Ícone do site Gazeta do Cerrado

Palmas, 32 anos: Primeiras professoras recordam o início do trabalho educativo na Capital mais jovem

Implantar uma capital de Estado significa construir seus equipamentos. Entre os mais importantes estão as unidades de ensino, que devem acompanhar o crescimento populacional acima da média durante este processo. Não foi diferente com Palmas, onde as escolas foram se estabelecendo e crescendo à medida que os novos moradores chegavam e tinham filhos.

 

Uma destas primeiras escolas a serem implantadas na recém-criada capital do Tocantins foi a Escola Municipal Thiago Barbosa, no Jardim Aureny II. Assim como muitas, começou modesta e simples, sem a estrutura de excelência que apresenta hoje. Nesta época de dificuldades, tanto para profissionais da educação como para alunos, fazia a diferença o fator humano. O empenho, o carinho e a dedicação de professores e servidores compensavam a poeira excessiva, uma lembrança sempre presente em quem remexe seu baú de memórias daqueles tempos.

 

Neste aniversário de 32 anos de Palmas, a Prefeitura de Palmas, por meio da Secretaria Municipal da Educação traz a história de Fátima Serpa e  Solange Cruz de Campos Oliveira, duas professoras pioneiras na rede municipal de educação que têm em comum o amor por uma causa: o despertar do conhecimento em seus alunos.

 

Uma decisão acertada

Falar da história da escola Thiago Barbosa requer um aparte para a professora Fátima Serpa. São 29 anos dedicados à sala de aula, onde alfabetizou crianças que hoje são pais de alunos seus. Em todo este tempo, a mesma dedicação e carinho que transforma em amizade educandos e colegas de profissão, entre tantos que já passaram pela escola em quase três décadas.

 

Fátima é natural de Lizarda (TO). Passou a juventude e estudou no então curso Normal em Gurupi, concluído em 1983. Já estava trabalhando pelo Estado do Tocantins em escolas da região quando ouviu falar do primeiro concurso promovido pela prefeitura da jovem capital. Com dois irmãos que já moravam na cidade, veio para conhecer e se apaixonou pelo vibrante momento em que tudo era promissor. “A poeira levada a todos os lugares pelo vento era a realidade, mas eu via um futuro naquele movimento todo. Fiz o concurso, fui aprovada e já iniciei uma história que hoje tenho orgulho e emoção em contar. Eu me senti em casa desde o primeiro momento. Vir conhecer Palmas e prestar o concurso foi uma decisão acertada que tomei em minha vida”, lembra.

 

Fátima recorda que o espaço físico para as salas era bem reduzido no começo. A grande quantidade de alunos exigia a presença de um professor regente e de um auxiliar, sobretudo nas séries iniciais. Não havia muro, somente uma cerca de arame farpado, e em dias de muito vento não era possível permanecer nos corredores ou com janelas abertas. A merenda era servida em carrinhos nas salas, pois não havia refeitório. A energia caía muito e a presença de lampiões nas aulas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que aconteciam à noite, era comum.

 

Escola cresceu

Quadra poliesportiva, biblioteca, projeto de jardinagem, placas solares para que nunca mais falte energia. A escola cresceu à medida que a demanda por mais salas e mais turmas aumentava exponencialmente, em uma época em que Palmas ostentava um dos maiores índices de crescimento populacional do país. “O bairro cresceu junto com a escola Thiago Barbosa. Nestes quase trinta anos, vi as ruas sendo asfaltadas, o comércio se tornar pujante e diverso, a identidade local ser criada. O Aureny II se transformou muito rapidamente e a escola teve que acompanhar este processo”.

 

Hoje, tendo que se renovar para ministrar aulas remotas, a professora acredita que a maior lição da pandemia seja a confirmação da importância da presença física do professor nas séries iniciais. “As dificuldades são muitas, mas está ficando uma grande lição para professores, pais e alunos. Percebemos as dificuldades dos pais com os filhos pequenos, que batem na porta da gente em busca de auxílio, ressaltando sempre a importância do professor. Crianças necessitam do contato físico, percebemos quando eles perguntam quando as aulas vão voltar durante uma aula virtual”, conta.

 

Vizinha da escola, ela visita o pessoal administrativo que permanece trabalhando no local após as aulas virtuais, e espera ansiosa pelo momento em que voltará a receber seus alunos. “Quem vê esta maravilha que é a escola Thiago Barbosa hoje não é capaz de imaginar tamanha evolução. Eu tenho como privilégio estar em sala até hoje. Já poderia estar aposentada, mas a cada ano eu penso: vou alfabetizar só mais uma turma!”, diz emocionada.

 

 

A realização de um sonho em sala de aula

A história de vida de Solange Cruz  é mais uma das muitas que realizaram sonhos e construíram trajetórias profissionais ao mesmo tempo em que a recém-criada capital do Tocantins edificava suas primeiras instalações.

 

A família havia se mudado de Porangatu (GO) para Colméia (TO) quando ela soube do concurso promovido pela Prefeitura de Palmas e foi aprovada para o cargo de nível fundamental. Já com 30 anos, dois filhos e apenas a 7ª série, ela levava a sua própria cadeira para participar das aulas do Ensino Fundamental na Escola Thiago Barbosa, enquanto fazia as provas em um curso Supletivo no centro da cidade.

 

Já nesta época ela acalentava o sonho de trabalhar naquela escola que a acolhia e abria as portas do saber, ainda que não fosse oficialmente aluna. A oportunidade veio com a participação no Projeto Cuca, promovido pelo Município de Palmas para capacitar e habilitar profissionais para atuação em sala de aula como auxiliar de professor. Com a certeza e a paixão de quem encontrou seu propósito de vida, ela se dedicou ao ofício, de forma que no ano seguinte assumia a sua primeira turma. Era 1993.

 

Aprendizado na prática

“A minha história no magistério é essencialmente prática, desde o começo. Meu aprendizado foi na prática, com uma paixão que só crescia à medida que eu compreendia a importância daquele trabalho. Eu estava me tornando uma profissional como tantos que contribuíram comigo, e era a minha vez de retribuir”, lembra.

 

Não foram momentos fáceis. Filhos pequenos, pouca experiência, necessidade de aprimoramento. Ela lembra do apoio da família durante o tempo da faculdade de História, em Porto Nacional, onde também fez pós-graduação em História da África e dos Indígenas. Mas o seu fascínio era mesmo pelos anos iniciais, pelo letramento, pela alfabetização, que é onde está toda a sua experiência em sala de aula.

 

Neste caminho, ela se deparou com uma nova realidade, que a princípio parecia desafiadora. Mas a Educação de Jovens e Adultos (EJA) despertou uma nova vocação na professora, que via em cada rosto cansado, nas marmitas sujas de quem veio direto do trabalho para a aula, no sono incontrolável durante uma explicação, o reflexo de sua própria história, a de quem busca o conhecimento já em uma idade madura. E se desdobrava para encontrar possibilidades de aprendizado a quem não tem tempo ou mesmo energia para estudar formalmente. “Eu estimulava meus alunos a exercitarem a leitura no ônibus, nas ruas, com as placas e publicidades. Eles traziam o resultado de seus esforços no dia para a sala, e juntos construímos a habilidade de ler e interpretar a cada frase, a cada conquista”.

 

Seu estilo dinâmico e próximo dos alunos cobrou um preço. Foram longas horas em pé, pois ela admite que nem a chamada fazia sentada. Uma lesão na coluna a afastou da sala, sob risco de complicações imediatas. Hoje, ela contribui com sua experiência na secretaria da escola, de onde observa o pátio vazio, as salas silenciosas, a ausência dos rumores típicos de um dia letivo.

 

“É o momento mais triste da minha vida como professora. O silêncio, o eco nos corredores, não são da natureza de uma escola que pulsa de vida e aprendizado. É um dos lados muito tristes desta pandemia, que está sobrecarregando pais e professores e privando os alunos de seus mágicos momentos de convívio e conhecimento. Mas temos fé que em breve vai passar”, finaliza, com a esperança dos que acreditam em dias melhores.


Sair da versão mobile