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OPINIÃO: A Rainha Elizabeth I: o mito da virgindade, as pressões sociais para casamento e a maternidade

Gleidy Braga - Foto: Divulgação

Gleidy Braga – Foto: Divulgação

Inicialmente é importante buscar o significado da palavra mito. Segundo o famoso dicionário Aurélio, mito é um “relato sobre fatos e tempos heroicos que, normalmente, carregam certo teor de verdade”. Assim, o mito deriva de algo que ainda que não seja real, carrega com si alguma verdade. De modo que, seu emprego no título desse artigo parte do pressuposto de que a rainha Elizabeth I, que governou a Inglaterra de 1533 a 1603, não era virgem, mas tinha todas as possibilidades de ser. Isto, porque, alguns estudiosos indicam que a soberana, apesar de ter tido alguns amores, não assumiu nenhum publicamente, não se casou e não teve filhos. Logo, o discurso da Rainha virgem nasce da aparente negação a ter uma vida voltada aos prazeres, se entregando, tão somente, a sua missão de governar a Inglaterra.

Ocorre que, em seu tempo, os fatos que permeavam a vida pessoal da realeza eram tratados como assuntos de estado. Então, é surreal imaginar que uma mulher governou por 45 anos a Inglaterra, sem que houvesse ao seu lado uma figura masculina na condição de rei, e, mais do que isso, não tenha gerado um herdeiro para sucedê-la.

Existem alguns estudos que indicam as razões que levaram a Elizabeth I a não querer construir uma família real, entre os quais, destaco o triste fim de sua mãe Ana Bolena. Foi em função do casamento de sua mãe com seu pai, Henrique VIII, que a Igreja Anglicana surgiu. Em síntese, na época, o Rei desentendeuse com a Igreja Católica que não aceitava a anulação de sua união com a sua esposa Catarina de Aragão e muito menos o seu novo casamento com Ana Bolena. O rei desafiou o Papa e para se casar com a mãe de Elizabeth I, criou a sua própria igreja, a Igreja Anglicana.

Mas esse não é um roteiro de um conto de fadas, eles não viveram felizes para sempre. Ana Bolena desapontou o rei, pois não deu a ele seu herdeiro homem. Pelo contrário, gerou uma mulher, a sua única filha, Elizabeth I. E a decepção de Henrique VIII se manifestou da pior forma possível. Sob acusação de adultério, incesto e outros possíveis crimes, ela foi decapitada em praça pública, o que abriu novamente o caminho para o rei casar-se com mais quatro mulheres, entre elas, a rainha Catherine Howard que também teve o mesmo triste fim de Bolena.

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Henrique VIII, ironicamente, morreu sem seu herdeiro homem, sua filha com Catarina de Aragão, Maria I, governou por alguns anos e logo veio a óbito em função de um câncer de útero. O trono então sobrou para sua única filha viva, Elizabeth I, que ascendeu ao trono aos 25 anos e só saiu dele aos 70 anos, com a sua morte.

Elizabeth I, diferente de muitas mulheres de sua época, poderia dispor de um bom casamento pelos critérios da sociedade inglesa. Segundo escritor David Loades (2015), em sua lista de pretendentes circularam nomes como Felipe II de Espanha; Erik XIV da Suécia e o Arquiduque Fernando e Carlos da Áustria. Passou também alguns anônimos, como Robert Dudley, que era uma espécie de conselheiro e assessor e que para alguns biógrafos da vida da rainha foi o seu único e verdadeiro amor.

Analisando as fontes que estão à disposição, que inclui livros, documentários e filmes, me filio aos que acreditam que Elizabeth I não se casou, porque não queria ter o mesmo triste fim de sua mãe. É possível que ela temesse algum tipo de conspiração e que fosse destituída do trono inglês. Então, não dividir o poder parecia ser uma boa estratégia. Faltava, todavia, o discurso correto para justificar a sua não inclinação ao casamento e à maternidade. Logo, a imagem de rainha virgem, pura e que estava casada com o seu reino, com o seu povo, se encaixou perfeitamente e passou a ser difundido entre seus súditos se espalhando por todo o continente europeu.

É bem verdade que não se tem com exatidão os reais motivos para ela não ter se casado e ter tido filhos. O fato é que ela contrariou os valores de seu tempo, sendo uma mulher e a autoridade maior de seu país. Ela governou e derrotou a todos os seus opositores. E, entre acertos e erros, o que ficou como legado para as gerações futuras é que ela foi uma mulher, conhecida como a rainha virgem, governou a Inglaterra, incluindo o período conhecido como a Era de Ouro, por 45 anos.

Relacionando a história de Elizabeth I e a realidade das mulheres na contemporaneidade, pode se observar, que mesmo com quase 500 anos depois, e com todos os avanços em relação aos direitos das mulheres, ainda somos pressionadas ao casamento e à maternidade, como algo natural a todas as mulheres. Imagino o quanto de indagações Elizabeth I teve que responder ao longo de sua vida em sua própria corte, ou o quanto as cortes europeias deviam fazer comentários jocosos com a condição pessoal da rainha.

O fato é que essas cobranças nunca ficaram no passado e continuam a incomodar as mulheres no tempo presente. Conheço uma jovem que se casou aos 22 anos porque se viu pressionada por conhecidos ao matrimônio para não ficar para “titia”. Ela havia acabado de terminar a faculdade e tinha sido aprovada em um concurso público. Mas ela se sentiu tão pressionada que resolveu se casar. Infelizmente, o casamento não deu certo, após 7 anos ela se divorciou.

Outra, que tem 24 anos e está casada há 6 anos, e se sente pressionada a ter filhos, porque para a sociedade uma mulher só será completa quando ela for mãe. Ocorre que ela está fazendo faculdade particular e, neste momento, um filho poderia obrigá-la a deixar os estudos. E assim como elas, tem muitas outras que se sentem pressionadas socialmente.

Não tenho nada contra o casamento e a ter filhos, aliás, sonho com isso como qualquer outra mulher. Mas é preciso compreender que estar casada e ter filhos é uma questão de escolha pessoal e não uma condição física biológica. De modo que, ao invés de especular os motivos que levaram Elizabeth I a não se casar e ter filhos, porque não aceitamos que ela fez uma escolha consciente. Isso não significa que ela não amou durante a sua vida. Ela só não se encaixou no padrão de felicidade que só é alcançada com a concretização do casamento e da maternidade.

Para aqueles que estão verdadeiramente felizes dentro dessa instituição família nuclear, ótimo! Mas, não imponha isso a todas as pessoas, pois sempre haverá os que não se encaixarão neste padrão, e, não é certo, provocar sofrimento ou induzir essas pessoas ao erro, só porque não aceitamos o diferente.

Por isso, antes de perguntar alguém nas festas de família se ela já se casou, se teve filhos, provoque um diálogo positivo e evite destruir gratuitamente o outro com piadas desnecessárias relacionadas ao seu estado civil. Não tem nenhuma graça as frases “quem muito escolhe um dia será escolhida” ou “vai ficar para titia”.

Já para aqueles que estão sofrendo com essas pressões, aconselho assistir a todos os filmes, livros e documentários de Elizabeth I. Faça como ela, aguente firme, continue gloriosa, soberana em seu trono, crescendo intelectualmente, e quem sabe neste caminho o amor sorria para você. Mas se ele não sorrir, lembre-se, pelo menos, você não saiu de seu caminho e com muitos esforços se construiu pelas suas escolhas a sua trajetória de vida pessoal e profissional. Pois, nesta vida não há legado maior do que ser dona da sua própria existência.

 

Gleidy Braga Ribeiro

Advogada, Jornalista e Professora Universitária.

Mestre em Desenvolvimento Regional e Doutoranda em Direito Constitucional.

É vice-presidente do PDT e presidente da Ação da Mulher trabalhista no Tocantins

Já foi conselheira Nacional dos Direitos da Mulher e superintendente da Mulher, Direitos Humanos e Equidade da Prefeitura de Palmas.

Foi a primeira mulher secretária de Estado de Cidadania e Justiça do Tocantins

Foi candidata pela primeira vez à deputada estadual em 2018.

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