Foto – Divulgação/UFT
Nesta segunda-feira, 11 de setembro, comemora-se o Dia Nacional do Cerrado. Só que, por ora, temos bem mais a nos preocupar, refletir, debater do que a comemorar a data. Ao longo dos anos, a savana mais biodiversa do planeta, que abastece em torno de 70% das bacias hidrográficas brasileiras – e sendo o único bioma presente em todas as regiões do país -, já perdeu cerca da metade de sua vegetação original.
O Tocantins, cujo território é coberto em mais de 80% por vegetação de Cerrado – nas suas mais complexas e ricas fitofisionomias – acumula estatísticas pessimistas, sendo um dos estados que mais desmatam e queimam sua flora nativa. Grande parte deste cenário se deve ao avanço acelerado do agronegócio na região, em que o Tocantins, juntamente com Maranhão, Piauí e Bahia, compõem a maior fronteira agrícola do país, a chamada Matopiba – acrônimo formado pelas siglas daqueles estados. Somente em maio deste ano, Tocantins e Maranhão responderam por 60% do desmatamento do Cerrado, segundo alerta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Mas, afinal, o que ocorre com as árvores nativas que são retiradas para esta passagem crescente do gado, do milho, da soja? Suas madeiras, resíduos são, de alguma forma, ao menos (re)aproveitados? “No Tocantins, os resíduos florestais gerados dessa supressão geralmente são enterrados ou queimados a céu aberto para a limpeza da área, causando grande impacto ambiental”, explica a professora doutora Raquel Marchesan, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais e Ambientais (PPGCFA) da Universidade Federal do Tocantins (UFT). “Em algumas situações, porém, são aproveitados principalmente como lenha ou para a produção de carvão vegetal”, detalha a cientista, que há sete anos vem se dedicando a pesquisar madeiras típicas do Cerrado.
Resíduos madeireiros e seus potenciais
A professora Raquel, que também leciona no Curso de Engenharia Florestal, no Câmpus de Gurupi, desenvolve seus trabalhos na área de tecnologia e utilização de produtos florestais. “Nós estudamos as características físicas, químicas, mecânicas e energéticas de diversas espécies do Cerrado com potencial madeireiro”, explica, “de modo a classificá-las para o uso correto na indústria”.
O intuito, segundo a pesquisadora, é o reaproveitamento de resíduos madeireiros gerados no processo de outras indústrias – como, por exemplo, a da agropecuária -, como fonte de energia ou para a produção de biocompósitos. “Em casos de supressão das florestas nativas de forma legalizada, a madeira também pode ser utilizada para fins mais nobres, na confecção de produtos de maior valor agregado – painéis EGPs, móveis, pisos -, na obtenção de extrativos para uso na farmacologia, na indústria de cosméticos, entre outros”, afirma Raquel.
Ainda de acordo com a cientista, os estudos visam caracterizar espécies que podem ser cultivadas em escala industrial para suprir demandas do mercado: produção de energia renovável e sustentável, produção de painéis, pisos, móveis e para fins estruturais.
Tecnologia inédita com resíduos do pequi
Entre as pesquisas conduzidas pela professora doutora Raquel Marchesan, um estudo que se concentra numa das árvores mais simbólicas do Cerrado e do Tocantins, o pequi (Caryocar brasiliense), vem chamando a atenção e já rendendo bons frutos aos pesquisadores do grupo de pesquisa denominado Tecnologia de Produtos Florestais de Espécies Nativas do Cerrado e Plantadas, vinculado ao Laboratório de Tecnologia e Utilização de Produtos Florestais.
As cascas do pequi – que representam cerca de 80% do resíduo gerado e descartadas por pequenos produtores locais do fruto -, têm sido testadas em painéis para a construção civil.
“Nosso principal foco é a agregação da casca seca na produção de biocompósitos à base de madeira, visando o aumento da resistência e compactação dos painéis”, detalha Rachel. “Esse estudo está em fase de desenvolvimento por alunos do PIBIC CNPq e é um produto inédito entre os biocompósitos usuais” destaca.
Além dos biocompósitos, a pesquisadora conta que o grupo também já tem pesquisas em andamento na produção de biochar e bio óleo (licor pirolenhoso ou fumaça líquida) para o uso na geração de energia renovável (carvão vegetal e carvão ativado) e como preservativos de madeira (bio óleo).
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Reflorestar com espécies nativas
Também entre os estudos de Raquel Marchesan, estão discussões que abrangem o reflorestamento do Cerrado com árvores nativas, mesmo em situações em que o reflorestamento tem, por destino, a comercialização da madeira.
A pesquisadora frisa que as espécies arbóreas nativas causam, evidente, menor impacto ambiental ao Cerrado, servindo de abrigo e alimento para a fauna, auxiliando na recuperação de áreas degradadas – recuperando solo e nascentes. “Além disso”, complementa ela, “é uma potencial fonte de renda para pequenos produtores, quando a atividade é manejada de forma correta, fornecendo madeira de alta qualidade, além de produtos não madeireiros como frutos, sementes, resinas”.
No que diz respeito à aceitação dos produtores do Tocantins ao reflorestamento com espécies nativas do Cerrado – no lugar de “clássicos” como o eucalipto, por exemplo, a Dra Raquel diz que “ainda existe muito trabalho pela frente, sendo papel da Universidade, por meio principalmente da Extensão e da Pesquisa, mostrar quais são as vantagens em se investir espaço, tempo e dinheiro para o cultivo de espécies nativas”. Raquel conta que, geralmente, os pequenos produtores têm se mostrado mais abertos à proposta.
Com a palavra final, a cientista!
“Hoje o Bioma Cerrado é o principal tema para inúmeras pesquisas nas grandes universidades do Brasil. Na UFT, temos muitos pesquisadores que estudam formas sustentáveis de obtenção e comercialização de produtos à base de matérias primas advindas do bioma Cerrado, além de estudos que visam a recuperação de áreas degradadas, conservação da fauna e da flora e suas potencialidades.
Porém, grande parte da população não tem noção da riqueza que possuímos e da importância de conservá-la, e acabam degradando o Bioma, principalmente por meio das queimadas criminosas, extração ilegal de madeira, a caça, captura e venda ilegal da nossa fauna. Para que esse cenário mude, é importante que nós, como Universidade Federal, façamos nossa parte, repassando nosso conhecimento teórico e prático para a comunidade externa, por meio da divulgação das pesquisas, de atividades de extensão que abordem a Educação Ambiental e a importância da conservação da natureza, para que possamos aproveitar seus recursos com o menor impacto possível.
Nós, seres humanos, temos que entender que não somos superiores à natureza e, sim, fazemos parte dela! Quando degradamos o meio-ambiente sem pensar no futuro, estamos trilhando um caminho sem volta para nós e para as novas gerações. É importante entender que é possível produzir conservando, ao mesmo tempo, nossos recursos naturais; porém, esta tem de ser uma consciência coletiva!”, frisa a pesquisadora Raquel Marchesan.
Fonte – Sucom UFT