Zumbi, óleo sobre tela de Manoel Victor
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, antes limitado a seis estados e cerca de 1.200 municípios, é comemorado pela primeira vez em todo o país nesta quarta-feira. O dia 20 de novembro ressalta a resistência negra no Brasil, fazendo referência ao dia em que Zumbi dos Palmares, o líder do Quilombo dos Palmares, faleceu em 1695, após anos de batalha contra a escravatura. Zumbi representa a força e a determinação dos africanos.
A assinatura da Lei Áurea, que oficializou o fim da escravidão no Brasil, aconteceu em 13 de maio de 1888. No entanto, o movimento negro não comemora a data devido ao tratamento dispensado aos que se tornaram ex-escravos no país, abandonados à própria sorte, sem qualquer contrapartida ou reparação do Estado brasileiro, provocando problemas sociais ainda longe de serem solucionados. O novo feriado, estabelecido pela Lei 14.759, de 21 de dezembro de 2023, foi proposto pelo parlamentar Valmir Assunção (PT-BA).
Luta e resistência
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra foi instituído em 1971 por iniciativa do professor, poeta e estudioso gaúcho Oliveira Silveira, líder do Grupo Palmares, uma associação que reunia militantes e pesquisadores da cultura negra brasileira. No entanto, a iniciativa encontrou resistência da ditadura militar. O objetivo de Oliveira Silveira era, entre outros aspectos, estimular um momento de reflexão nacional para valorizar a ancestralidade africana, lutar contra o racismo e destacar o poder de resistência do povo negro. A data só foi oficialmente incorporada ao calendário nacional em 2011, dois anos após o falecimento do poeta, ocorrido em 2009, aos 67 anos, devido a um câncer.
Valmir Assunção recorda que encontrou obstáculos para a criação do novo feriado nacional. “Em 2015, o movimento negro baiano me incumbiu de propor a nacionalização do feriado da Consciência Negra. O meu projeto de lei tramitou por oito anos, enfrentou diversas resistências daqueles que achavam que o povo negro não merecia uma data específica para exaltar nossos heróis e nossas heroínas. Quando aprovamos a proposta em 2023, vi que a luta coletiva foi o fundamento. O 20 de novembro é uma conquista de todo movimento negro”, defende o deputado. Até o ano passado, apenas os estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo comemoravam a data como feriado local.
Dívida histórica
O IBGE classifica como negros aqueles que se autodeclaram como pardos ou pretos. De acordo com o Censo de 2022, 55,5% da população brasileira se identifica como negra. Desse percentual, 45,3% se apresentam como pardos e 10,2%, como pretos. Embora seja maioria, a população negra é sub-representada politicamente, condição que limita os avanços na luta pela igualdade racial. Na Câmara, por exemplo, dos 513 deputados eleitos em 2022, 134 se autodeclararam negros. No Senado, nas últimas três eleições, apenas 24 das 108 vagas disputadas foram ocupadas por pretos e pardos.
Em novembro do ano passado, foi criada a Bancada Negra na Câmara, com cerca de 130 integrantes. A conquista deu aos deputados negros o direito de usar a palavra durante as comunicações de liderança, toda semana, por cinco minutos, e também de participar de reuniões de líderes da Casa, nas quais são definidos os assuntos votados no plenário.
No continente americano, o Brasil foi o país que importou mais escravos africanos. Estima-se que, entre os séculos XVI e XIX, cerca de 4,8 milhões de homens, mulheres e crianças foram trazidos para cá em navios negreiros. Cerca de 650 mil morreram durante o trajeto, devido às condições sub-humanas a que eram submetidos.
Desigualdades
Apesar do fim legal da escravidão, o racismo continua a atingir a população negra de forma contundente, especialmente no mercado de trabalho. Um levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego mostra que, no segundo trimestre de 2024, a taxa de desemprego entre as mulheres negras chegou a 10,1%, mais do dobro da taxa entre homens não negros (4,6%). A situação se agrava quando se analisam os dados de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão: 66% se autodeclaram negros ou pardos.
A desigualdade salarial também é gritante. Mulheres negras recebem, em média, 50,2% da remuneração dos homens brancos, ocupando, em sua maioria, postos de trabalho menos qualificados e com menor remuneração. A sub-representação em cargos de liderança é outro ponto alarmante: menos de 6% dos conselhos e 14% dos cargos executivos são ocupados por negros. Além do mercado de trabalho, a desigualdade racial se reflete em diversos outros indicadores sociais, como educação, saúde e moradia. Pessoas negras têm menor acesso à educação de qualidade, vivem em condições de habitação mais precárias e sofrem com a falta de saneamento básico.
Herói nacional
Habitação de Negros, de Rugendas
Zumbi nasceu por volta de 1655 no Quilombo dos Palmares, região hoje pertencente ao estado de Alagoas. Ele se tornou um ícone da luta contra a escravidão no Brasil. Líder carismático e estrategista, ele conduziu a resistência do maior quilombo das Américas por quase duas décadas, desafiando o poder colonial português.
O Quilombo dos Palmares era uma sociedade complexa e autossuficiente, organizada em pequenos povoados chamados mocambos. Com um sistema de governo próprio e uma economia baseada na agricultura e na produção artesanal, os quilombolas resistiram a inúmeras investidas militares, utilizando táticas de guerrilha e conhecimentos da região.
A resistência de Palmares foi marcada por batalhas épicas, nas quais os quilombolas demonstraram coragem e habilidades militares. Zumbi, em particular, era conhecido por sua astúcia e por sua capacidade de unificar o povo sob uma causa comum. Após anos de luta, o quilombo foi destruído pelos portugueses em 1695, e seu líder foi morto em combate. Apesar da derrota, seu legado permanece vivo. Inspiração para as atuais gerações de ativistas na luta por justiça e igualdade, Zumbi teve seu nome inserido no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas Nacionais, que homenageia personalidades, lideranças e símbolos de resistência brasileira. O livro se localiza no memorial Panteão da Pátria Tancredo Neves, localizado na Praça dos Três Poderes.
(Fonte: UOL)