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Relatório aponta o que é preciso melhorar no combate ao abuso sexual de crianças

- Foto Divulgação/Internet

No que diz respeito ao abuso sexual infantil, melhores índices socioeconômicos não implicam diretamente em maior proteção às crianças – e os países mais pobres não são, necessariamente, piores para elas.

A vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes ao abuso sexual é uma “ameaça universal”, segundo alerta um relatório publicado nesta semana pelo setor de pesquisas da revista britânica The Economist: “Ele ocorre na maior parte das vezes nas sombras, mas a violência sexual contra crianças está acontecendo em todo lugar, independente do status econômico do país ou de seus cidadãos”, diz o documento.

Analisando dados quantitativos e qualitativos de 40 países, o “Out of the Shadows Index” (em português, Índice Fora das Sombras), apoiado pelas fundações World Childhood Foundation e Oak Foundation mostra que os dez países melhor colocados em um ranking de combate a abuso sexual infantil e exploração, segundo a metodologia do relatório estão entre os mais ricos do mundo. No entanto, apenas três deles (Reino Unido, Suécia e Canadá) têm uma pontuação acima de 75 – em uma escala que chega a 100 pontos.

Dos 40 países avaliados, o Brasil é o 11º melhor colocado, com 62,4 pontos. Nesta pontuação geral, ele está acima da média do grupo: 55,4 pontos. O documento destaca o aparato legal do país na proteção às crianças, assim como o engajamento do setor privado, da sociedade civil e da mídia no tema.

Pontuação geral (Out of the Shadows Index, 2019)
Reino Unido 82.7
Suécia 81.5
Canadá 75.3
Austrália 74.9
Estados Unidos 73.7
Alemanha 73.1
Coreia do Sul 71.6
Itália 69.7
França 65.2
Japão 63.8
Brasil 62.4
Sérvia 58.2
Índia 57.6
Turquia 57
África do Sul 56.1
Filipinas 55.3
Tanzânia 54.2
Quênia 53.8
Uganda 53.7
Malásia 53.4
Romênia 52.8
México 52.7
Camboja 52.5
El Salvador 52.4
Sri Lanka 50.8
Albânia 50.6
Emirados Árabes 49.7
Jamaica 49.4
Mongólia 49.3
Ruanda 48.8
Cazaquistão 47.3
Indonésia 47
Nigéria 46.4
Rússia 45.9
Argentina 45.4
China 43.7
Vietnã 42.9
Moçambique 37.8
Egito 31.2
Paquistão 28.3

 

A título de comparação, o Reino Unido, melhor colocado, aparece com 82,7 pontos; já na lanterna está o Paquistão, com 28,3 pontos. Os países avaliados contêm 70% da população global de crianças (na maior parte dos dados utilizados, pessoas com até 18 anos). Já a pontuação é composta por 34 indicadores e 132 subindicadores.

Mas, diferente da riqueza de um país ou de sua população, há uma correlação que se sustenta e é destacada pelo relatório: quanto melhor a pontuação de um país no Índice de Democracia da Economist, maior a probabilidade de que as crianças sejam mais protegidas. Segundo o documento “Out of the Shadows”, “o estigma e a falta de uma discussão aberta sobre o sexo, direitos das crianças e gênero” geram repercussões negativas na habilidade de um país proteger os pequenos.

O relatório considera diversas formas de violência sexual de menores, que configuram abusos e exploração. Isto inclui exposição a imagens e linguagem sexuais, casamento infantil, exploração sexual de crianças e estupros, entre outros.

“Estamos no princípio de mudanças de atitudes entre adultos (no que diz respeito a abusos sexuais), mas não particularmente sobre as crianças”, comenta Carol Bellamy, da ECPAT International (rede global para combate à exploração sexual de crianças), no relatório.

 

Confira os principais destaques sobre o relatório.

1. A situação do Brasil

O relatório tem quatro quesitos principais: avalia o ambiente (como a segurança e a estabilidade em um país); o aparato legal da proteção às crianças; compromisso e capacidade dos governos (de executar as políticas no setor); e o engajamento do setor privado, da sociedade civil e da mídia no tema.

O Brasil aparece com pontuação acima da média em todos os quesitos, com exceção do compromisso e capacidade dos governos: globalmente, o índice foi de 50,4, mas o Brasil aparece com 48,1 pontos. Este item avalia investimentos, equipamentos e capacitação mobilizados pelos governos para lidar com o tema.

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No Brasil, a Economist aponta limitações na coleta e divulgação de dados sobre violência sexual contra crianças, além da insuficiência de programas de prevenção para abusadores em potencial.

A Childhood Brasil, ao comentar o relatório, destacou iniciativas positivas empreendidas pelo país como, no que diz respeito à legislação, a aprovação em 2017 de uma lei que garante direitos a vítimas ou testemunhas menores de idade de violência, incluindo a sexual. Isto inclui, por exemplo, a “Escuta protegida”, em que denúncias devem ser apresentadas em um ambiente seguro, acolhedor e sob controle de profissionais qualificados para este tipo de atendimento.

2. Meninos negligenciados

“Meninas são as vítimas primárias (dos abusos sexuais), e meninos são negligenciados”, diz o “Out of the Shadows Index”.

O relatório destaca que pouco mais da metade (21) dos países estudados garantem a proteção para meninos em sua legislação contra o estupro de crianças; apenas 18 coletam dados sobre abusos contra eles; e somente cinco têm informações específicas sobre a exploração sexual deles.

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O estudo indica que as iniciativas para combater o abuso de crianças devem ter em conta diferenças de gênero, mas sem que isto deixe qualquer segmento esquecido.

Em alguns contextos culturais, segundo o documento, meninos podem se tornar especialmente vulneráveis à violência. Por exemplo, ela está presente em ritos de iniciação em gangues ou em festas de “bacha bazi”, na Ásia, em que garotos se vestem com roupas femininas, se apresentam em danças e são forçados a fazer sexo com seus patrões.

Eles também são mais vulneráveis à disseminação, na internet, de material abusivo.

“O estigma social associado à violência sexual contra meninos desencoraja denúncias formais e é exacerbado por normas machistas, pela homofobia e pelo medo de associação com o feminino, a vulnerabilidade e o desamparo”, aponta o relatório.

3. Boas práticas

O documento destaca que o aparato legal referente à exploração sexual de crianças é bem desenvolvido a nível global: “É proibida a prostituição de menores do gênero feminino em todos os países, com exceção de um, assim como a produção ou reprodução de imagens de atividades sexuais envolvendo menores. Mas lacunas notáveis permanecem na legislação para abusos sexuais: engajar-se em atividade sexual na frente de uma criança é proibido em 19 dos 40 países, enquanto leis que proíbem explicitamente o toque sexual em menores existem em pouco mais da metade (21) dos países”.

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O relatório apresenta, então, algumas iniciativas ao redor do mundo que têm se mostrado eficazes na prevenção e tratamento deste tipo de violência.

Segundo David Finkelhor, da Universidade de New Hampshire, nos EUA, a presença de agentes policiais mulheres, por exemplo, tem se apresentado como um fator que facilita a busca de vítimas por ajuda.

No Canadá, o projeto Arachnid tem apresentado soluções no combate à violência sexual na internet – um novo e desafiador ambiente no tema. O projeto usa um rastreador para encontrar imagens abusivas e suas cópias nas profundezas da internet que, uma vez encontradas, são encaminhadas para a remoção.

Já na Alemanha, o projeto Dunkefeld promete a infratores sexuais passados e em potencial tratamento confidencial e terapia – com abordagens que buscam, por exemplo, uma autogestão da libido.

 

 

 

Fonte: BBC

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