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Especial Gazeta: Jovem quilombola sonha em ser modelo e vira exemplo de empoderamento na comunidade

Texto: Nielcem Fernandes
Edição: Jornalista Brener Nunes

Em entrevista à Gazeta do Cerrado, a estudante Gabriella Barbosa, de 16 anos, de origem quilombola, natural de Chapada de Natividade, conta que já teve o sonho de ser atleta, inspirada pela ginasta Daiane dos Santos, quer se formar em Direito, ser juíza e atuar na área criminalista. “Por ser negra, meus pais sempre me incentivaram, me ensinaram a nunca abaixar a cabeça. Meu cabelo é black e quando pensei em alisá-lo, meus pais me apoiaram a não fazer isso”, disse.

A estudante sempre viu em nomes como o da atleta Daiane dos Santos, e da atriz Taís Araújo, uma inspiração pra vencer na vida. “Você nem imagina o que é ver um atleta ou um artista de sua cor na TV e querer estar ali” declarou. Por volta dos 12 anos, um membro de sua família foi acusado de um crime hediondo e esse fato foi determinante para Gabriella se dedicar aos estudos. “Meu mundo caiu, eu o conhecia bem e creio que ele foi acusado injustamente. Daí comecei a estudar cada vez mais para me tornar uma juíza de direito criminal, para que esse fato que aconteceu com ele, não aconteça a mais ninguém” explicou.

A partir da leitura, a mente de Gabriella se expandiu. A adolescente passou a se inspirar cada vez mais em atrizes e atores negros presentes na mídia, e o sonho de ser uma pessoa com uma posição social de destaque despertou. “Ao ver essas pessoas, fui tomada por uma enorme vontade de ser modelo, estar na passarela, de ser atriz, de me comunicar de mexer com gente. Essa é a minha paixão” afirma.

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O sonho de ser modelo e atriz começou a ganhar contornos de realidade quando um fotógrafo viu uma foto em seu perfil em uma rede social e a convidou para fazer um ensaio fotográfico na cidade de Natividade. A estudante conta que a partir da publicação de seu ensaio nas redes sociais tudo começou a mudar. “Quando postei as fotos consegui mais de 700 curtidas e 200 comentários. O pessoal todo da cidade ficou comentando”, conta.

O resultado dessa popularidade rendeu a Gabriella o título de Miss Fulgêncio. O concurso foi realizado na última sexta-feira, 1º, no Colégio Estadual Fugêncio Nunes, em Chapada de Natividade.

Ainda no período de inscrições, Gabriella pensou em desistir. “Eu não queria colocar meu nome porque muitas pessoas estavam falando: não vou concorrer com a Gabriella, ela já vai ganhar. Aí eu estava pensando que eu estava atrapalhando as pessoas, e pensei em deixar pra lá. Mas aí uma colega me deu força e disse que eu não poderia desistir dos meus objetivos pelo fato do que as pessoas pensavam de mim” lembrou a estudante.

Gabriella lembrou ainda que sofreu um pouco com os comentários nada construtivos vindo de algumas pessoas e creditou isso a personalidade interiorana do local e rebateu. “Quando a gente tem um objetivo precisamos ser um pouco cegos e surdos”.

No dia do evento a estudante conta que não foi nada fácil. “Na hora que entrei na passarela, eu tropecei. Quando vi aquele tanto de gente me olhando, eu pensei: não posso deixar essas pessoas rirem de mim, tenho que me levantar e mostrar que sou melhor que isso. Levantei minha cabeça, arrumei meus cachos e lembrei de uma poema do Bráulio Bessa, que diz mais ou menos o seguinte: quando a gente abaixar a cabeça e pensar em desistir, devemos levantar e seguir, pois até um tropeção nos leva pra frente. Aproveitei a oportunidade, fui em mesma e no fim deu tudo certo graças a Deus”.

A Miss Fulgêncio contou a Gazeta um pouco sobre a origem de sua família e lembrou as histórias contadas pelo seu Bisavô, que veio da Bahia para o então norte do Estado de Goiás em busca de liberdade. “Meus pais nasceram na fazenda. Na época do meu pai, ainda era um sistema escravocrata, ele trabalhou no engenho em uma fazenda, onde nasceram meus avós. É uma parte histórica do Brasil que eu tenho na minha família. O pai do meu bisavô veio da Bahia fugindo da escravidão”, afirmou.

Questionada sobre a força de representatividade que sua pessoa vem adquirindo, a estudante diz que não é fácil ser uma representante negra de origem quilombola, e que para desempenhar tal papel é preciso ter força e coragem. Problemas como o preconceito e o racismo ainda são vivenciados cotidianamente e isso dificulta a consolidação do processo de afirmação da identidade negra no país, apesar da maioria da brasileiros se declararem pardos ou mestiços. A mais nova representante da comunidade dos remanescentes quilombolas de Chapada de Natividade deixou o seu recado. “Para mim, no Brasil a questão do racismo está bem pior que antes. Hoje as pessoas usam muita maquiagem. Quem não entende muito, associa isso a algo de bom. Eu penso que hoje as pessoas não respeitam os negros. Elas tem medo do que pode acontecer devido as leis contra o racismo. Mas de fato elas toleram, não aceitam, pois quando somos aceitos podemos perceber o calor, a harmonia e amor nas relações. Agora o que acontece é que nós somos tolerados, as pessoas nos toleram pois a gente está ali, chegamos até ali. Eu vejo essa diferença” conclui.

A adolescente finaliza dizendo-se orgulhosa, que seu sentimento é de vitória e que o empoderamento é uma ferramenta de conscientização fundamental para os negros terem seus direitos respeitados. “Nós somos diferente sim, porém iguais em direitos. O empoderamento é a consciência de saber o que a gente é porque quer ser. Que podemos ir além e nada pode nos impedir, independente de aparências” afirmou. E complementa. “Eu sou uma vencedora não porque eu consegui subir sozinha, e sim porque eu contei com o apoio da minha comunidade, dos meus pais, dos meus amigos, esse calor humano é maravilhoso. Já é um orgulho conseguir subir esses pequenos degraus”, conta.

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