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Projeto de deputado do TO pode acabar com atividade das quebradeiras de coco e gera revolta

Quebrar coco de babaçu não é apenas uma forma de conseguir renda. Por trás disso está também toda uma relação afetiva, cultural e histórica de um povo com seu território”.

Quem diz isso é a trabalhadora rural extrativista Maria do Socorro Teixeira Lima, coordenadora do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) e integrante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

 

Fonte de renda de milhares de famílias, principalmente nos estados do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins, o trabalho das quebradeiras de coco babaçu é uma maneira de reduzir a pobreza, erradicar a fome, garantir um estilo de vida saudável e gerir as florestas de forma sustentável.

Buscando assegurar a manutenção desse ciclo de soberania alimentar e nutricional, nesta quarta-feira (29) Maria do Socorro encaminhou carta do MIQCB, que pede o apoio do Consea e das organizações da sociedade civil representadas no órgão, no sentido de que seja suspensa a tramitação, na Assembleia Legislativa do Tocantins, do Projeto de Lei Estadual 194/2017, de autoria do deputado José Bonifácio.

Segundo o documento encaminhado ao Consea, o referido PL pretende alterar a Lei Estadual do Tocantins 1959/2008, que proíbe a queima do coco babaçu, inteiro ou “in natura”, para qualquer finalidade, e garante o acesso das quebradeiras de coco e comunidades tradicionais às terras públicas ou devolutas onde exista a cultura do fruto.

Para o MIQCB, as modificações propostas pelo projeto de lei em tramitação objetivam autorizar a queima de coco babaçu para a produção de carvão vegetal, liberando a carbonização das amêndoas e do mesocarpo do babaçu.

“Ao pretender autorizar a destruição do coco babaçu, o PL 194/2017 representa uma ameaça à existência das coletividades de quebradeiras de coco como comunidades tradicionais. O agronegócio tenta transformá-las em meras quebradeiras sem identidade e quer comunidades tradicionais sem território”, destaca a carta do MIQCB.

“De acordo com a justificativa do Projeto de Lei”, prossegue o documento, “o coco babaçu vem apodrecendo embaixo das palmeiras em virtude do baixo preço pago pelos compradores”.

Maria do Socorro contesta esse argumento: “Essa ideia de que o coco babaçu está apodrecendo embaixo das palmeiras só existe nas fazendas onde as quebradeiras não são liberadas para entrar. Onde o babaçu é livre e está ao nosso alcance não existe nada disso”, explica ela.

Na entrevista a seguir, a conselheira e moradora do assentamento Camarão Dois, localizado na região do Bico do Papagaio, no município de Praia Norte (TO), afirma que a vulnerabilidade das comunidades de quebradeiras de coco é agravada pela falta de reconhecimento oficial da atividade desenvolvida por elas e defende a adoção de políticas públicas que visem garantir condições dignas de vidas a essas trabalhadoras.

“O babaçu é a nossa casa comum, é a nossa vida. Acabar com a atividade das quebradeiras de coco é acabar com a vida delas”.

Como é a sua atuação como quebradeira de coco?

Nasci no Maranhão, depois fui para o Tocantins. Moro na região do Bico do Papagaio, em Praia Norte. Sou filha de quebradeira, já falecida. Cresci já nessa atividade. Criei filhos, netos e bisnetos fazendo isso. Moro no assentamento Camarão Dois. Somos 447 assentados nesse assentamento em que vivo. Eu transformo o coco em azeite e estoco, as cascas já tem como queimar. Do babaçu se pode se fazer também óleo, sabão, artesanato. Até as palhas servem para cobrir nossas casas.

Quantas mulheres atuam na extração do coco babaçu nos estados do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins?

Nós não temos um livro de registros para dizer quantas são. Mas acreditamos que esse número seja de cerca de 400 mil quebradeiras de coco.

Quais as ameaças que a aprovação do Projeto de Lei 194/2017 poderá trazer para a atividade das quebradeiras de coco babaçu?

Esse projeto não traz ameaça somente ao trabalho, ele traz ameaça à vida das quebradeiras de coco. Acabar com essa atividade é acabar com a vida das quebradeiras. É nossa vida, nosso bem viver. Nossa casa comum é o babaçu. E não é só a vida das quebradeiras, não, mas de muitas outras pessoas. A gente em hipótese alguma vai aceitar que esse projeto seja aprovado. E nós nem sabíamos o que estava acontecendo. Eles iam colocar em votação na surdina. Daí alguém alertou a gente. Ainda não é um projeto nacional, mas eu te digo com certeza que, se aprovar no Tocantins, os outros estados irão copiar, principalmente no Pará.

Uma das alegações do projeto é que a produção do coco babaçu não está sendo devidamente aproveitada.

Essa ideia de que o coco babaçu está apodrecendo embaixo das palmeiras só existe nas fazendas onde as quebradeiras não são liberadas para entrar. Onde o babaçu é livre e está ao nosso alcance não existe nada disso.

Como você avalia a questão do direito à terra para as quebradeiras de coco babaçu?

Eu tiro o coco babaçu na minha própria terra, mas as companheiras que não possuem terra tiram de qualquer lugar. Onde tem coco babaçu elas vão lá buscar. Se fosse feita a reforma agrária a gente não precisaria elaborar leis para entrar em áreas que não fossem de propriedade das quebradeiras de coco, como as reservas extrativistas, como as áreas quilombolas, como as áreas dos indígenas. Faz mais de quatro anos no Tocantins que foram desapropriadas terras para fazer assentamentos. Então não é mais de interesse de governo fazer a reforma agrária.

Como a atividade das quebradeiras de coco contribui para a segurança alimentar e nutricional das famílias da região?

A importância desse trabalho é muito grande. Além de alimentar e encher a barriga, faz bem à saúde, sem uso de veneno. Ninguém coloca veneno em palmeira, a não ser para derrubar. Mas ela nasce, ela produz, ela não precisa de adubo, não precisa de agrotóxico nenhum para frutificar. Essa atividade é totalmente agroecológica.

Entrevista: Francicarlos Diniz

Fonte: Ascom/Consea

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