundo Ricardo Peixoto, médico responsável pela área de Saúde da Confederação Nacional do Comércio, Bens e Serviços (CNC).
— Será preciso um movimento torneira, que vá abrindo e fechando aos poucos — avalia Rafael Lucchesi, diretor da CNI.
Para Alberto Balazeiro, procurador-geral do Trabalho, a flexibilização do isolamento social pode não significar a retomada das atividades econômicas:
—Não podemos falar em retomada sem que medidas de proteção sejam tomadas para o bem do trabalhador.
(Colaborou Renato Grandelle).
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