“Estamos aqui rezando pela vida. Vamos ficar até Deus deixar. Quer rezar conosco? Vamos começar um terço agora”, disse ao G1 uma manifestante contra o aborto que se identificou como Claudia, na tarde desta sexta-feira (25).
Ela e mais voluntários montaram uma tenda na frente do Hospital Pérola Byington, no bairro do Bixiga, Zona Central de São Paulo, há um mês. O local é público, mantido pelo governo do estado e referência nacional em atendimento a mulheres vítimas de violência. Ali são realizados abortos nos três casos previstos por lei: estupro, gestação de fetos anencéfalos ou gravidez com risco de morte. Na última segunda-feira (21), uma mulher vítima de estupro coletivo foi agredida pelo grupo “pró-vida”.
Na tenda montada pelo movimento “40 dias de oração e vigília pelo fim do aborto”, há placas onde se lê “rezando pelo fim do aborto”, “a vida começa na concepção”. Em uma terceira, ao lado de uma foto de um bebê está escrito “vamos defender a vida dos coleguinhas”.
Uma mesa contém imagens de santos católicos, terços, uma cruz e fetos de plástico.
Vítima de estupro é agredida
No último dia 21, a auxiliar de produção J., de 31 anos, vítima de estupro coletivo, foi conversar com os manifestantes, mas foi agredida. Segundo o boletim de ocorrência registrado no 5º DP Aclimação, J. foi estuprada em 29 de setembro no Rio de Janeiro e frequenta o hospital há cerca de 20 dias, onde tem ajuda psicológica, psiquiátrica e ginecológica.
Na segunda, ela foi até a tenda e perguntou a uma das manifestantes se ela sabia o que era empatia e que ela estava ali para conversar. Perguntou se a manifestante gostaria de ouvir sua história.
De acordo com o boletim de ocorrência, neste momento uma mulher identificada como C. foi até J. e começou a gritar com ela, que teria reagido e gritado de volta, dizendo que era uma vítima de estupro. Foi então que, segundo o boletim, um homem deu um golpe conhecido como mata-leão em J. e a segurou pelo pescoço, enquanto C. passou a atacar J. com tapas em seu rosto, peito, corpo e braço direito.
Uma policial militar que passava pelo local apartou a briga. J. foi levada por funcionários do hospital para dentro da unidade, onde foi medicada, de acordo com a polícia. Em seguida, foi à delegacia prestar depoimento.
De acordo com depoimento de C., a tenda dos manifestantes será montada diariamente das 8h às 20h até o próximo 3 de novembro, quando se completam os 40 dias de oração e vigília. Em sua versão dos fatos, ela disse que J. chegou à tenda alterada e nervosa , discutiu, tentou arrancar a tenda do local e lhe deu um tapa no rosto.
Segundo a polícia, o caso foi ajuizado como termo circunstanciado no Juizado Especial Criminal (JECrim) e seguirá sendo investigado.
Hospital segue atendimentos
O Hospital Pérola Byinton prossegue normalmente com o atendimento. De acordo com nota divulgada pela Secretaria de Estado da Saúde, “independente de qualquer manifestação que possa ocorrer fora da unidade, até o momento, não houve qualquer impacto na rotina de atendimentos na unidade”.
No hospital as vítimas recebem assistência de equipe multidisciplinar, com médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros, com foco no atendimento humanizado. A unidade oferece apoio à prevenção da gravidez decorrente da violência sexual e realiza abortos nos casos previstos em lei. Também há tratamento para traumatismos genitais, contracepção de emergência, medicamentos para evitar infecções por HIV, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e hepatites.
O Programa Bem Me Quer, do Pérola, é pioneiro no Brasil e considerado referência internacional no atendimento especial às vítimas de violência sexual. O serviço oferece atendimento 24 horas e dispõe de uma equipe multidisciplinar, capacitada a oferecer ajuda médica, social, jurídica e psicológica às vítimas, sem a necessidade de apresentar encaminhamento de outro serviço de saúde ou Boletim de Ocorrência Policial.
Ainda de acordo com a nota, a Secretaria de Saúde “trabalha constantemente para aprimorar o atendimento a vítimas de violência sexual e possui um Grupo Técnico Interdisciplinar de Combate a Violência, que se reúne periodicamente, tendo como norte a Linha de Cuidados às pessoas vítimas de violência, desenvolvida juntamente com o Ministério Público Federal, Defensoria Pública e serviços de referência. O objetivo é alinhar procedimentos e melhorar a assistência”.
Fonte: Globo.com