Os fotógrafos, jornalistas, guias turísticos, sociólogos e os próprios viajantes já parecem concordar que as fotos existentes de um lugar não dependem apenas da mediação de instâncias responsáveis pela promoção dele como um ponto turístico.
Em outras palavras: em um mundo em que as pessoas sonham com suas viagens por meio de fotografias que circulam em aplicativos como o Instagram, os governos e as agências turísticas não são os únicos capazes de atrair pessoas para um destino.
Uma das maiores redes sociais do mundo, com 1 bilhão de usuários ativos no planeta, o Instagram se vale da fotografia e do espaço em que qualquer pessoa pode publicar ideias e opiniões integrantes de sua visão de mundo. A própria fotografia, como já dizia a escritora estadunidense Susan Sontag, é um dispositivo que permite a materialização de uma experiência por qualquer pessoa.
No entanto, em cidades que estão em constante renovação, o ato de fotografar ganha um novo poder: o de cristalizar imagens de lugares que nunca são fixos.
Para os bacharéis em Turismo Franciele Manosso e José Gândara, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é no Instagram em que as pessoas podem materializar suas experiências nas cidades em que vivem, não necessariamente quando viajam. A fotografia se tornou o principal instrumento de fixar imagens sobre as constantes mudanças que elas passam. “A representação máxima dessa vivência do indivíduo na cidade acontece hoje por meio das redes sociais”, diz Franciele.
A definição dos lugares considerados aptos a representarem a materialização é atravessada por sentimentos compartilhados socialmente. A experiência das pessoas se impregna de uma espécie de memória coletiva, de forma que os lugares adquirem força simbólica e se relacionam também com o imaginário popular. Um exemplo brasileiro é o Cristo Redentor, que faz parte de todos os fenômenos de decisão, expectativa, memória coletiva e força simbólica relacionados ao ato de viajar. Não à toa, todos os pacotes turísticos cariocas incluem uma visita ao monumento — considerado o cartão-postal do Brasil no exterior.
Principalmente no contexto atual de celulares com câmeras fotográficas, “as fotografias são um instrumento de miniaturização e catalogação do mundo vivido e experimentado pela sociedade”, afirma Franciele.
Os “fotógrafos” colecionam momentos experimentados em determinados lugares que são relevantes no contexto em que vivem. “A fotografia traz à memória dos indivíduos outras recordações que não se encontram vinculadas ao aspecto visual, como cheiros, temperaturas e sentimentos presentes no momento do ato fotográfico, sendo difícil que o indivíduo se desprenda das fotografias obtidas em determinada experiência, pois está emocionalmente apegada a elas, as quais formam parte da vida cotidiana e de suas recordações”, escreveu Sontag na década de 1970, quando passou a estudar o fenômeno da fotografia nos EUA.
Para Gândara, as fotos de viagem são parte de experiências vividas que devem ser materializadas por serem “relíquias” ao fotógrafo-turista, ou seja, terem conotações simbólicas suficientes para que, quando vistas, revisitem momentos especiais.
“As postagens de fotos em redes sociais refletem o processo de decisão dos indivíduos que desejam viver determinadas experiências e ter certas recordações. As opiniões compartilhadas são consideradas fonte valiosa de informação sobre os espaços turísticos para outros viajantes. Não deixa de ser um círculo em que, a partir das fotos postadas, outras pessoas tomam decisões e criam expectativas sobre os lugares”, afirma.
A relação entre os visitantes e os visitados
Quando a relação dos visitantes com os visitados é entendida como experiência e materializada por meio da fotografia, o espaço urbano deixa de ser homogêneo para ser observado como lugar de experiências humanas, dizem Franciele e José.
“Se ressignificam os conceitos de paisagem e lugar antes buscados pelos visitantes. A leitura dos lugares a partir da perspectiva da experiência evidencia de algum modo a valorização do homem como sujeito, pois se busca aprofundar a relação do espaço e o comportamento humano no ambiente”, dizem.
As fotografias do paulistano Vitor Nisida são um exemplo: em agosto de 2017, ele viajou ao Peru e a Bolívia registrando todos os momentos – ou seja, materializando a experiência urbano-turística. Nas imagens, sempre havia o aspecto relacional entre o fotógrafo-turista e os visitados.
Para Franciele, além do mais, há um aspecto emotivo na produção fotográfica dos visitantes sobre os visitados, pois as imagens dizem respeito ao cotidiano, experiências e acontecimentos cotidianos dos indivíduos. “Os significados das fotografias não se relacionam com seus elementos, mas ganham sentido quando são consumidos e interpretados por outras pessoas que veem a foto posteriormente — ou postada na rede social”, finaliza.
O surgimento de novos roteiros
Das belas cidades antigas da Rota da Seda ao charmoso sistema de metrô de Almaty, no Cazaquistão, o Instagram também está permitindo que as pessoas que vivem ou que passam pelas capitais da Ásia Central — que fizeram parte da antiga União Soviética – compartilhem pedaços de suas rotinas com o mundo.
A Internet chegou à região no final dos anos 1990. Por décadas, alguns países asiáticos tiveram baixíssimos níveis de conexão à web por causa dos isolamentos geográficos, das barreiras estruturais e das restrições políticas.
De acordo com estatísticas do Banco Central de 2015 – as mais recentes -, o Cazaquistão é o país mais conectado da região, com cerca de três quartos da população online (73%), comparado com 43% do Uzbequistão, 30% do Quirguistão e 20% do Tajiquistão. No Turcomenistão, apenas 15% dos 5,6 milhões de habitantes usam Internet.
No entanto, ao redor da Ásia Central, o número de usuários da web cresceu na medida medida que os smartphones, que passaram a ser mais baratos e acessíveis. As redes sociais, por consequência, se expandiram, particularmente quando o Facebook chegou aos países da região falando seus idiomas.
Para quem vive fora da região, as redes sociais oferecem um pedaço dessas sociedades outrora secretas, enquanto quem vivem nelas têm uma maneira de compartilhar seus cotidianos com o mundo. No ano passado, o fotógrafo Hassan Kurbanbaev mostrou suas imagens de Tashkent, capital uzbeque, cidade onde nasceu e vive até hoje, em um projeto que foi bastante visitado e curtido por revistas e seguidores no Instagram.
O jornalista brasileiro Fábio Leico, que vive atualmente em Moscou, contou ao NOME DO VEÍCULO que as redes sociais se tornaram o principal meio de mostrar as cidades pós-soviéticas ao mundo. Radicado na Rússia desde o começo do ano, para onde viajou para cobrir a Copa do Mundo, ele passou os meses antecedentes ao evento percorrendo países da região.
“Alguns sites políticos estrangeiros que cobrem esses lugares são bloqueados aqui, mas eles não podem impedir que as pessoas acessem redes sociais como o Instagram”, explica.
Fonte: Embarque na viagem