Tubarões são praticamente um sinônimo de animal carnívoro. O tubarão-de-pala (uma pequena espécie de tubarão-martelo), por sua vez, alterna entre dietas de carne e de vegetais, de acordo com uma nova pesquisa.
Pesquisadores do Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade da Califórnia em Irvine, mostraram que os tubarões-de-pala são capazes de digerir e aproveitar nutrientes de ervas marinhas. Antes, pensava-se que o animal tinha uma dieta exclusivamente carnívora.
Este é o primeiro tubarão onívoro conhecido – uma descoberta que muda o que sabemos sobre os tubarões e o seu papel nos ecossistemas aquáticos. A nova pesquisa, liderada pela bióloga marinha Samantha Leigh, foi publicada nesta terça-feira (4), no periódico Proceedings of the Royal Society B.
Alguns animais são bem indiscriminados quando se trata de comida, colocando para dentro praticamente tudo o que aparece em seus caminhos. Mas o fato do animal ter decidido comer algo não significa que ele é capaz de digerir esse alimento e obter seus potenciais nutrientes. Para os cientistas, é importante saber quais alimentos trazem benefícios para os animais e entender completamente o papel que isso tem no ecossistema.
Os cientistas acreditavam que já tinham descoberto tudo o que era necessário sobre a alimentação dos tubarões. São animais teoricamente carnívoros por excelência, com estômagos apropriados para a digestão de alimentos de muita proteína; eles foram feitos para comer carne e nada mais.
Os onívoros, por outro lado, são capazes de comer carne, mas também digerem vegetais. Essa habilidade exige uma química biológica totalmente diferente de digestão. É preciso, por exemplo, quebrar e absorver, ou assimilar, nutrientes encontrados nas paredes celulares fibrosas das plantas.
Os tubarões-de-pala (Sphyrna tiburo) vivem em águas costeiras próximas ao Atlântico (incluindo o Brasil) e ao Golfo dos Estados unidos e são bem conhecidos pelos cientistas. Eles gostam de comer crustáceos, lulas e moluscos, mas também possuem esse estranho hábito de comer ervas marinhas – uma observação realizada pela primeira vez pela ecologista e pesquisadora do NOAA, Dana Bethea, em 2007.
Os animais comem tantas ervas marinhas que até 62% do conteúdo de seus estômagos possuem traços de plantas aquáticas. Os biólogos marinhos achavam que os tubarões-de-pala estavam consumindo os vegetais, mas não aproveitavam seus nutrientes.
“Inicialmente, o pensamento era de que os tubarões-de-pala consumiam ervas marinhas acidentalmente ao caçar crustáceos, lulas e outros pequenos animais invertebrados que fazem das ervas marinhas as suas casas”, disse Leigh ao Gizmodo.
Incomodada com essa opinião popular, Leigh e sua equipe decidiram fazer uma experiência para ver se os tubarões-de-pala eram, de fato, capazes de digerir e adquirir nutrientes das ervas marinhas. Eles trabalharam com cinco tubarões-de-pala cativos e os alimentaram com uma dieta que consistia 90% em ervas marinhas e outros 10% em lulas. A dieta consistia, todos os dias, em 5% do peso do tubarão e foi realizada durante três semanas. Os pesquisadores coletaram as fezes dos animais durante os testes de alimentação e todos os turbarão sofreram eutanásia ao final do experimento.
Uma análise digestiva dos animais mortos e de suas fezes mostraram que os tubarões-de-pala de fato digeriam e absorviam os nutrientes das ervas marinhas. Além disso, os tubarões mostraram crescimento somático (celular) enquanto estavam na dieta baseada em vegetais. Por fim, eles possuíam a bioquímica necessária para quebrar até mesmo as porções mais duras das ervas marinhas fibrosas.
“Marcamos quimicamente as ervas marinhas da dieta com carbono-13, que basicamente era um marcador químico que poderíamos utilizar para verificar se os nutrientes das ervas marinhas estavam sendo digeridos e absorvidos na corrente sanguínea do tubarão”, disse Leigh. “Fizemos coleta regular de sangue e descobrimos altos níveis desse marcador químico, indicando a assimilação de nutrientes de ervas marinhas.”
Os pesquisadores analisaram o material fecal para medir quanto de cada tipo de nutriente (carboidratos, proteínas, gorduras, etc.) era excretado, e como isso se comparava à quantidade de comida consumida. Cerca de metade da matéria orgânica total das ervas marinhas foi digerida.
“Finalmente, determinamos quais tipos de enzimas digestivas (enzimas que são utilizadas para quebrar as moléculas de comida) os tubarões-de-pala possuíam”, disse a cientista ao Gizmodo. “Diferentes enzimas quebram diferentes nutrientes e, geralmente, carnívoros possuem baixos níveis de enzimas que quebram as fibras e os carboidratos. No entanto, o tubarão-de-pala tinha altos níveis desses tipos de enzimas”.
Com base nessa evidência, a pesquisa conclui:
Mostramos que um tubarão costeiro, que anteriormente pensava-se tratar de um animal somente carnívoro, é capaz de digerir ervas marinhas com eficiência pelo menos moderada, o que possui implicações ecológicas… [dentro] dos ecossistemas frágeis das ervas marinhas.
Essa descoberta faz com que os cientistas comecem a reavaliar o papel dos tubarões-de-pala nos ambientes de ervas marinhas. Esses onívoros, como agora podemos chamá-los, provavelmente são responsável por uma pastagem significativa e um transporte de nutrientes dentro desse ecossistema. Os prados de ervas marinhas, segundo os cientistas, representam o ecossistema costeiro mais difundido no planeta, com um impacto importante na ecologia e alimentação.
“Ervas marinhas são extremamente importantes”, disso Leigh. “Elas produzem oxigênio, são viveiros para muitas espécies de peixes comercialmente importantes, filtram toxinas da água, entre outras coisas. No entanto, muitos prados de ervas marinhas estão sofrendo um declínio de saúde e de abundância. Este estudo é o primeiro passo para determinar como o tubarão-de-pala realmente se encaixa nesse tipo de habitat”.
Em termos de limitações, o estudo nos oferece apenas uma imagem de uma população dos tubarões da área de Florida Keys. Os pesquisadores ainda não sabem como os tubarões do Pacífico impactam em termos de consumo e digestão de vegetais.
É uma descoberta muito bacana, sem sombra de dúvidas. Os tubarões, como mostra essa pesquisa, nem sempre se encaixam nos esteriótipos que nós impusemos a eles.
Fonte: GIZMODO Uol