Cerca de 13 mil novos casos de câncer em crianças e adolescentes ocorreram no Brasil em 2017. Dentre vários tipos, o de maior incidência é a leucemia, correspondendo a 30% dos casos. O por quê e como seres humanos tão novinhos desenvolvem essa doença gera controvérsias há décadas — possíveis causas ambientais, como radiações ionizantes, ondas eletromagnéticas ou até mesmo produtos químicos nunca apresentaram evidências concretas para serem aceitas. Agora, cientistas londrinos descobriram alguns possíveis culpados pela leucemia linfoblástica aguda (LLA) – e a limpeza excessiva na primeira infância está entre eles.
Não, isso não significa que agora você terá que manter seu bebê chafurdando no lixo de fraldas. Um ambiente limpo é importante, mas o “isolamento” infantil, numa tentativa de proteção, é prejudicial: segundo Mel Greaves, autor do estudo e cientista do Instituto de Pesquisa do Câncer, em Londres, o sistema imunológico se torna mais suscetível ao câncer se não tiver um contato razoável com micróbios no início da vida. Apesar de ser uma descoberta inusitada, a conclusão do estudo também é animadora: até certo ponto, dá para diminuir as chances de câncer infantil.
Antes de tudo, é importante saber o que é a leucemia linfoblástica aguda. A LLA é responsável por 75% dos casos de leucemia infantil, e, felizmente, 90% das crianças que fazem um tratamento adequado se curam. Esse câncer no sangue ocorre quando linfócitos (um dos vários tipos de glóbulos brancos, aqueles das aulas de biologia) em formação na medula óssea sofrem alterações e se multiplicam de forma desordenada. O caráter “agudo” da doença quer dizer que os linfócitos problemáticos são células muito jovens, imaturas. Quando elas começam a causar transtorno, isso afeta todas as células sanguíneas da criança. E o pior: esses linfócitos cancerosos evoluem muito rápido, tornando o diagnóstico precoce imprescindível para um tratamento eficaz.
Por que as crianças desenvolvem essa doença era um mistério para a medicina, mas a nova pesquisa achou dois pontos fundamentais para a ocorrência do mal: mutação genética e infecções em sistemas imunológicos frágeis. Greaves estudou câncer infantil por mais de 30 anos para chegar nessas variáveis.
O primeiro fator envolve uma mutação genética específica: ela ocorre antes mesmo do nascimento do bebê e já predispõe a criança à doença — mas é bom ressaltar que apenas 1% dos nascidos com essa alteração desenvolve a leucemia.
O segundo fator é o polêmico: a doença, que se desencadeia mais tarde na infância, está mais sujeita a atacar crianças excessivamente limpas no primeiro ano de vida. A falta de contato com ambientes fora de casa ou outros bebês impossibilitou o sistema imunológico de se preparar contra outras ameaças. Infecções comuns surgidas na infância, que facilmente seriam curadas em crianças com mais contato com micróbios, são bombas no organismos dos bebês “limpinhos” — e acabam gerando uma possível desordem dos linfócitos.
Na pesquisa, Greaves apresenta essas evidências em uma teoria de “infecção tardia” como causa da LLA, afirmando que uma infecção quando novinho é benéfica para preparar e estimular nossas defesas. Mas uma primeira infecção posterior em crianças predispostas geneticamente, que não possuem preparo imunológico, pode influenciar no desenvolvimento da leucemia.
Anos de pesquisas e experimentos levaram a essas conclusões, incluindo testes em animais e estudos populacionais. Greaves agora investiga se a exposição anterior a micróbios inofensivos pode prevenir a leucemia em camundongos. Se der certo, a ideia é que o mesmo poderia ser feito em crianças, para protegê-las desse câncer.
A leucemia linfoblástica aguda atinge 300 mil crianças mundialmente, estando bem mais presente em sociedades ricas e desenvolvidas. Esse estudo espera que isso mude no futuro.