A Lei Maria da Penha completa nesta quarta-feira, 7, 13 anos de história. Tão recente e muito necessária, ela reflete em importantes conquistas para a rede de proteção e defesa da mulher. Desde a criação da Lei, o número de denúncias de violência contra a mulher tem crescido, consideravelmente. Somente no último ano, por exemplo, as denúncias aumentaram cerca de 400% na comparação com o ano de 2018. A informação é do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que alerta que o número da violência não só aumentou como também as denúncias.
O Disque Denúncia atendeu, de janeiro a junho do ano passado, 28.439 denúncias. No mesmo período deste ano este número aumentou para 35.700 (83,8% a mais). Na Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO), por exemplo, o Núcleo Especializado de Assistência e Defesa da Mulher (Nudem) recebe, diariamente, mulheres espancadas, torturadas, estupradas e vítimas de outras formas de violências psicológicas, moral, sexual e física. Só em julho deste ano foram 90 atendimentos no estado, sendo 59 em Palmas. Enquanto no ano passado foram atendidos 77 casos no estado e 47 só na Capital.
De acordo com a defensora pública Franciana Di Fátima, coordenadora do Nudem, tais dados indicam que as vítimas não aceitam mais a violência e estão buscando cada vez mais ajuda. “As mulheres passaram a acreditar que elas podem procurar e que elas estão protegidas. Sobretudo, com as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, como por exemplo, o afastamento do Lar, o estabelecimento de distância mínima, ou até mesmo a decretação de prisão preventiva caso descumpra qualquer das medidas impostas ao agressor. A efetividade da Lei tem dado mais segurança e proteção às mulheres a denunciar, o que antes elas não tinham na edição em 2006”, ressalta Franciana.
A assistente de contabilidade Ellen Costa conta que antes de perceber que estava em um relacionamento abusivo, repleto por agressões psicológicas, se sentia como a Amélia (do músico Ataulfo Alves). “Eu estava iludida por achar que ele cuidava de mim, por ter mais condições financeiras do que eu. Então, lavava, passava, cuidava da limpeza da casa e ele não aceitava que nada estivesse fora do lugar”, lembra, acrescentando que, apesar de trabalhar, ela sempre ganhava menos e o marido se utilizava disso para diminuí-la.
Enquanto cumpria a missão da “mulher de verdade”, Ellen era humilhada pelo ex-companheiro, 10 anos mais velho. “Não sentia vontade de me arrumar porque ele não deixava, eu não podia conversar com ninguém quando saíamos juntos. Ele falava que eu não seria ninguém se eu me separasse, que eu não conseguiria sustentar o meu padrão de vida”, conta. Ela recorda que o ‘basta’ aconteceu quando engravidou e perdeu o bebê, de 8 meses, durante uma depressão e gestação de risco. Ellen ficou 20 dias internada e não teve nenhuma assistência do ex-marido. “Quando eu saí do Hospital, não queria voltar para casa porque estava muito abalada emocionalmente, cheguei à beira da morte e ele mal foi me visitar. Acabei voltando pra casa, as agressões continuaram, minha depressão piorou. Eu me tornei uma criança de novo, fiquei carente e a tática dele era só me ignorar, enquanto me traía com outras mulheres, me humilhava. Até que decidi que nunca mais ia passar por isso”, descreve, ao relembrar o momento em que decidiu pelo divórcio e a denúncia.
Financeiro
De acordo com os dados da Corregedoria da DPE-TO, quase 50% das mulheres atendidas na violência doméstica sobrevivem com até um salário mínimo por mês. Algumas delas sofrem violência patrimonial, tendo seus bens confiscados pelo marido ou companheiro ou sendo responsáveis sozinhas pelo sustento da casa e dos filhos. Nesse cenário, são comuns os atendimentos de casos reincidentes. “Há muitos casos em que a mulher desiste da medida protetiva por dependência financeira. Ela volta para casa somente porque o homem é o responsável pelo sustento do lar. A maioria das mulheres não tem emprego fixo e são subordinadas ao homem”, lembra a coordenadora do Nudem.
Foi o caso da Ellen Costa, pois o seu histórico de agressão não terminou com o divórcio. Isso porque, mesmo após pedir a medida protetiva, voltou com o ex-marido. “Eu pedi para tirar a medida, eu estava divorciada, mas ainda saía com ele, a gente ficava e eu não conseguia me desligar, eu achava que ainda o amava. Mas tudo voltava novamente, até que eu decidi me desligar dele completamente. Sempre fui uma pessoa que tinha muita luz, mas ele me apagava. Eu sempre fui muito autosuficiente, mas com ele eu me anulei. Hoje eu posso dizer que eu nunca mais quero voltar para aquela situação. Ainda não posso dizer que estou completamente curada, mas sigo em busca desta superação todos os dias”, conclui.
Avanço
De acordo com a defensora pública, a Lei Maria da Penha é uma grande conquista para as mulheres, pois elas historicamente sempre foram vítimas da violência, mas a força repressiva do Estado sempre foi muito pequena. “Normalmente, as mulheres iam para os juizados especiais criminais em que o seu agressor fazia acordos de pagar cestas básicas e prestação de serviços, nada acontecia e ele batia de novo. A Lei Maria da Penha trouxe mais firmeza na questão da responsabilização criminal do agressor. Mas um dos maiores avanços da Lei Maria da Penha é seu caráter multidisciplinar, que obriga várias políticas públicas de Estado para o enfrentamento da violência doméstica e familiar, reforçando o caráter educativo, preventivo e de assistência à vítima através das equipes multidisciplinares e o funcionamento adequado da rede de proteção e combate à violência contra a mulher, considera”, considera.
Somente em 2018, o Nudem atendeu um total de 1.831 casos de violência doméstica. Um destes casos é o de uma moça, que não quis ser identificada, que se casou com apenas 15 anos de idade e, durante 19 anos sofreu agressões psicológicas e físicas do ex-marido. Ela se autodefinia, antes da denúncia, como uma mulher cheia de conflitos internos, com o semblante triste, pequena e incapaz. Tudo começou com a violência psicológica. “Eu não trabalhava, ele achava que eu era a filha dele, me diminuía, me fazia eu me sentir culpada, me depreciava. Eu já tinha tentado algumas vezes e não conseguia porque tinha medo de não conseguir me sustentar e sustentar os três filhos. Foi uma agressão que acabou com o meu psicológico”, conta.
Ela revela, ainda, que a situação piorou tanto que chegou à agressão física. “Começamos a nos agredir fisicamente, a situação estava definitivamente insustentável”, complementou. Ela disse que tudo mudou depois que decidiu denunciar a agressão, se separar e começar a trabalhar. “A minha mente mudou. Sou uma mulher com um potencial tão grande, mas nunca consegui me ver assim. Não sou melhor que ninguém, sou melhor do que eu era antes. Descobri que eu não precisava viver daquele jeito e que aquilo não era o normal de um relacionamento”, conta, acrescentando ainda que hoje é uma mulher autêntica, capaz e de cabeça erguida.
O que diz a Lei Maria da Penha?
Violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, conforme definido no artigo 5oda Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340/2006.
Denuncie
A primeira orientação para as mulheres vítimas de violência é denunciar a agressão pelo número 180. A mulher também pode ir a uma delegacia da mulher e registrar um boletim de ocorrência para que o agressor seja responsabilizado, ou procurar qualquer unidade de atendimento da Defensoria Pública no Estado ou ainda o Nudem (3218-1615), na sede da Defensoria Pública em Palmas, inclusive encaminhando e-mail: nudem@defensoria.to.def.br.