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Pesquisadores apontam grandes chances de novas pandemias com mudanças climáticas

Gelo marinho no Ártico está diminuindo drasticamente à medida que a região esquenta - Foto: Brice Laine/CNN

Começam a surgir as primeiras evidências de que as mudanças climáticas podem ter relação com a pandemia da Covid-19. E outras pandemias podem estar por vir com o agravamento da crise climática, como explicam pesquisadores.

Por isso, um dos debates durante a COP26 foi sobre um sistema global de saúde para enfrentar o problema. Um estudo publicado em maio deste ano, na revista “Science of The Total Environment”, traçou um paralelo entre o comportamento de morcegos e as mudanças climáticas.

Os pesquisadores apontam que um dos impactos da crise ambiental foi a mudança na distribuição global dos morcegos, a provável origem zoonótica de vários coronavírus (CoVs) que infectam humanos, incluindo o SARS-CoV-1 e o SARS-CoV-2, que causaram epidemias em grande escala.

De acordo com a pesquisa, o número de coronavírus presentes em uma área está relacionado com a riqueza local de espécies de morcegos, intensificada pelas condições climáticas e mudanças no habitat dos animais. Eles mostraram que a província de Yunnan, no sul da China, e as regiões vizinhas, em Mianmar e Laos, formam um hotspot global de aumento da riqueza de morcegos.

Também houve crescimento na África Central, na América do Sul e na América Central. A região asiática coincide com a provável origem espacial dos ancestrais do SARS-CoV-1 e SARS-CoV-2 transmitidos por morcegos.

Os pesquisadores contabilizaram um aumento estimado da ordem de 100 CoVs transmitidos por morcegos em toda a região.”Só existe um estudo. Então é prematuro afirmar [que as mudanças climáticas têm relação com a pandemia da Covid-19], mas as mudanças climáticas geram um efeito indireto, que é a mudança no ecossistema que esses animais vivem.

Muitas vezes eles precisam migrar para continuar sobrevivendo. Isso aumenta a interação de alguns animais com o homem e pode trazer novas pandemias”, explica Renata Gracie, pesquisadora do ICICT/Fiocruz.

Degradação ambiental e os problemas de saúde

Henderson Wanderley, professor do Instituto de Florestas da UFRRJ, explica que o aumento da temperatura e da umidade, provocado pelo acúmulo de CO2 na atmosfera, teria feito com que as regiões de Wuhan, que tinham arbustos, desenvolvessem o ecossistema para savanas e florestas. “Quando você olha esse aspecto, identifica a relação do surgimento dessa pandemia e de outras (com as mudanças climáticas)”.

O pesquisador diz que, com o aumento da temperatura global, a região do Ártico vai derreter e pode liberar bactérias e vírus adormecidos nas matérias orgânicas que se encontram nas camadas profundas de gelo – e não têm contato atualmente com os seres humanos.

Ele também explica que, com as mudanças climáticas, a variabilidade do clima aumenta, provocando eventos extremos e doenças ligadas à falta ou excesso de água. Wanderley lembra da seca, em 2014 e 2015, quando houve um surto de dengue em São Paulo.”Como não tinha água, a população passou a armazenar e não teve o devido cuidado. Isso favoreceu a reprodução do mosquito.”

Regiões que passarem a ficar alagadas com as chuvas podem causar a transmissão de doenças como a leptospirose, por exemplo.Além das mudanças climáticas, outro fator é a degradação direta do ambiente, principalmente em áreas que circundam os centros urbanos.

No caso do estudo sobre a Covid-19, o morcego migra também porque a área que ele habitava foi impactada.”Os morcegos ficaram em evidência por causa do SARS-CoV-2, mas estamos mudando os habitat não só deles, mas de muitos insetos que carregam vírus e bactérias. O potencial [de desastre] é muito grande”, avalia Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

Ele lembra que doenças como ebola e chikungunya vieram da destruição de florestas tropicais.”Temos milhares de vírus na Amazônia que são desconhecidos pela ciência e podem entrar em contato com o homem se continuarmos com o desmatamento”, diz.

Convivência dentre humanos e outros organismos

Alguns pesquisadores alertam que o problema passa também por uma alienação dos seres humanos sobre a dinâmica que causamos no planeta.”A gente fica querendo buscar o retorno à normalidade, mas esquece que essa normalidade trouxe a pandemia e vai provocar as mudanças climáticas”, avalia Carlos Walter Porto-Gonçalves, coordenador do Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades da UFF.

Jean Segata, professor da UFRGS, chama atenção para o descolamento do ser humano perante sua relação com outros seres da natureza.O pesquisador estuda antropologia da saúde e lembra que o ambiente sempre foi visto como algo externo e que a história da humanidade está descolada da relação com animais, plantas e microorganismos. “A gente tem esse desejo de assepsia e controle, mas nossos mundos sempre foram envolvidos”, analisa.

Segata explica que antes a discussão em torno de pandemias tratava sobre grupos de risco e comportamentos, como no caso do HIV. Com a degradação ambiental, a discussão atual é sobre a ‘sindemia’, que combina os termos pandemia e sinergia, conceito criado por Merril Singer.

É uma visão macro que considera fatores biológicos, sociais e econômicos ao pensar em ambientes de risco, como os que teriam provocado o impacto da Covid-19.Em uma situação de sinemia, existe a interação de duas ou mais doenças que pode causar danos maiores.

As condições sociais e ambientais podem provocar a aproximação das comorbidades ou tornar a população vulnerável. Isso acontece, por exemplo, com a interação da Covid-19 com outras condições, como diabetes, câncer e problemas cardíacos. Além disso, os fatores socioeconômicos aumentam a vulnerabilidade de certos grupos da população.

Preservação

O estudo sobre a Covid-19 e as mudanças climáticas sugerem medidas ambientais para evitar novas pandemias como a que estamos vivendo. Para os pesquisadores, é crucial proteger os habitats naturais, impor regulamentações fortes sobre a caça e o comércio de animais selvagens, estabelecer padrões adequados de bem-estar animal em fazendas, mercados e veículos de transporte.

Eles também alertam para a necessidade de se desencorajar costumes medicinais e alimentícios que envolvam o consumo de espécies com grande risco de transmissão, como os morcegos.

Para o professor Henderson Wanderley, precisamos reforçar ações contra as mudanças climáticas e a degradação do ambiente em conjunto. Zerar o desmatamento, por exemplo, impede a migração das espécies que podem ser vetores de doenças.

“Mesmo que proteja as florestas, não adianta eu não fazer nada em relação ao clima e deixar ele mudar”. Para isso, é preciso ações mitigadoras para frear as emissões de gases do efeito estufa e estabilizar a temperatura. É fundamental abandonar a matriz energética baseada em combustíveis fósseis e convertê-la para fontes de energias de baixo carbono, como eólica, solar e biomassa.

Governança global para a saúde

Um problema global como as mudanças climáticas demanda soluções globais. Os especialistas sinalizam que a pandemia mostrou a necessidade de um sistema de saúde global para lidar rapidamente com pandemias.

“Há uma certa defasagem e descolamento entre os fenômenos em curso e a própria pandemia e o sistema de governança disponível no sistema mundial para responder ao problema”, avalia Carlos Walter Porto-Gonçalves.

O professor entende que a pandemia chamou atenção porque estamos num ambiente comum, em uma dinâmica marcada numa lógica individualista, baseado em grandes empresas que têm um poder imenso e os estados são cada vez menos potentes.

Para ele, são problemas de fundo para a governança em saúde global. Uma pandemia como a Covid-19 não pode ser resolvida com decisões individuais dos países.Renata Gracie, da Fiocruz, diz que a pandemia da Covid-19 trouxe muitas lições neste contexto.

Diferente do HIV, as doenças respiratórias têm um tipo de transmissão muito ágil e geram impacto imenso, como o isolamento social. A contenção da disseminação é mais difícil, como vimos na época da H1N1. “Não é a primeira vez que vivemos uma pandemia. Infelizmente, não aprendemos com o que passou. Do jeito que foi grave, espero que agora aprenda”.

A pesquisadora citou a necessidade de existir um sistema de saúde global com alertas mais ágeis para poder direcionar pessoas e recursos. Outra questão são os dados. Gracie explicou que cada país tem um sistema diferente que dificulta a compatibilidade com outros países e uma harmonização global dos dados.

Ela deu como exemplo a falta de testagem no Brasil para definir o número real de casos da Covid-19. No fim das contas, os países teriam que adotar os mesmos padrões para existir uma avaliação global mais consistente. “Países pobres não teriam recursos. Os países ricos precisam arcar mais”.

Fonte: CNN

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