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Denúncia: Direitos de camponeses estariam sendo violados em Palmeirante

“(…) Vou contar dos trabalhadores que ficaram (…) / Da terra se
sustentaram / E por tanto terem trabalhado / Eles que nunca foram denunciados
/ Temem ser encarcerados / (…) Se o dono da terra no processo criminal diz
estar no Japão / Pra que tirar desse povo o sustento que vem do chão? (…)”.
Os versos do defensor público Sandro Ferreira Pinto estão na abertura de um
Habeas Corpus assinado por ele e protocolado na Justiça nesta segunda-feira,
19, sobre uma situação de tensão e violência em Palmeirante, no Norte do
Estado. O texto poético ilustra e chama atenção para a situação de 30 famílias
que residem há mais de dez anos em uma área, em meio a um processo deferido de
reintegração de posse, ainda que sem ordem de despejo. O cenário atual, com
tensão e violação de direitos coletivos, fez com que a Defensoria Pública do
Estado do Tocantins (DPE-TO) levasse à Justiça, pedidos de providência a fim
de garantir a dignidade dos que moram no local e, sobretudo, a cidadania e
segurança dessas famílias.
A ocupação é em uma área denominada Gleba Palmeirante, no município de
Palmeirante, a 364 km de Palmas. As famílias sofrem frequentes ameaças e
perseguições, conflitos que já levaram à morte de uma pessoa, o camponês
Gabriel Filho, em 2010. Diante desse cenário de violência e insegurança, a
DPE, por intermédio do Núcleo Aplicado das Minorias e Ação Coletivas (NUAmac)
Araguaína, protocolou na Justiça um Habeas Corpus coletivo e um mandado de
segurança. Aos Ministérios Públicos Estadual (MPE) e Federal (MPF), requereu
providências.

A luta da Defensoria Pública em defesa às famílias da Gleba Palmeirante é
feita juntamente à Comissão Pastoral da Terra (CPT), visto a gravidade das
ameaças e perseguições. O objetivo é impedir a reintegração de posse da área
já habitada, sabendo que há controvérsia da área que se pretende reintegrar de
fato e, ainda, a área descrita no mandado. “Esse caso gera repercussão e
preocupação porque são famílias que já vivem no local há mais de dez anos, têm
produção de alimentos e vivem da terra, que estava abandonada. Se essas
pessoas saírem do local, podem ficar sujeitas a situações degradantes”, disse
o coordenador da CPT Araguaia Tocantins, Edmundo Rodrigues Costa.

Com as solicitações à Justiça, o objetivo é, também, o de cobrar uma urgente
solução para o caso antigo de homicídio na comunidade, dentre outras
providências que tratam da violação de direitos humanos. Estima-se que 20% das
famílias da ocupação não estão na área objeto de mandado de reintegração,
deferida pela Justiça e mesmo assim seriam obrigadas a sair.

Reintegração
Coordenador do NUAmac Araguaína, Sandro Ferreira explica que a liminar para
reintegração de posse foi deferida em 2007, sem cumprimento. No curso do
processo a ordem de reintegração de posse foi revigorada, ainda que sem pedido
expresso da parte autora, pois não houve sequer vistoria, da parte do Incra,
no local.

Em virtude deste comando judicial, a Defensoria Pública formulou pedido de
reconsideração da decisão postulando a suspensão do cumprimento da ordem de
reintegração de posse até a realização de vistoria na área pelo Incra e a
correta delimitação da extensão objetiva e subjetiva da decisão, uma vez que
há ocupantes de áreas circunvizinhas que seriam atingidos pela ordem judicial.

Vulnerabilidade
De acordo com o Defensor Público, a área em questão fica em um local
vulnerável, que sofre muito com a tensão decorrente pela briga por titulação
de terras na região. “Diante da situação insustentável e conflituosa, o NUAmac
Araguaína pede que as autoridades façam cumprir os dispositivos
constitucionais da função social da propriedade, reconhecendo os direitos dos
trabalhadores que resistem na terra”, disse Sandro Ferreira.

Homicídio
As solicitações do NUAmac à Justiça cobram o direito à terra dos camponeses e,
principalmente, uma solução urgente do caso de homicídio de Gabriel Filho,
morto na comunidade ainda em 2010. “Não se trata apenas do despejo de
aproximadamente 30 famílias, ocupantes e sobrevivendo da área há mais de dez
anos, mas também a sensação de injustiça oriunda do homicídio de um
trabalhador, acontecido em 2010, sem que até o momento se tenha punido algum
responsável pela morte”, alega Sandro Ferreira.

O Defensor reforça, ainda, que o processo que trata do homicídio encontra-se
sem movimentação desde julho de 2017. No Habeas Corpus coletivo, o Defensor
Público questiona, ainda, a gravidade de ambas questões em comparação às
atenções judiciais, pois o processo do homicídio foi movimentado apenas quatro
vezes ao longo de um ano, enquanto o processo para despejar os moradores foi
movimentado 109 vezes no mesmo período: “Apenas em um dia – 24 de janeiro –
foram dez movimentações. Como não gerar revolta tamanha discrepância de
tratamento injustificado?”, questiona o Defensor Público no documento.

Arbitrário
O Defensor Público questiona também a arbitrariedade em determinação judicial,
que alega que “em caso de desobediência à ordem judicial, os desobedientes
deverão ser presos em flagrante e encaminhados à Polícia de Filadélfia. “Como
seria possível a autoridade coatora determinar a prisão em flagrante pelo
crime de desobediência se a Lei (9.099) – desde 1995, não permite mais a
prisão flagrante para o delito em questão?”, questiona, acrescentando que a
determinação judicial é ilegal. Segundo ele, a expulsão de inúmeras famílias
vulneráveis ao mesmo tempo e no mesmo Município desencadeia uma crise social
no local dos fatos.

A Gleba Palmeirante
De acordo com o coordenador do NUAmac, a comunidade reside no local há mais de
dez anos com estrutura de moradia consolidada, pequenas plantações e criação
de animais, sendo atendida com água e energia elétrica e contando, inclusive,
com uma Capela no local.

Além disso, caso seja reintegrada, é necessária a garantia de uma estrutura
mínima aos moradores para inventariar e remover os bens que os ocupantes
possuem, como móveis, eletros, gados e plantações, pois não possuem recursos
financeiros para tanto.

A ocupação recebeu o nome “Gabriel Filho”, em homenagem póstuma ao ex-morador.
O assassinato do camponês e a situação dos moradores inspiraram o texto de
abertura do Habeas Corpus.

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Texto de abertura Habeas Corpus
Por Sandro Ferreira Pinto, defensor público

Do assassinato do camponês, sete anos se passaram
E até hoje ninguém se viu preso
Se o réu do processo está ileso
O mesmo posso dizer de quem sobreviveu
Vou contar dos trabalhadores que ficaram
Dez anos se passaram, por todo tempo trabalharam
Semearam, colheram e de novo plantaram
Da terra se sustentaram
E por tanto terem trabalhado
Eles que nunca foram denunciados
Temem ser encarcerados
Quem matou o companheiro falecido? O finado Gabriel Filho
Até hoje nunca foi perturbado
Já o camponês que não morreu
Por ser pobre, será castigado
Feito bicho escorraçado
Com tanta desolação, os conflitos pedem socorro
E deixam a indagação
Como podem tratamentos tão distintos?
E se perguntar não ofende, deixo aqui outra questão
Se o dono da terra no processo criminal diz estar no Japão
Pra que tirar desse povo o sustento que vem do chão?
E para fechar a discussão, pergunta nossa gente desiludida
Por onde andará a tão função social, na Constituição prometida
Não sei…

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