“Hoje é o dia mais feliz da minha vida”, contou Nilson Papinho, 72 anos, em um vídeo que viralizou e fez dele o grande youtuber do momento. Nilson finalmente havia conseguido fazer a sua slime — uma massa que estica e puxa adorada pela criançada. Papinho mora no interior de São Paulo com esposa e filho, leva uma vida simples. Há 11 meses, ele grava vídeos para o seu canal, onde costuma mostrar o seu café da manhã, as árvores do seu quintal, as plantas do seu jardim, os passarinhos que o visitam. São altas doses de fofura por vídeo. Não tinha como o vovô youtuber não cair nas graças do país.
Mas o Brasil de hoje não perdoa ninguém. A imagem de seu Nilson foi amassada pelo rolo compressor das milícias virtuais organizadas que servem a propósitos políticos.
Até o dia 1º de fevereiro, Nilson tinha menos de 2 mil inscritos no seu canal. Dois dias depois, com a viralização do vídeo da slime, pulou para mais de 700 mil. Foi nesse mesmo dia que o grupo Corrupção Brasileira de Memes, ligado ao MBL, começou a usar a imagem de Papinho para criar piadas. Eles acharam engraçado colocar o senhorzinho como um criminoso que ensina a falsificar documentos para burlar o INSS ou que publica vídeos pornográficos no YouTube.
Um perfil chamado @nilsonpapinhoyt, criado no último dia 31 de janeiro — três dias antes de Nilson ficar conhecido na internet — começou a se passar por Nilson Papinho.
O perfil enganou todo mundo. Celebridades como a Maysa do SBT passaram a seguir a conta, passando ainda mais credibilidade. Em apenas um dia, o perfil já contava com quase 30 mil seguidores. Começaram a surgir rumores de que Nilson já teria sido preso por pedofilia no passado – de fato, existiu um inquérito que apurou comportamento suspeito de Nilson em frente a escolas, mas a investigação não foi adiante por falta de testemunhas e novas evidências*. Vários perfis, curiosamente todos com fotos de mulher, surgiram dizendo que conheciam Nilson pessoalmente e contando detalhes da sua vida. A @Bi4_cr disse que sua mãe é amiga da mulher de Nilson e que ela contou que não deixa as netas perto dele.
No Facebook, o perfil Jayne D’Tuanne disse que foi colega de trabalho de Nilson por dois anos e contou detalhes de um caso dele com pornografia infantil.
Até uma sobrinha apareceu no Facebook para confirmar a história de Jayne.
O perfil @exposednilton publicou todas essas acusações no Twitter e lançou diversas suspeitas sobre as reais intenções de Nilson no YouTube. Essa conta, criada em 2015, foi a que mais ajudou a disseminar a boataria. Alguns desses tweets difamatórios foram compartilhados milhares de vezes. O perfil acabou sendo suspenso pelo Twitter, mas ainda é possível acessar parte do seu conteúdo pelo cache do Google. Mais tarde se descobriu que todo esses perfis que diziam conhecer o passado de Nilson eram falsos. Eles sumiram logo após a disseminação da mentira. A @yasxxxminsays foi um dos perfis que apareceu para desmentir os boatos.
Mas veja só: Yasmin também não existe. É uma conta falsa que utilizou a imagem de outra pessoa na internet. Além das falsas acusações, há também os falsos desmentidos. Com a internet pegando fogo, muita gente de carne e osso entrou na onda dos perfis fakes e ajudou a engrossar o boato, como a @magconfeminist. Ela existe, é feminista e tem contas em outras redes sociais.
Os grandes nomes ligados ao bolsonarismo na internet passaram atacá-la e a afirmar que ela seria a pessoa que começou com a boataria. A partir daí, a esquerda e as feministas passaram a ser pintadas como os grandes monstros que orquestraram o ataque contra o vovô pelo qual o Brasil inteiro estava apaixonado. Nando Moura, um dos youtubers recomendados pelo presidente da República como uma fonte confiável de informação, encheu a boca pra falar que “a difamação contra o senhor Nilson começou com uma feminista”. É mentira. A boataria já estava rolando antes e ela era só mais uma embarcando na onda difamatória criada pelos perfis fakes. Ela sustentou a sua “denúncia” exibindo tweets da Jayne D’Tuanne, a falsa colega de trabalho de Nilson.
É claro que o MBL não ia deixar de surfar essa onda. Um dos seus líderes gravou vídeo intitulado “Feministas perseguem vovô do slime”, enquanto outro acusou a “patrulha feminista” de plantar o boato.
Manchetes como “Militante anti-Bolsonaro ataca ‘Vovô do Slime’ com fake news sobre pedofilia” se espalharam pela rede. A esquerda e as feministas foram parar nos bancos dos réus pelo crime hediondo.
O cientista de dados Rodolfo Viana começou a achar tudo muito estranho e resolveu puxar o fio dessa história. Ele publicou uma série de tweets que nos levam a crer que há mesmo uma motivação política em torno dessa campanha difamatória contra Nilson Papinho, mas de um jeito bem diferente da contada pela militância virtual bolsonarista.
Rodolfo mostra que, além da falsa Yasmin, outros perfis anônimos apareceram para desmascarar “as mentiras dos esquerdistas”. Um deles é o @LibertarioBRA, cujo nome é “Libertário Opressor” e que chegou ao Twitter com o único intuito de desmascarar as mentiras sobre Papinho. Todos os tweets publicados por ele são sobre o caso.
Agora voltemos ao perfil @nilsonpapinhoyt, o perfil fake do senhor Nilson citado no começo do texto. Ele passou a compartilhar os tweets do Libertário Opressor, dando legitimidade às denúncias e lhe rendendo seguidores, já que todos acreditavam ser o próprio Nilson quem estava tuitando.
Coincidentemente, a conta falsa do vovô foi criada no último dia 31 de janeiro, apenas dois dias depois da criação do Libertário Opressor. Talvez também por coincidência, ela segue os apoiadores mais relevantes do governo Bolsonaro nas redes sociais como Olavo de Carvalho, MBL, Allan dos Santos, Isentões, Ódio do Bem e Caneta Desesquerdizadora.
A descrição do perfil fake de Nilson garantia que aquele era o twitter oficial e que ele próprio era o autor dos tweets. Mas a casa caiu quando Pyong Lee, um famoso youtuber que faz mágicas e hipnoses, foi até a casa de Papinho e confirmou que ele não tem perfil no Twitter nem em nenhuma outra rede social além do YouTube. Imediatamente, o perfil fake alterou a sua descrição no Twitter para: “Nilson não tem nenhuma rede social! Este perfil é administrado pela família dele, mas ele pega o celular e responde vocês, então é como se fosse dele.”
Hoje a conta @nilsonpapinhoyt está com quase 100 mil seguidores e continua enganando muita gente. As milícias virtuais bolsonaristas costumam se utilizar de uma tática manjada para angariar seguidores e simular relevância no Twitter: primeiro surfam em algum hype, ganham muitos seguidores e, de repente, mudam de nome e começam a falar de política para milhares de pessoas. Tudo indicava que era isso o que ia acontecer: o perfil fake de Nilson mudaria de nome e se tornaria mais um miliciano virtual do Twitter com mais de 100 mil seguidores. Mas como a farsa foi descoberta, o criador do perfil achou prudente entrar em contato com a família para tentar oficializar a conta. Depois de enganar milhares de pessoas fingindo ser Nilson e ajudar a alimentar a teoria de que a esquerda e as feministas tramaram contra ele, o farsante se aproximou da família de Nilson como um fã que só queria divulgar o trabalho do vovô da slime. A conta foi repassada para o filho de Papinho e hoje é ele quem a administra. Agora ninguém mais poderá dizer que a conta é falsa, apesar de sempre ter sido.
Criaram perfis falsos para fazer acusações falsas. Depois criaram perfis falsos para desmentir. Chegaram até a criar um perfil falso do vovô, que repercutia os desmentidos feitos por um perfil anônimo recém-criado. E, assim, a esquerda e as feministas foram sumariamente condenadas pelo tribunal das redes sociais. Não é possível dizer quem são os criadores dos perfis fakes, mas está claro quem foram os grandes prejudicados pela arapuca armada por eles. O histórico recente das milícias virtuais bolsonaristas na internet não permite que sejamos inocentes. Este é o jeito Steve Bannon de pautar o debate público.
No ano passado, os bolsonaristas implantaram um falso debate às vésperas da campanha presidencial. Durante uma semana, a esquerda foi acusada de ser tolerante com a pedofilia nas redes sociais. Enquanto se fazia um balanço da fracassada intervenção militar no Rio apoiada por Bolsonaro, bolsonaristas pautavam as redes sociais com o tema pedofilia. Como essa e tantas outras, a mesma arapuca foi armada agora para desviar a atenção. Quem vai querer pensar na ligação da família Bolsonaro com o crime organizado carioca enquanto monstros da esquerda estão assassinando a reputação do velhinho mais fofo do Brasil?
Fonte: The Intercept Brasil