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O que Bettina e Yovana Mendoza podem ensinar sobre marketing

O que Bettina, a personagem da campanha publicitária da empresa de investimentos Empiricus, e a youtuber californiana Yovana Mendoza – conhecida como Rawvana – têm em comum? Cada uma à sua maneira, elas foram vítimas do desejo por atenção e aprovação, e se valeram da tentativa de encobrir suas próprias realidades – certamente menos interessantes do que a “realidade escolhida”.

Bettina, a garota propaganda da Empiricus que veste a camisa da empresa com muita garra, confundiu as pessoas ao afirmar que começara investindo R$ 1500 e hoje possuía mais de R$ 1 milhão e convidava as pessoas a fazerem como ela, “clicando no link” e depois acompanhando seus vídeo-aulas de investimentos, que é o passo seguinte da estratégia de marketing da Empiricus.

Rawvana conquistou quase 2 milhões de fãs nas redes sociais ao se tornar vegana e criar seus próprios programas de emagrecimento e detox no site rawvana.com. Ela também indica seus produtos favoritos no site, desde traquitanas para cozinhar vendidas na Amazon a marcas de proteínas vegetais como Vivo Life. Seu mundo caiu quando ela foi filmada comendo peixe em Bali.

Para justificar, afirmou estar anêmica, e ter sido orientada por seu médico a consumir ovos e peixes, reconhecendo que estivera omitindo o fato de seus fãs.

Em ambos os casos, realidade e ficção se misturaram, num confronto impiedoso entre aquilo que se deseja parecer e aquilo que se é, e que pode não ser assim tão interessante.

A ideia de que Bettina possa de fato ser uma menina simples de classe média que começou investindo R$ 1.500,00 e, ao investir mais um pouco aqui e ali, em quatro anos chegou a R$ 1 milhão, é extremamente sedutora.

E talvez insuportável para muitas pessoas, como bem levantou o publicitário e psicólogo Flávio Cordeiro, em um artigo publicado no Medium esta semana, em que levantou a tese de que não é fácil reconhecer que “a garota que mora ao lado” possa ter ficado milionária tão jovem, enquanto você continua matando um leão por dia.

Fez-se de tudo para desmascarar Bettina, e de fato quase que imediatamente ela teve que reconhecer que contou com a ajuda de uma doação do pai e a vantagem de não ter de pagar contas ou se preocupar com a própria sobrevivência, para investir algumas boladas de dinheiro ao longo daqueles quatro anos, e chegar finalmente ao seu milhão e à posição de entusiasmada garota propaganda da empresa Empiricus.

O mundo real, tal qual o conhecemos, é aquele em que não se ganha uma bolada sem fazer esforço, a menos que se herde, por exemplo. Ao mesmo tempo, o mundo das ações costuma ser arriscado demais para quem tem contas a pagar e raramente faz milionários da maneira descrita pela moça da propaganda.

Rawvana encontrou aceitação, admiração e uma legião de fãs ao se tornar vegana, defendendo a proteção aos animais e a práticas de vida mais saudáveis.  Bilingue, filha de mexicanos, abriu diálogo e troca com o fervilhante mercado hispânico nos EUA, algo que lhe rendeu ainda mais popularidade, ainda que talvez ela não fosse exatamente o que pregava.

O vídeo “vazado” em que tenta inutilmente cobrir com o braço o peixe que está ali, impávido, em seu prato, revelou o inevitável: a mentira costuma, sim, ter pernas curtas, especialmente na era do fim da privacidade.

E estes são dois casos quase dotados de uma certa ingenuidade. Casos de realidade aumentada – para agradar e construir a persona ideal nas redes sociais e vender a ideia de sucesso (no segundo caso tendo por trás uma empresa em busca de notoriedade).

Vivemos a era do faz de conta, em que  tudo pode ser ou não. Realidade é o conceito relativo, frequentemente manipulado por algum algoritmo que trabalha por objetivos que, francamente, não nos interessam. Não sabemos mais se vemos as mesmas informações que as outras pessoas.

Os algoritmos nos observam discretamente, nos julgam e nos incitam, como diz a tecno-socióloga Zeynep Tufekci. Ela também costuma dizer, quase com uma certa ironia, que nós mesmos construímos estruturas de vigilância autoritária apenas para fazer as pessoas clicarem em anúncios.

Não por acaso, no último SXSW, em Austin, no Texas, tantas pessoas fizeram manifestos e lançaram movimentos pró-detox digital, com a certeza de que o projeto original da internet, envolvido em sonhos hippies de comunidades compartilhando ideias e conhecimento livremente, deu errado.

O produtor musical Joseph Henry Burnett, aos 71 anos, preferiu não falar de música e deu seu recado sobre os males trazidos pelos gigantes do mundo digital, em especial o Facebook.  Outro velho dinossauro dos primórdios da grande rede, o escritor de ficção científica Bruce Sterling, definiu o futuro como cyberpunk, dizendo que uma “guerra fria cibernética pode começar em breve”.

Exageramos, quase todos. E há uma tendência de tomada de consciência, garantem alguns especialistas. A Apple anunciou nos EUA o lançamento – entre outros, como seu serviço de streaming jornalístico – do Apple News.

Em troca de pouco menos de US$ 10, o assinante tem acesso ao conteúdo de grandes veículos, com a ressalva importante: “A Apple não saberá o que você está lendo”. Ser capaz de abrir mão desta informação, respeitando a quase extinta ideia de privacidade,  certamente é um bom sinal.

Fonte: Época e Negócios

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