Prioridade máxima do governo Jair Bolsonaro, a proposta de reforma da Previdência chegou ao Congresso nessa quarta-feira (20) – pelas mãos do próprio presidente – já crivada de críticas oposicionistas, como era de se esperar, e em meio a um clima de desconfiança entre os próprios partidos que tendem a compor a base aliada. Diante de questões polêmicas como o pagamento inferior ao salário mínimo para pensionistas e as mudanças na aposentadoria rural, que já têm a resistência de governadores, o texto deve sofrer diversas alterações até que ganhe versão com condições de ser aprovada. A avaliação é unânime entre lideranças ouvidas pelo Congresso em Foco.
Além da própria natureza polêmica do texto, contribui para embaraçar os planos do governo a própria disputa de poder entre os partidos que sinalizam apoio à gestão Bolsonaro. Como se viu na última terça-feira (19), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mobilizou lideranças partidárias e abriu espaço para a primeira derrota de Bolsonaro em plenário. Uma demonstração de força a indicar que, para além da própria reforma da Previdência, as maiores bancadas da Casa cobrarão mais espaço no governo a cada nova pauta de interesse do Planalto levada ao plenário.
Partidos e grandes blocos da Câmara já preparam reação ao texto de Bolsonaro. Líder do maior bloco da Casa (PSL, PP, PSD, MDB, PR, PRB, PSDB, DEM, PTB, PSC e PMN), com 302 deputados, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) disse à reportagem que “todo mundo é consciente de que a reforma precisa ser aprovada”, mas, segundo ele, não há clima para votação, dado o patamar de diálogo incipiente do Palácio do Planalto com o Congresso.
“Não tem clima, nem ruim nem bom. O governo precisa começar a dialogar, ter uma articulação política mais forte, intensa aqui no Congresso. ‘Perder’ mais tempo para que as costuras possam evoluir”, ponderou o deputado baiano. Ele não se arrisca a dizer se o governo, ao escolher questões impopulares já na formulação da proposta, o faz para depois conseguir negociar uma versão mais branda da reforma.
“Não sei. Por isso que estou dizendo que o governo precisa dialogar. Tem alguns pontos que são difíceis. Por exemplo o BPC [Benefício de Prestação Continuada] e a aposentadoria rural. O governo não tem uma base consistente e o diálogo sobre o texto da reforma ainda não foi feito”, arrematou Elmar Nascimento, que cumpre seu segundo mandato consecutivo na Câmara.
“Clima já foi melhor”
Deputados mais experientes têm a mesma impressão sobre a falta de diálogo do governo. “Neste momento o clima ainda não é bom. Já foi melhor”, admitiu à reportagem um dos líderes do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), na Câmara desde 1991. Favorável à aprovação da reforma, ele prevê muitos ajustes no texto, que “tem coisas demais”.
“É uma reforma de que o país precisa. Não há como continuar em busca do equilíbrio fiscal sem a reforma da Previdência. Claro que vai haver ajustes aqui no Congresso, até porque tem coisas demais, e isso sequer estava previsto nos comentários ou na divulgação de notícias a respeito”, acrescentou o parlamentar.
Líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP) manifestou mais otimismo em entrevista ao site. Ele diz ser possível aprovar a reforma antes mesmo de 15 de julho, quando o Congresso entra em recesso, e considera haver um “clima positivo” nesse sentido. “Claro que será necessário haver muito trabalho, muito convencimento, mas o clima é positivo. Há duas preocupações, com o BPC e com o [trabalhador] rural, mas acho que o clima geral é favorável devido à necessidade de se votar pelo país”, defendeu o emedebista, relativizando a disputa de poder entre partidos da base.
“Não acredito que vai haver esse posicionamento”, acrescentou Baleia Rossi, passando a destacar o papel de seu partido – que fracassou em aprovar a reforma da Previdência do correligionário Michel Temer – agora na discussão da proposta de Bolsonaro. A ideia é discutir “item por item”, diz.
“Majoritariamente, a bancada já tem um convencimento da necessidade de se votar uma reforma. Claro que, agora, vamos discutir a reforma do Bolsonaro, mas como se trata de uma pauta que a bancada defendeu no ano passado, vamos ter um ou outro ponto de divergência, uma ou outra mudança, mas a tendência é positiva”, vislumbra o líder do MDB.
BPC
Líder de uma das maiores bancadas da Câmara – o PSD, que tem 35 membros –, André de Paula (PE) é outro exemplo de que o governo não procurou se antecipar e explicar a proposta de reforma aos parlamentares da base. No mesmo bloco partidário de DEM, PP e PRB, aquele dos 302 deputados, o pernambucano também manifesta apoio à reforma e, ao mesmo tempo, preocupação com a polêmica que ela já desperta.
“Essa é uma matéria complexa, com muitas nuances. Temos que ver todas elas”, disse o deputado à reportagem, esquivando-se de se aprofundar sobre pontos específicos do texto sob o argumento de que, a partir desta legislatura, fala em nome da bancada. Ele adiantou que a questão “fulcral” do BPC, por exemplo, é uma das que encontram resistências no partido.
Pela proposta, o benefício de prestação continuada, salário mínimo assegurado a idosos que não têm condições de se manter, será pago integralmente apenas para quem tiver 70 anos ou mais. Hoje é pago mensalmente à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprove não ter meios de se sustentar nem tem auxílio da família. O governo propõe o pagamento de R$ 400 a quem tiver 60 anos. Se a pessoa não tiver direito a se aposentar aos 65 anos, continuará a receber esse valor até alcançar os 70 anos.
“Vamos analisar em grupo, na bancada, mas eu tenho repetido que meu partido tem uma vontade grande de ajudar o Brasil, porque entende a importância e a urgência dessa matéria. Tem consciência de que essa é a matéria mais importante dessa legislatura”, afirma André de Paula, acrescentando que o sentimento na Câmara é favorável à proposta de Bolsonaro, “muito distinto” em relação à natimorta reforma de Temer.
“Sinal ruim”
Líderes de partidos do Centrão – grupo que aglutina deputados do chamado “baixo clero” e decidiu diversas votações nas últimas legislaturas – já deram sinais da insatisfação com a reforma, nesse contexto de falta de espaço no governo. Líder do maior partido do bloco, o PP (37 deputados), Arthur Lira (AL) participa de evento da ONU em Nova York e, por isso, não prestigiou a visita de Bolsonaro à Câmara para a entrega da PEC. No Twitter (imagem abaixo), o presidente do PRB (30 membros), Marcos Pereira (SP), criticou a ausência dos militares no texto da reforma.
“O único partido que declarou apoio ao presidente é o partido dele, é o PSL. Tem que montar a base. Se ele não montar a base, ninguém vai votar com o governo porque o Bolsonaro tem olhos azuis”, disse Waldir ao Congresso em Foco, citando outro recado de “independência” dos líderes da base – na manhã da última terça-feira (19), foi aprovado requerimento para que o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, vá ao Congresso explicar a nomeação de um militar brasileiro para o Comando Militar Sul nos Estados Unidos.
Reclamações
Partidos como o Solidariedade (13 membros), que compõe bloco com outros oito partidos (81 deputados ao todo), já anunciam uma série de sugestões para modificar pontos da proposta de emenda à Constituição – que, como exige a legislação, carece de dois turnos de votação com ao menos 308 votos entre 513 possíveis. Para o partido, as diretrizes do texto de Bolsonaro “são muito duras” e fixam “uma série de pontos que prejudicam os trabalhadores”.
O partido vai querer alterar as exigências de aposentadoria para o homem do campo, cujo “trabalho duro o envelhece mais cedo”. “Dificilmente conseguirá receber o benefício com essa proposta do governo”, diz o partido, que diz também não aceitar a idade igual de aposentadoria para professoras e professores.
“O tempo de transição de 12 anos faz com que os trabalhadores que foram contratados em um sistema, seja incluído em um outro regime que irá prejudicá-lo, obrigando-o a trabalhar por mais tempo para adquirir o benefício”, diz o partido, contrário também à idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, que “força as pessoas a trabalhar entre 46 e 49 anos para se aposentar”, em uma realidade em que a expectativa de vida não ultrapassa 60 anos em diversas regiões do país.
Destacado pelo PSB para compor a comissão da reforma, o deputado Danilo Cabral (PE) também já prepara sugestões de alteração na matéria. Com críticas ao texto de Bolsonaro, ele diz ver questões preocupantes na PEC, entre elas a ausência de estudos atuariais e de medidas contra os grandes devedores da Previdência Social.
“Seria primordial que já tivessem apresentado estudos que possam embasar a proposta apresentada. Não há como atestar o impacto de cada medida nas contas públicas”, reclamou o deputado, membro de um partido com 32 representantes na Câmara. Danilo também reclamou das mudanças no BPC e nas aposentadorias de trabalhadores do campo e de inválidos. “É inaceitável que o governo cogite pagar um benefício inferior a um salário mínimo, como está sugerido na proposta, em que o benefício é de R$ 400 reais a partir de 60 anos.”
Quase tudo
O Congresso em Foco antecipou nessa terça-feira (19) as principais mudanças propostas pelo governo. A PEC da reforma da Previdência altera os regimes de aposentadoria de quase todas as categorias de trabalhadores – os únicos não inclusos no texto são membros das Forças Armadas, policiais militares e bombeiros, que serão contemplados, segundo o Executivo, em um projeto de lei paralelo.
O regime geral da previdência prevê idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres ao final do período de transição, que será de 12 anos. Outros grupos, porém, terão regras específicas.
À exceção dos militares neste primeiro momento, a reforma atinge todos os brasileiros: servidores públicos; funcionários dos três Poderes (níveis municipal, estadual e federal); assalariados privados; contribuintes individuais ou autônomos; empregadores; pessoas com deficiência; idosos e quaisquer outros cidadãos com direito à proteção previdenciária.
Uma das projeções do Ministério da Economia é que a “Nova Previdência” gere uma economia de R$ 280 bilhões nos próximos quatro anos e de mais de R$ 1 trilhão em dez anos.
Fonte: Congresso em Foco