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Desafios de ser mulher negra e quilombola na universidade

Por Débora Gomes Lima

O ingresso na universidade é algo a ser comemorado, louvado, por ser uma
etapa da vida de extrema importância, ainda mais para quem vem de comunidade quilombola e que, além disso, possui critérios que vai contra uma sociedade racista, machista, LGBTfóbica. Ao ingressar na universidade meu pensamento inicial foi de que meu desafio maior seria o de concluir o curso levado em conta o curso escolhido, a carga horária os anos que levaria para concluir, mas chegando à universidade percebi que meus obstáculos ali seriam bem maiores, o colegiado do meu curso composto por
homens e na sua maioria brancos, os colegas de classe a maioria homens brancos, tinha algumas meninas, mas a maioria branca também.


O primeiro contato visual que tive me deixou apreensiva, eu sabia que a
desigualdade era gritante na teoria, mas quando se vivencia na pratica o choque é maior. Ao ver o descaso institucional para com os alunos quilombolas comecei a questionar algumas situações que incomodava e excluía nossa existência na universidade, mesmo que muitos dos nossos direitos sejam garantidos por lei, muitos desses direitos não estavam sendo executados como deveriam ser. Ao verificar todas as problemáticas a
cerca da responsabilidade da instituição para com os discentes quilombolas, comecei a mapear todos os alunos que faziam parte da etnia, e como previsto boa parte desses alunos ou se acomodaram com a situação, ou diziam “não tem muito a se fazer, se mexer piora”.


Com as justificativas desses alunos, fiz outro questionamento, quantos alunos quilombolas existiam na instituição, ao obter os dados percebi que eram muitos, e se éramos muitos, deveríamos fazer algo, no ano que entrei que foi 2016 tinha uns 60 alunos quilombolas, mas os mesmos não se declaravam socialmente, e logo percebi porque, a universidade mesmo que sendo um ambiente que “respeita” a “diversidade” é um espaço hostil, que exclui desde o momento do ingresso até processos seletivos de bolsas institucionais e também os sistemas de “inclusão” são excludentes. Mas por que digo que é excludente? Porque quando os discentes quilombolas e indígenas vão efetuar algum cadastro dentro da instituição, a mesma ignora que esses discentes vem de comunidades tradicionais, e que nossa forma de viver é outra, que as questões burocráticas para nós são outras, mas a gestão da universidade não flexibiliza e nem adapta os sistemas para nós. Evidenciando alguns problemas vou retomar ao que é ser mulher quilombola na universidade.


Diante de todos os problemas apontados, e a minha primeira tentativa de
mapear os alunos foi falha, em um segundo momento comecei novamente um mapeamento, com sucesso dessa vez, depois de ter feito um aparato de investigações entre coordenações e informações dentro da instituição mesmo, logo tive conhecimento de uma outra discente que sempre teve anseio para debater e defender as causas e direitos quilombolas dentro da universidade, fizemos uma movimentação, logo conseguimos um numero significante de discentes, a direção ao saber desse movimento logo veio nos questionar sobre as nossas “intenções”, foi incomodo para a gestão saber
que os alunos quilombolas estavam se organizando, e outro incomodo para eles foi saber que as mulheres estavam a frente, e que não tinham nenhuma intenção de recuar.

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Logo começaram as perseguições e tentativas de deslegitimar nossa luta, e
nossa unidade. Fizemos uma parceria com os alunos indígenas da instituição e criamos em conjunto um movimento, que intitulamos de MEIQ (Movimento Estudantil Indígena e Quilombola), juntos passamos a questionar mais e mais a direção e muita das vezes fomos ignorados, mesmo com nosso aparato de informações validas do que estava
errado na instituição, e como previsto não fomos atendidos, resultado, ocupamos a universidade. Mesmo sendo uma ocupação pacifica, logo vieram às ameaças de professores, dos demais discentes da instituição. Em vários momentos de nossas negociações nos colocaram a prova e duvidaram de nossa capacidade, e tentaram nos desmotivar, novamente porque quem estava à frente eram mulheres, até mesmo lideres
de algumas comunidades quilombolas, chegaram a questionar se realmente iriamos conseguir, e conseguimos.


Ser mulher interseccional dentro na universidade é um incomodo para um
sistema conservador , racista, LGBTfóbico, e quando você se posiciona e começa a lutar você se torna um incomodo três vezes maior, eu chamo de “alvo fácil” porque quem se dispõe a estar à frente de algum movimento esta se colocando em evidencia, e para isso exige coragem, porque não é fácil, porque dá medo e muito, mas vamos assim mesmo,se para eles estou como “alvo fácil” que venham porque para me tombar e tombar os meus dentro da universidade será bem difícil. Estar em constante debate na instituição, e ser reconhecida como tal tem sido uma carga pesada, porem gratificante de ver que hoje mais e mais discentes estão se autodeclarando publicamente e sem medo, e estão questionando mais a instituição, e se posicionando, nossa luta tem sido árdua, mas esta sendo revolucionária. Sei que eu e minhas irmãs de luta que nos colocamos a frente e
que estamos cotidianamente debatendo nossos direitos, temos nossas capacidades colocadas à prova, e temos sofrido com o machismo, temos sofrido com a discriminação, algumas irmãs tem quadrupla jornada, entre ser mãe, dona de casa, trabalhar fora e estudar, mas não deixa a luta de lado.


Quando vejo o incomodo que causamos na universidade e o tanto que a gestão ver nosso movimento como um “problema”, percebo que nossa luta esta só começando, e se esta incomodando, está fazendo certo, como diz Angela Davis “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, já que estamos na base da pirâmide social, tudo que fazemos causa efeito lá em cima, e se a base estremece, o pico dessa pirâmide tende a cair, e vamos derrubar. Seguimos derrubando obstáculos, enfrentando desafios, porque ser mulher, nessa sociedade é
incomodo para eles, e ser mulher negra quilombola, e lésbica é um incomodo maior ainda e lutar e se posicionar é revolução para nós e para nosso povo.

Débora é Graduanda de licenciatura em Química na Universidade Federal do Tocantins – UFT Campus Araguaína

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