Em 2015, o explorador Luke Robertson se aventurou sozinho pela Antártida. Não havia nada à sua volta, a não ser imensos campos de neve e gelo.
Duas semanas já haviam se passado em sua expedição solitária até o Polo Sul, programada para durar 40 dias. Ele estava atrasado, exausto e abatido.
Foi quando olhou para cima e, à sua esquerda, viu… campos verdes.
E não era qualquer campo verde. Eram os campos da fazenda da família dele em Aberdeenshire, na Escócia. E também estavam ali a casa e o jardim em que ele cresceu — uma visão reconfortante e, ao mesmo tempo, assustadora.
Conversei com Robertson para o programa “All in the Mind”, da BBC Rádio 4. Ele me disse que foi estranho. Mas tudo ficaria ainda mais esquisito.
O carregador dele não estava funcionando, e ele não conseguia ouvir as músicas que havia levado. Os únicos sons que o acompanhavam eram o ranger dos seus esquis sobre o gelo e os ventos uivantes da Antártida. Mas, por alguma razão, a música-tema de Os Flintstones tocava sem parar na sua cabeça.
Talvez não fosse algo tão estranho — todo mundo já ficou com uma música “chiclete” na cabeça —, mas ele viu os personagens do desenho animado na frente dele, no horizonte.
À medida que os dias passavam, as experiências dele ficavam mais estranhas. Ele ouviu alguém gritando seu nome e se convenceu de que havia uma pessoa atrás dele, seguindo seus passos. Mas, sempre que ele se virava para verificar, não encontrava ninguém.
Mesmo assim, Robertson não conseguia afastar esta sensação de que havia outra presença, que permaneceu até sua chegada ao Polo Sul.
Quando se sentou sobre o trenó, fraco e exausto, e fechou os olhos por um segundo, ele ouviu uma segunda voz. Desta vez, uma voz feminina advertiu que ele deveria se levantar, e não adormecer, o que poderia ser perigoso.
Ele sentiu que a voz o incentivava a seguir adiante. Ela pode até ter salvado sua vida. Mas, novamente, não havia mais ninguém por ali.
Outros exploradores e aventureiros relataram sentir presenças parecidas, sobretudo Ernest Shackleton (1874-1922), que teve a sensação de haver um “quarto homem” acompanhando seu grupo de três exploradores na etapa final da sua jornada épica pela Geórgia do Sul, em 1916.
Alpinistas do Everest também sentiram esses “fantasmas” agindo como se fossem anjos da guarda, ajudando-os a sobreviver e fornecendo um conforto misterioso.
Às vezes, o fenômeno é chamado de “fator terceiro homem”. Na psicologia, é uma experiência conhecida como “sensação de presença”.
O professor de psicologia Ben Alderson-Day, da Universidade de Durham, no Reino Unido, é autor de um novo livro chamado Presence: The Strange Science and True Stories of the Unseen Other (“Presença: a estranha ciência e histórias verdadeiras do outro invisível”, em tradução livre). Ele descobriu que estas experiências não se limitam a pessoas em situações extremas.
A sensação de uma presença misteriosa é, às vezes, associada a pessoas que passaram por um luto, sofrem de psicose ou têm doenças como Parkinson — Foto: GETTY IMAGES via BBC
Você pode muito bem ter sentido, em algum momento, que alguém está ao seu lado no quarto com você, mesmo que não pudesse ver aquela pessoa. Não é um fenômeno incomum após o luto ou em pessoas que sofrem de psicose.
Até 25% das pessoas que têm Parkinson relatam esta experiência. E pode acontecer também quando você está prestes a acordar ou adormecer.
Para alguns, a experiência pode ocorrer como parte da paralisia do sono, quando você acorda, mas não consegue se mover. As pessoas podem ter a forte sensação de que alguém está no quarto com elas ou até sentado sobre o seu peito, pressionando-as para baixo.
Alderson-Day descobriu que metade das experiências relacionadas à paralisia do sono envolve uma presença muito assustadora.
A sensação de presença faz parecer que alguém está com você, no seu espaço particular.
É difícil determinar exatamente do que consiste a sensação de presença. Não é uma experiência percebida com os cinco sentidos físicos do tato, visão, audição, olfato ou paladar – logo, não é uma alucinação.
Objetivamente falando, não existe nada ali, na realidade. Mas também não é uma ilusão, que envolve pensamentos. E tampouco é o mesmo que imaginar que alguém está ali.
Às vezes, as pessoas falam em algo nebuloso, como “densidade no ar”. É quase um sexto sentido, que parece muito real naquele momento.
Nas palavras de Alderson-Day, “é muito vazio para ser uma alucinação, mas tangível demais para ser uma ilusão”.
Quais são as causas?
Na sua busca por explicações, Alderson-Day se volta para uma combinação entre o físico e o fisiológico.
No caso de montanhistas e exploradores, a falta de oxigênio no cérebro é conhecida por induzir alucinações e pode ser a responsável. Mas existe também o aspecto da sobrevivência. Será que a mente, de alguma forma, estaria evocando uma presença para nos ajudar?
A explicação do próprio Robertson é que seu cérebro estava criando o que ele mais precisava para ajudá-lo em sua árdua jornada — às vezes, trazendo retratos reconfortantes de casa, para que ele pudesse enfrentar a paisagem desoladora e solitária à sua frente. E, em outros momentos, o cérebro evocava as vozes de que ele precisava para incentivá-lo a seguir adiante.
Algumas pessoas têm maior propensão a vivenciar a sensação de presença do que outras.
Em parte da sua pesquisa, Alderson-Day e sua equipe descobriram que as mulheres costumam relatar mais sensações de presença — e são mais propensas a considerá-las perturbadoras ou invasivas. E a sensação de presença também é mais comum entre as pessoas mais jovens.
Pesquisadores de um laboratório de Genebra, na Suíça, criaram um robô que, com um procedimento complexo, é capaz de enganar o seu cérebro para fazer você sentir que alguém está atrás de você.
E as pessoas com Parkinson são particularmente suscetíveis a esta experiência.
Um padrão incomum de atividade cerebral foi encontrado em uma rede que inclui a junção temporoparietal, a ínsula e o córtex frontoparietal. Estas regiões são associadas à integração dos sentidos e à sensação de onde está o seu corpo.
A variedade de situações em que pode ocorrer a sensação de presença levou Alderson-Day a formular a hipótese de que a causa seja a perda do sentido das fronteiras do nosso corpo.
Quando algo está faltando, devido ao estresse físico extremo do corpo, como ocorreu com Robertson, ou ainda devido à psicose ou ao Parkinson, as informações que recebemos dos nossos sentidos podem gerar a curiosa sensação de que alguém está conosco, muito embora não possamos ver, tocar nem sequer ouvir a “pessoa”.
Mas a expectativa também parece ser parte do processo. Existe uma segunda teoria relacionada ao chamado processamento preditivo – a ideia de que o cérebro preenche as informações que estão faltando quando algo não faz muito sentido.
Por isso, da mesma forma que vemos padrões como rostos nas nuvens, podemos identificar uma pessoa que não está ali. Ou, nas palavras de Alderson-Day, o cérebro está “fazendo uma suposição informada sobre o que está ali”.
Enquanto Luke Robertson avançava em sua jornada solitária rumo ao Polo Sul, ele vivenciava novos episódios de ‘sensação de presença’ — Foto: GETTY IMAGES via BBC
Anjos ou fantasmas?
A forma como vivenciamos a sensação de presença pode depender dos nossos sentimentos e crenças pessoais.
Ela pode parecer reconfortante, como aconteceu com Robertson, ou talvez maligna ou religiosa, dependendo de como você interpretar a experiência – talvez um anjo da guarda, um fantasma, um visitante ou o seu cérebro tentando te ajudar.
Alderson-Day acredita que o corpo e a mente precisam ser estudados para compreendermos verdadeiramente o que é esta experiência comum. Enquanto isso, começar a falar sobre as experiências pode fazer com que elas pareçam menos assustadoras para algumas pessoas.
Os médicos costumam pedir aos pacientes com psicose que informem sobre quaisquer vozes que venham a ouvir, mas é muito mais raro questioná-los sobre a sensação de presença.
Alderson-Day acredita que vale a pena explorar estas sensações. As estratégias para lidar com elas poderiam ser compartilhadas. Ou simplesmente saber que você não é o único a ter essa sensação já pode ajudar.
Robertson acabou chegando ao Polo Sul. Mas, quando ele viu a estação de pesquisa, achou que era fruto da sua imaginação — quando havia, de fato, chegado ao seu destino.
Ele também gostaria de ver mais discussões sobre estas experiências, para que outros exploradores como ele possam compreender o que está acontecendo e sigam concentrados na sua jornada.
Assim, o visitante invisível terá condições de ajudá-los melhor.
Fonte: G1