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Mitologia e surrealismo marcam as obras de colagem de artista brasileiro

(Divulgação)

Lantejoulas, rendas, tecidos, recortes de revistas e papéis metálicos são alguns dos itens que você encontra nas colagens do artista Gustavo Prata. Em seu processo de criação, o céu é o limite e tudo pode servir de material para compor uma obra – contanto que faça sentido com a ideia que quer comunicar.

O céu também é inspiração. Afinal, mitologia é o tema central da sua mostra Crônicas de Papel, que será inaugurada este mês na SUB Galeria, em São Paulo. São 22 obras que trazem assemblage (composição com objetos tridimensionais) e outras variações de técnicas de colagem para abordar crenças, mitos e símbolos. Suas criações são bastante provocativas, com pitadas de surrealismo e doses ácidas de humor.

A proposta de Gustavo é levar o público da mostra a questionar valores da sociedade atual por meio de suas obras, que combinam elementos de civilizações antigas com ícones e figuras atuais, como luminosos de rua, bens de consumo e ídolos da cultura pop – tudo com muita cor.

Foto: Pedro Bonacina

E essa mistura reflete muito a sua trajetória, que teve início na publicidade. Depois de um tempo, ele migrou para agências de design até que decidiu virar freelancer para estudar e se dedicar à arte. Foi nesse período que a colagem, que sempre foi um hobby e uma ferramenta de criação, acabou ganhando espaço de vez.

Conversamos com o artista para saber mais quais são suas inspirações, os temas que estão presentes em seu trabalho e como é seu processo criativo. Confira:

ENTREVISTA GUSTAVO PRATA

FTC: Quando percebeu que poderia se jogar na vida de artista?

Comecei com publicidade e depois fui para o design. Em um determinado momento, resolvi virar freelancer para ter mais autonomia e voltar a estudar. Eu tinha montado um ateliê no meu quarto, mas depois de um tempo fui precisando de mais espaço. Aí fui para um ateliê coletivo e as minhas colagens, que no começo eram mais coisas de caderno, começaram a ir para a tela.

A percepção de que poderia viver disso foi quando pus meu primeiro quadro em uma loja e ele vendeu no mesmo dia, não chegou a ficar 24 horas à venda. Foi aí que me toquei que as pessoas talvez pudessem pagar dinheiro por algo que eu fiz.

Foto: Marcelo Chaves | Acervo Caiua Frias

FTC: Você sempre trabalhou com colagens? Se não, como foi que começou sua história com essa técnica?

Eu sempre gostei muito de colagem. É uma técnica que me acompanha desde muito novo, mas eu demorei a entendê-la dessa forma, eu via mais como um suporte, um hobby. Mas uma época eu estava fazendo aulas de desenho e comprei um caderno para praticar. O caderno naturalmente foi se desenvolvendo em colagem e o desenho foi ficando cada vez menos ativo e menos colocado no meio das composições.

Acho que por não termos tantos colagistas quanto pintores ou escultores, talvez, demorou para perceber que era a técnica que eu deveria seguir. Quando eu me dei conta, tomou uma força… eu consegui chegar a lugares que eu nunca tinha conseguido antes com nenhuma outra técnica.

FTC: Como funciona seu processo criativo? Você estabelece uma rotina de trabalho ou é mais instintivo?

Meu processo é bem metódico. Eu tenho uma rotina de trabalho, em geral umas 10 horas por dia, às vezes mais, às vezes menos. Tem desde uma parte de embasamento conceitual e leituras que circundam o tema que eu esteja querendo representar até um estudo estético muito grande, sobre o universo que eu estou explorando e seus elementos.

Antes de começar qualquer peça, eu faço um estudo conceitual e estético ferrenho para conseguir dar uma forma harmônica àquilo e comunicar tudo o que li e estudei em uma só composição.

FTC: Quais materiais você utiliza para fazer as colagens? Onde busca os papéis das colagens?

Fora papel, acabo de vez em quando colocando alguma coisa de tecido, um pano, algumas lantejoulas, renda… mas não é sempre. Em geral, o papel predomina mesmo. Mas minha fontes são muito extensas: vão desde revistas, livros (vou muito a sebos atrás de coisas para utilizar e ter referência) até papel de presente e de parede.

Uso muita textura e estampa, além do papel metálico, que é muito presente no meu trabalho. E muitas coisas as pessoas me dão, por já saberem que sou colagista. Aliás, os materiais mais interessantes que já usei foram itens que as pessoas iam jogar fora e resolveram me dar.

FTC: Como é sua relação com as cores em suas obras? Procura ter uma paleta específica ou varia de acordo com a temática?

Meu trabalho tem uma paleta muito rica, eu gosto muito de cor. A paleta varia muito de acordo com a obra e com o clima que eu quero construir. Se eu quero uma obra mais dark, eu vou para os tons mais escuros. Se for uma obra mais sensual, vou carregar mais o vermelho.

Uso muito tons metálicos também, geralmente vai ter algum dourado, vermelho metálico. As paletas e as texturas são objetos de composição extremamente importantes para mim, um apoio muito grande. Elas me ajudam a comunicar o que quero em imagens.

Foto: Daniela Ometto

FTC: Quais são as suas maiores inspirações? Vale música também ou tudo o que te inspira (o que tem lido, ouvido, visto, etc).

Eu gosto muito de mitologia e sou muito visual, tenho um apreço muito grande pela estética. Tem um artista plástico, o Matthew Barney, e ele tem uma série de seis filmes que chama: The Cremaster Cycle, em que ele inventa uma mitologia própria. Os filmes são muito estéticos, oníricos, mitológicos, com uma identidade visual e uma estética super forte, tudo o que me instiga.

Minhas inspirações em geral incluem arquitetura, moda, artes plásticas, fotografia de moda… Eu acabo juntando muito da minha veia publicitária a esse lado artístico também, desde paleta de cores até essa preocupação em deixar o trabalho esteticamente bonito.

FTC: Você falou sobre o que te inspira e da sua veia publicitária. Imagino que muito do seu material deve vir de publicações publicitárias também, não? Você acha que ressignificou a publicidade nas suas obras de certa forma?

Sim, acredito que tenha ressignificado, faz sentido. Na verdade, os meus quadros têm sempre uma cara de propaganda e isso é bem proposital. Apesar deles terem um sentido e serem carregados de um sarcasmo muito forte, o que fecha esse sarcasmo é essa cara de propaganda.

Estou sempre pregando essa armadilha, mostrando uma situação que talvez não tenha um valor bacana, mas eu tento colocar aquilo de uma forma linda para você. Isso é publicidade. Eu sou um artista pop, então também caio nas questões da marca, até faço referências a Coca-Cola ou BMW em algumas peças.

FTC: Sobre a exposição Crônicas de Papel: como nasceu o projeto? E o que te atraiu para esta temática de mitologias?

Eu sempre fui fascinado por mitologia. E sempre penso sobre não termos uma mitologia contemporânea, nada que represente os nossos valores de hoje em dia. Se a gente fosse fazer uma religião politeísta com deuses que representassem nossos valores contemporâneos, por exemplo, quais seriam esses deuses? Isso sempre foi uma coisa que me instigou muito: representar o real através de contos e analogias e personificações.

O projeto na verdade surgiu há 3 anos e as primeiras obras que fiz acabaram nem entrando no projeto. E acabei engavetando ele, porque achei que não tava com maturidade para desenvolvê-lo tão bem quanto eu gostaria. Nesse meio tempo estudei muito, fiz curso de História da Arte, acompanhamento de projeto, leituras… Busquei ganhar um repertório e fiz um estudo estético de representações olímpicas, de deuses contemporâneos.

Então, na verdade é um projeto antigo, de algo que sempre me fascinou e eu achava que não tinha maturidade para desenvolver. Agora me sinto a vontade para executar esse projeto. A exposição tá sendo feita há mais ou menos um ano, sendo os 4 primeiros meses mais teóricos e os últimos 8 de execução mesmo.

Foto: Daniela Ometto

Acompanhe o trabalho de Gustavo Prata em seu Instagram.

Fonte: Follow The Colours

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