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Estudo aborda história, território e aspectos socioambientais de comunidades quilombolas do TO

Foto – Acervo Pessoal

A doutora Veríssima Dilma Nunes Clímaco, recentemente titulada pelo Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) da Universidade do Vale do Taquari – Univates, apresentou a tese “Comunidade remanescente de quilombos Carrapiché, microrregião Bico do Papagaio/Tocantins: história, território e aspectos socioambientais” para obtenção de seu título.

A pesquisadora foi orientada pelo professor doutor Luís Fernando da Silva Laroque. Sua tese é a primeira desenvolvida na Univates a abordar o tema dos quilombos. Veríssima também abordou o tema no mestrado, em pesquisa vinculada ao PPGAD que teve como título “O território e a territorialidade na comunidade quilombola Peru no município de Alcântara/Maranhão”.

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Entendendo o histórico da comunidade

“As comunidades negras rurais, como a comunidade do Carrapiché, são desdobramentos dos quilombos, pois os quilombolas precisaram se relacionar com outras identidades como estratégia de sobrevivência. O território dos Carrapichés é uma comunidade habitada por afrodescendentes que, devido ao seu lugar de moradia à margem do rio Tocantins, se tornaram pescadores artesanais”, explica a pesquisadora.

Há sobreposições territoriais na comunidade remanescente de quilombos Carrapiché, considerando que na década de 1980 ela era constituída por 50 alqueires de terra doados pelo proprietário da Fazenda Tobasa para Antonio Mendes da Silva (Antonio Carrapiché), área conhecida nesse período como Pedra de Amolar ou Centro dos Carrapichés.

No ano de 1992, suas terras foram alcançadas pela Reforma Agrária e foram reduzidas a um lote de 10 alqueires documentado no nome de um morador da comunidade. Em 2015, essa área foi autodefinida como Comunidade Remanescente de Quilombos. Além desses desdobramentos territoriais e sociais, ela está situada em uma área de preservação ambiental no Bioma Amazônico.

“Os quilombolas desconhecem a história dos seus antepassados em decorrência de todo um processo colonialista no Brasil que separou famílias, destruiu documentos e propagou um discurso de inferioridade do ser escravizado, ser negro, ser quilombola. Nesse sentido, os quilombolas investigados acreditam que, ao receberem o título definitivo do seu território, poderão ter acesso às políticas públicas específicas para os quilombolas. Os Carrapichés veem as políticas públicas como privilégio, não entendem que elas são um direito que lhes foi negado”, destaca a pesquisadora.

Conhecendo o estudo

Veríssima Dilma Nunes Clímaco – Foto – Acervo Pessoal

A tese aborda o processo de constituição identitária e territorial da comunidade remanescente de quilombos Carrapiché, localizada na microrregião Bico do Papagaio, região norte do estado do Tocantins (TO), tendo em vista que essas comunidades ao longo do século XX foram identificadas como comunidades negras rurais. Somente a partir da Constituição de 1988 os moradores iniciaram um processo de ressignificação identitária firmado na sua origem e cultura, pois essas comunidades negras rurais são uma extensão dos quilombos do século XIX.

A tese proposta é que essa comunidade tem sua territorialidade constituída por meio de sua historicidade (negros, quilombolas, nordestinos, extrativistas, pescadores), que foi ressignificada, e de práticas socioambientais (o manuseio da terra, ocupação do território, o uso de ervas na alimentação e cura de enfermidades, o respeito aos ciclos de renovação da terra, a proximidade e identificação com o ambiente biofísico), atendendo às características do bioma Amazônia, dos ecossistemas e também das manifestações simbólicas (festividades religiosas como a festa do Divino Espírito Santo e a dança da Sussa).

Veríssima realizou incursões etnográficas na comunidade quilombola, tendo como amostragem 13 interlocutores. As técnicas dos registros de dados consistiram em rodas de conversas, registros em diários de campo e entrevistas semiestruturadas utilizando como base a história oral.

Os resultados obtidos revelaram que os Carrapichés estão vivendo um processo de autodefinição quilombola nos seus territórios físico, ambiental e simbólico, observado nas articulações sociais que se estabelecem na comunidade e no seu entorno. Constatou-se que o modo de ser e viver dos Carrapichés junto ao rio, à terra, a manutenção das relações de parentesco e a produção de alimentos caracterizam uma identidade de resistência que se externa também na luta pelos direitos assegurados constitucionalmente, priorizando as características ambientais, como as marcas físicas do bioma, dos ecossistemas e simbólicas dos elementos culturais legados por seus antepassados.

Importância do estudo

“A importância primária é a possibilidade de confirmar, por meio da pesquisa, a existência de comunidades quilombolas nessa microrregião, pois a identidade quilombola desde o pós-abolição foi ignorada e/ou associada a outras identidades rurais, como ribeirinhos, pescadores e camponeses”, esclarece a pesquisadora. “Outra importância foi a possibilidade de promover no seio da comunidade Carrapiché, por meio das rodas de conversa realizadas durante a pesquisa de campo, uma reflexão sobre o que é ser quilombola nesse processo de ressignificação identitária, no qual há resistência por parte de alguns em se autodefinir quilombola”.

Ressalta-se que a história ocultada dos afrodescendentes, sobre o protagonismo na luta pela liberdade, a capacidade de reinventar e ressignificar sua cultura em um território desconhecido, a força de trabalho, que foi o alicerce do desenvolvimento econômico e cultural do Brasil, corroborou para que muitos deles desconheçam sua história, já que a historiografia pouco ou quase nada discutia sobre os quilombolas antes da Constituição Federal do Brasil de 1988, e o que se escreveu nos livros foi limitado ao sofrimento no cativeiro. “Também é importante porque pode suscitar, no meio acadêmico e social, discussões sobre a existência e resistência dos quilombolas nessa microrregião e como já referido em todo o território brasileiro”, diz Veríssima.

Do ponto de vista acadêmico, a investigadora pretende publicar artigos sobre o jeito de ser e viver dos Carrapichés, com o intuito de reforçar a visibilidade social dessa comunidade que está em processo de ressignificação identitária e territorial, pois há pouco material literário que documente sua existência na microrregião Bico do Papagaio/TO.

O tema também se insere nas investigações do projeto de pesquisa do PPGAD “Identidades étnicas e desdobramentos socioambientais em espaços de bacias hidrográficas”, coordenado pelo professor Laroque, que investiga a questão de populações tradicionais que precisam ser mais contempladas e discutidas na academia, tanto na região Norte quanto nas demais regiões brasileiras.

Os achados representam o protagonismo negro na região, potencializando a identidade cultural dos Carrapichés no modo de ser e de viver em seu território, como também os entraves que enfrentam cotidianamente na luta pela titulação do seu lugar de moradia em território quilombola, pois apesar de serem autoidentificados como comunidade remanescente de quilombos no ano de 2015 pela Fundação Cultural Palmares, permanecem na condição de assentados, moradores do Lote 1 no Projeto de Assentamento Bico de Papagaio na microrregião Bico do Papagaio no município de Esperantina/TO.

Ter concluído o doutorado é simbólico para Veríssima. “Representa a sensação de um dever parcialmente cumprido e a vontade de participar da luta dos quilombolas na defesa dos seus territórios e ressignificação de sua identidade quilombola, e tornar a história e identidade das comunidades remanescentes de quilombos conhecida na academia”, indica. “A delimitação espacial de minha investigação foi a região do Bico do Papagaio, no estado do Tocantins. Entretanto, acredito que contribua para reflexão das pesquisas que estudam a ancestralidade negra e a questão quilombola no Vale do Taquari e em outros territórios do Rio Grande do Sul”, projeta.

Por Lucas George Wendt /Assessoria

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