A antropóloga norte-americana Sheila Walker, que também atua como cineasta e professora, se dedica à pesquisa e documentação da diáspora africana desde os 19 anos. Quando começou sua pesquisa veio a Salvador, “a capital de cultura africana nas américas”, para passar duas semanas e ficou três meses, estudando o candomblé, que a ajudou a entender nossa cultura da diáspora. Ela lembra que lugares como Minas Gerais também preservam uma forte africanidade e diz que o Museu Afro Brasil, em São Paulo, é o melhor sobre diáspora no mundo, sendo mais artístico do que o Museu Nacional da História e da Cultura Africana-Americana, inaugurado por Barack Obama em Washington.
Museu Afro Brasil
Ela lembrou de uma exposição que viu no Museu Afro Brasil e dava ênfase cultural sobre a tecnologia que os africanos trouxeram, de trabalhar o ferro, o trabalho de ouro, em Ouro Preto. “Os portugueses donos de mina traziam africanos da Costa da Mina. Eles tinham um comércio legítimo antes de ter comércio de seres humanos, de ouro com essa parte da África Ocidental e sabiam quais africanos tinham quais conhecimentos tecnológicos que eles precisavam para criar as novas cidades das Américas, com o genocídio dos povos originários. Em Ouro Preto, os portugueses brasileiros donos de mina diziam que a presença de negros minas nas minas de ouro traziam uma sorte quase mágica. Sorte não, conhecimento. Então, fiquei muito feliz de ver essa parte do Museu Afro Brasil”.
Walker compara o museu brasileiro ao de Washington. “É menos artístico do que o museu de vocês. É mais histórico, começa lá no fundo com a escravidão e quando a gente vai subindo os andares chega na luz, no presente, na alegria, na criação artística. Mas gosto mais do Museu Afro Brasil do que do Museu Nacional da História e da Cultura Africana-Americana, em Washington. Ele é um dos 22 museus que fazem parte do Museu Nacional”.
Ela comenta a crise que a instituição brasileira passa com o corte de verbas anunciado pelo governo paulista: “Seria trágico perder o Museu Afro Brasil porque retrata a cultura do Brasil. Fora do país vocês são conhecidos por essa cultura afro. Esse museu não representa só os afro-brasileiros. Representa os brasileiros em geral”.
Lugar de cultura e resgate da história africana
A antropóloga indica a Bahia como lugar a ser visitado para resgatar os laços com o continente africano. “Porque é o lugar do mundo onde a africanidade é tão flagrante: está na rua, no prato, na música, nas festas de largo. Não tem outro lugar assim. O Benin pretende construir museus e um deles é o dos orixás e voduns. Não sei se ele vai sair ou não. Mas eu disse ao comitê que não há nenhum lugar no Benin em que a presença dos orixás é tão flagrante, tão parte do dia a dia de todo mundo como ocorre em Salvador. Então, por isso, digo que é a Bahia”, afirma.
Ela esteve em Salvador quando começou a estudar a diáspora africana. Foi passar duas semanas e ficou “duas semanas e três meses”, como brinca “Sabia que era a capital de cultura africana nas américas. Queria estudar o candomblé, que me ajudou muito a entender nossa cultura”, considera.
Mais Áfricas no Brasil
Logo que chegou ao Brasil a antropóloga entendeu que a africanidade não estava presente só na Bahia. “Fui a Minas Gerais. O reinado de Moçambique, onde tinha uma rainha conga, na capela havia santos da Etiópia. Todo o pan-africanismo cotidiano. Ninguém fora do país sabe que tem tanta africanidade lá no meio do Brasil. Fui ao Maranhão que abriga outras culturas. Há várias Áfricas aqui”, conclui.
Novos movimentos e diáspora atual
Walker ressalta que no século XXI, os afrodescendentes estão criando uma identidade maior do que as identidades nacionais. “Eu considero que sou uma cidadã da diáspora africana. Penso que tenho primos e primas em todas as partes da diáspora e gosto de estar em casa. No Brasil, se eu não falo, ninguém vai dizer que não sou daqui. Na Índia, me perguntaram de que parte da Índia eu sou. Pois, tem afro-indianos. Estamos ultrapassando as fronteiras e nos dando conta das semelhanças culturais que temos. As comidas, as maneiras de dançar. É muito rico e saudável não se fechar dentro de uma identidade nacional que a gente não criou, que foi imposta”, lembra.
fonte: Carta Capital