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Estiagem e queimadas colocam Ilha do Bananal em risco de extinção

Por Antônio Neves

O longo período de estiagem e a baixa vazão dos rios, com mais de 3 meses sem chover na região, a Ilha do Bananal sofre nesta época do ano (agosto a novembro) em que a travessia pode ser feita sem usos de embarcações. A ilha fica localizada no Oeste do Estado Tocantins, fazendo divisa com o Mato Grosso, onde está instalado o Parque Nacional do Araguaia. Nela vivem cerca de 5 mil índios das etnias Karajás e Javaé e no seu entorno os Avá-Canoeiro.

Com área de cerca de 19 mil km², a Ilha do Bananal é considerada a maior ilha fluvial do mundo. Está situada entre dois grandes rios – o Javaé e o Araguaia –, nas divisas do Estado do Tocantins com Goiás e Mato Grosso e integra os municípios tocantinenses de Pium, Caseara, Formoso do Araguaia, Lagoa da Confusão e Marianópolis. Compõe a planície do Araguaia, uma das maiores áreas continentais alagadas do planeta, no Cerrado em sua transição para a Amazônia.

Esta dádiva da natureza, há anos sofre em silêncio, com a seca dos mananciais em seu interior. Cenas de animais se debatendo na lama se tornaram comuns. São pedidos de socorro e a eminência do desequilíbrio do ecossistema, uma vez que a Ilha do Bananal é uma das 35 áreas do mundo que preserva espécies ameaçadas de extinção. A situação é crítica e a ilha corre o risco de desaparecer, uma vez que 40% da área de cerrado local, já estão degradadas.

Fotos: Suzi Eiro

Em setembro de 2020, um incêndio de grandes proporções devastou – por vários dias – uma área conhecida como Mata do Mamão, no interior da ilha. As ameaças ao território indígena e à área de preservação ambiental do Parque Nacional do Araguaia são inúmeras, dentre elas, estão as secas dos rios Formoso e Javaé, causadas, sobretudo, pelo agronegócio irrigado de arroz, na região vizinha à ilha e a presença de criadores de bovinos dentro do local. Estas culturas ameaçam a integridade física e cultural dos povos, com arrendamentos de pasto e instalações de retiros com a presença de vaqueiros não indígenas.

Em 2020 a Terra Indígena (TI) Parque do Araguaia teve 8.792 focos de incêndio, de acordo com dados de queimadas ativas da National Aeronautics and Space Administration (NASA), acessados por meio da plataforma Global Forest Watch. Os dados apontam que esta foi a segunda TI mais afetada no país no ano, seguida pelas outras TIs da ilha, que também foram afetadas pelos incêndios, em especial nos meses habitualmente mais secos do ano

Segundo dados da Agência de Defesa Agropecuária do Tocantins (ADAPEC), a Ilha do Bananal tem cerca de 100 mil cabeças de gado, com 344 retiros. As queimadas dentro da ilha se intensificam todos os anos no período seco com estiagem, entre os meses de agosto e novembro, período também em que os arrendatários na região fazem a renovação dos pastos com a utilização do fogo. “Além do manejo do fogo na estação seca não ser recomendado pelo risco de incêndios, a prática de arrendamento dentro do território indígena é ilegal, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual declara que: ‘As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes’”, aponta a membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Regional Gioás/ Tocantins, Eliane Franco Martins.

O conflito e a invasão dentro da Ilha do Bananal com os criadores de gado têm ocorrido desde 1960, com as instalações de fazendas nas margens dos rios Javaé e Formoso. Nas décadas seguintes, em especial nos anos 1980 e 1990, o número de moradores não indígenas cresceu muito dentro da ilha. Assim, no final dos anos 1990 um grupo de lideranças do povo Javaé solicitou ao Ministério Público Federal (MPF) a retirada do gado e das famílias que estavam dentro do território indígena. Mesmo com a retirada dos invasores, dentro do território indígena a prática de arrendamento de pasto continua.

Através de um termo de ajustamento de conduta do MPF-TO, desde 2009, foi mediado junto com a Fundação Nacional do Índio (Funai) um acordo que permitiu o retorno do gado das grandes fazendas à área, sob o controle dos Javaés. As lideranças Javaés constituíram uma organização – Conselho das Organizações Indígenas Javaé da Ilha do Bananal (Conjaba) e a Associação Barreira Branca – para negociar com os fazendeiros o arrendamento de pasto. A associação Conjaba é quem lidera as negociações para a entrada do gado.

Apesar dos termos mencionados, os conflitos dentro do território se agravam, principalmente com a presença de não índios e a depredação do meio ambiente, assim como a divisão dos recursos para as aldeias. Além disso, o risco de descontrole é sempre iminente e as consequências são graves para o meio ambiente e para os povos que habitam dentro e no entorno da ilha. Dessa forma, todos os anos as queimadas chegam à Mata do Mamão, tomando grandes proporções.

Foto: Dimitri Jumbe

MPF

Em entrevista para à Coluna Agro, o Procurador da República no Tocantins, Álvaro Manzano, afirmou que “no dia a dia, o MPF acompanha a execução de políticas públicas junto às comunidades indígenas, principalmente de Saúde e Educação. Além disso, acompanhamos também a execução de projetos de geração de renda e desenvolvemos um trabalho voltado à preservação ambiental, com o acompanhamento das Brigadas Indígenas na execução do Manejo Integrado do Fogo”, disse o procurador.

Ainda segundo o procurador, o MPF/TO faz cobrança e acompanhamento das Brigadas do PrevFogo, na execução do Manejo Integrado do Fogo. Além disso, o órgão federal tem se preocupado com a conscientização das comunidades indígenas e criadores de gado para evitarem o uso do fogo.

“Desde 2008, o MPF, junto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), faz um trabalho de fiscalização de todas as propriedades rurais do município que trabalham com lavoura irrigada, embargando aqueles irregulares e celebrando Termo de Ajustamento de Conduta para viabilizar a sua regularização. Também acompanha o cumprimento das condicionantes das outorgas de água concedidas pela Agência Nacional de Águas”, destacou o procurador.

Preservação cultural

Apesar de tantas ameaças, os povos indígenas da Ilha do Bananal praticam seus rituais, com cantos, o cultivo de sua língua materna e a preservação da cultura do povo Javaé/Karajá e Avá-Canoeiro, na vida cotidiana das aldeias. Entre os principais eventos está a Festa do Hetohoky e a fabricação das bonecas Karajá “Ritxòkò”, as quais são patrimônio cultural do Brasil.

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