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Jornada longa: No Brasil 11% trabalham mais de 48 horas semanais, média mundial é 17,7%

Discussão sobre carga de trabalho semanal voltou à tona nas últimas semanas em razão da PEC que quer reduzir a jornada máxima de trabalho de 44 horas para 36 horas semanais.

 


Trabalhadores do setor automobilístico — Foto: Adobe Stock

 

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 11% dos trabalhadores no Brasil estão submetidos a jornadas longas, que se caracterizam por exceder as 48 horas semanais.

O número é inferior à média de 17,7% dos trabalhadores registrada em 163 países pesquisados. Com isso, a OIT indica que os trabalhadores com longas jornadas, no Brasil, estão abaixo da média mundial.

Os dados, que não englobam alguns países importantes, como a China e a Alemanha, constam em ranking divulgado na página da OIT. A organização não explicita o ano em que a pesquisa foi feita em cada país.

 

Trabalhadores submetidos a longas jornadas de trabalho (% do total)

 

Fonte: Organização Internacional do Trabalho

 

O mesmo levantamento mostra que a carga horária média no Brasil, de 39 horas semanais, é superior aos EUA e Reino Unido, mas fica abaixo da Índia e do México.

A carga de trabalho semanal voltou à tona nas últimas semanas em razão da proposta de Emenda à Constituição (PEC) que quer reduzir a jornada máxima de trabalho de 44 horas para 36 horas semanais.

 

Conceito de jornada longa de trabalho

 

De acordo com relatório da OIT divulgado no começo do ano passado, a definição de que uma jornada longa de trabalho supera 48 horas semanais está consistente com as normas trabalhistas internacionais relevantes, como a Convenção Nº. 1 e as Horas de Trabalho Convenção (Comércio e Escritórios).

“Longas horas de trabalho têm um efeito negativo no equilíbrio entre vida profissional e pessoal dos trabalhadores, enquanto horas de trabalho mais curtas podem ajudar a facilitar esse equilíbrio”, diz o relatório intitulado “Tempo de trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional ao redor do mundo”.
De acordo com o documento, a organização do horário de trabalho, com horários previsíveis ou flexíveis, pode ajudar a melhorar a qualidade do trabalho, com subsequente equilíbrio de vida. Avalia, ainda, que horários imprevisíveis têm o efeito oposto.

“Em resumo, tanto o número de horas de trabalho e a organização do horário de trabalho têm impacto no equilíbrio entre vida pessoal e profissional dos trabalhadores”, acrescentou.

Segundo a OIT, estudos revelam que longas horas de trabalho são um importante prognóstico de conflito entre a vida profissional e pessoal, que resultam em menor envolvimento na vida comunitária e cívica, com impacto também nas taxas de fertilidade.

 

Fim da jornada 6×1

 

A proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a jornada máxima de trabalho de 44 para 36 horas semanais recebeu nesta quarta o número necessário de assinaturas para ser protocolada na Câmara dos Deputados.

 

– Para se tornar uma matéria em tramitação na Câmara, a proposta precisava de, no mínimo, 171 assinaturas dos 513 deputados.

– O protocolo da proposta é apenas o início da discussão, que precisará passar por comissões especiais na Câmara e no Senado até a aprovação (leia mais abaixo).

 

O tema ganhou destaque nas redes sociais nos últimos dias e tem dois objetivos principais:

– acabar com a possibilidade de escalas de 6 dias de trabalho e 1 de descanso, chamada de 6×1;

– alterar a escala de trabalho para um modelo em que o trabalhador teria três dias de folga, incluindo o fim de semana.

 

Em nota (veja íntegra aqui), o Ministério do Trabalho afirmou que tem “acompanhado de perto o debate” e que a redução da jornada é “plenamente possível e saudável”, mas a questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados.

 

Atualmente, a Constituição estabelece que a jornada de trabalho normal:

– não pode ser superior a 8 horas diárias;

– não pode superar 44 horas semanais;

– poderá ser estendida por até 2 horas.

 

Caminho da PEC

 

O caminho para aprovar uma PEC na Câmara é longo. Depois de conquistar os apoios necessários e apresentar a proposta, a discussão na CCJ da Casa é a primeira etapa do caminho até a aprovação.

A Comissão de Constituição e Justiça analisa a admissibilidade da proposta — sem avaliar e fazer mudanças no mérito (texto) da proposição. Se aprovada, é enviada para uma comissão especial.

Cabe à comissão especial analisar o mérito e propor alterações à proposta. Regimentalmente, o colegiado tem até 40 sessões do plenário para concluir a votação do texto.

Se isso não ocorrer, o presidente da Câmara poderá avocar a PEC diretamente para o plenário — isto é, colocar em votação direta pelo conjunto dos deputados.

– Depois da passagem pela comissão especial, a PEC fica apta a ser votada pelo plenário. Lá, a proposta precisa reunir ao menos 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação.

– Concluída a análise na Câmara, o texto seguirá para o Senado. Por lá, a proposta também precisará ser votada e aprovada por, no mínimo, 49 senadores.

– Com a aprovação nas duas Casas, a PEC poderá ser promulgada — ato que torna o texto parte da Constituição — pelo próprio Congresso.

 

Opinião dos sindicatos e empresas

 

Enquanto os sindicatos, que defendem o fim da chamada jornada 6 por 1, avaliam a mudança da regra poderá estimular o surgimento de milhões de vagas de trabalho, representantes dos empresários, contrários à alteração, estimam que ela poderá gerar uma “onda de demissões” na economia.

Antecipando o debate no Congresso Nacional, foi colhida a posição de centrais sindicais, representantes de trabalhadores.

Nota assinada pelos presidentes da CUT, Força Sindical, UGT, CSB, NCST e pela secretária-geral da Intersindical Central da Classe Trabalhadora diz que, com o avanço da automação e mudanças tecnológicas no processo de produção, o mundo do trabalho já não é o mesmo de 1988 — quando foi fixada a jornada máxima de 44 horas semanais.

“Já está mais do que na hora de reajustar essa jornada, sem reduzir os salários e os empregos (…) A ‘viralização’, como se diz no jargão das redes sociais, do tema ‘fim da escala 6×1’, mostra que se trata de um forte anseio da classe trabalhadora. Os brasileiros querem mais qualidade de vida, bem-estar e menos doenças ocupacionais”, diz o documento das centrais sindicais.
Na nota, as centrais avaliam também que os trabalhadores “querem trabalhar com base em relações mais humanizadas”. “Isso é possível e é mais do que justo”, informam.

“E experiências, como a semana de 4 dias, já implementadas em outros países e em algumas empresas brasileiras, mostram que a jornada reduzida aumenta a produtividade do trabalho e estimula a criação de novos postos. No Brasil poderá estimular o surgimento de até seis milhões de vagas de trabalho”, acrescentam os sindicatos, em seu posicionamento.

Já a Associação Brasileira das Organizações da Sociedade Civil (Abong) afirmou, por meio de nota pública, a “necessidade de condições dignas de trabalho e alternativas mais sustentáveis para a população”.

Avalia que o desgaste gerado pela escala 6×1 “não é apenas uma questão de justiça social”, pois também “impacta diretamente a qualidade dos serviços oferecidos por ONGs e OSCs em áreas essenciais como assistência social, educação, saúde e defesa de direitos humanos”.

“A jornada 6×1, que impõe seis dias consecutivos de trabalho com apenas um dia de descanso, prejudica particularmente os grupos historicamente marginalizados, como pessoas pobres, mulheres, pessoas negras e LGBTQIAP+. Estes profissionais, que muitas vezes enfrentam múltiplas opressões e sobrecargas, veem sua saúde física e mental ainda mais impactada por essa rotina exaustiva”, diz a entidade, em nota pública.

 

Indústria de alimentos puxa a queda da produção industrial — Foto: Jonathan Campos/AEN-PR

 

Contrária à mudança, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que representa setores com peso expressivo no Produto Interno Bruto (PIB) do país, afirmou entender e valorizar as iniciativas que visam promover o bem-estar dos trabalhadores e ajustar o mercado às novas demandas sociais.

Entretanto, avaliou que a “imposição de uma redução da jornada de trabalho sem a correspondente redução de salários implicará diretamente no aumento dos custos operacionais das empresas”. “Esse aumento inevitável na folha de pagamento pressionará ainda mais o setor produtivo, já onerado com diversas obrigações trabalhistas e fiscais”, diz.

“O impacto econômico direto dessa mudança poderá resultar, para muitas empresas, na necessidade de reduzir o quadro de funcionários para adequar-se ao novo cenário de custos, diminuir os salários de novas contratações, fechar estabelecimento em dias específicos, o que diminui o desempenho do setor e aumenta o risco de repassar o desequilíbrio para o consumidor”, avaliou a CNC, por meio de nota.

“Com isso, antecipamos que, ao invés de gerar novos postos de trabalho, a medida pode provocar uma onda de demissões, especialmente em setores de mão de obra intensiva, prejudicando justamente aqueles que a medida propõe beneficiar”, prosseguiu a entidade.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, opinou que a redução da jornada de trabalho para menos de 44 horas semanais, é uma tema a ser tratado por empresas e trabalhadores em processos de negociação coletiva.

Para a entidade, uma eventual imposição por lei de limite inferior a 44 horas para o trabalho semanal “não só enfraquece o processo de diálogo entre empregadores e empregados, como desconsidera as variadas realidades em que operam os setores da economia, os segmentos dentro da indústria, o tamanho das empresas e as disparidades regionais existentes no país”.

“Uma eventual redução obrigatória, estabelecida por lei, deve produzir efeitos negativos no mercado de trabalho e na capacidade das empresas de competir, sobretudo aquelas de micro e pequeno porte. Assim, para a CNI, a negociação coletiva é o melhor caminho para que empresas e trabalhadores encontrem as soluções em acordo com as respectivas realidades econômicas e produtivas”, diz a CNI, em nota.

 

(Fonte: g1)

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