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Reportagem Especial: Conselho da Área de Proteção da Serra de Lajeado veta uso de agrotóxicos, mas decisão gera reações

Mirante da Serra do Lajeado - Foto: Manoel Junior/Governo do Tocantins

Mirante da Serra do Lajeado – Foto: Manoel Junior/Governo do Tocantins

Equipe Gazeta do Cerrado

Há consenso na comunidade científica sobre a importância dos recursos naturais e sobre os riscos de intervenções humanas que possam causar prejuízo ao equilíbrio ecológico.

O termo natureza congrega as relações estabelecidas entre micro e macro organismos e os serviços ambientais disponíveis no ecossistema. De maneira que assim estão intrinsecamente ligados à sobrevivência humana atual, como também das próximas gerações.

No Estado do Tocantins, estas interações ocorrem predominantemente no Bioma Cerrado. Reconhecido internacionalmente como um dos hotspots de biodiversidade, rico em fauna, flora e demais organismos ainda pouco estudados.

Dentre os recursos minerais disponíveis no Estado do Tocantins pode-se ressaltar a disponibilidade hídrica. Isso, pelo fato de que predomina a bacia hidrográfica dos Rios Tocantins e Araguaia. Numa visão global é indiscutivelmente essencial à vida em todo mundo, mas fontes de água potável com esta seguem em declínio ao redor do mundo.

As ações de estudos, manejo e controle do uso destes recursos são previstas na carta constitucional e por legislações específicas, pois são de responsabilidade pública, e um bem de todos dos brasileiros. Dentre as alternativas de proteção destas riquezas naturais as unidades de conservação são instrumentos essências. A Área de Preservação Ambiental (APA) da Serra do Lajeado é oficialmente uma destas importante unidades de conservação.

Porém, há sobreposição desta unidade de conservação em relação a ocorrência de unidades produtivas rurais (fazendas). Muitas destas estavam pré-estabelecidas nesta região antes da criação da APA-Lajeado. Há também áreas que foram consolidadas após a criação da unidade de conservação.

Atualmente, permite-se por meio de deliberações do Conselho, o qual orienta a gestão da APA- Lajeado, o uso racional de duas classes toxicológicas de menor risco ambiental, como possíveis opções de agrotóxicos para o manejo em atividades produtivas nesta unidade de conservação.

O Conselho Deliberativo da Área de Proteção Ambiental Serra do Lajeado discute o novo Plano de Manejo da Área de Proteção. O qual deliberou após resultado de votação, por vetar o uso de agrotóxicos na área. Com base nas evidências científicas mundiais que apontam que o uso de defensivos agrícolas na região pode, sobremaneira, influenciar negativamente a qualidade da água em importantes nascentes na APA-Lajeado. Um eminente risco à manutenção do equilíbrio da biodiversidade, mas também à saúde de pessoas, tanto no meio rural quanto de centros urbanos que dependem destas fontes hídricas.

Haverá um período para a transição do atual modelo de permissão de uso para o não uso de defensivos/agrotóxicos. Com tempo suficiente disponível à conversão das atividades produtivas na unidade de conservação, previstas no planejamento.

Mesmo assim a decisão deixou os proprietários de terras contrariados e segundo membros do Conselho, os mesmos parecem estar mobilizados em estabelecer uma pressão direta no Governo para que esta deliberação/decisão seja revogada e o uso de agrotóxicos continue com a atual permissão de uso.

Além do uso de agrotóxicos nas atividades agrícolas, a preocupação também é com as bacias hidrográficas que abastecem a cidade de Palmas. Um vez poluídas podem causar sérios danos à saúde da população.

Defesa do uso de agrotóxicos

O Conselho da APA Serra do Lajeado proibindo o uso de agrotóxico de classe 3 e 4 na área. Assim, o Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins (Ruraltins), formulou uma Carta de Recomendações Técnicas e Apoio de Decisão ao Conselho Deliberativo. O órgão afirma que vetar o uso dos defensivos agrícolas pode inviabilizar o setor produtivo da soja, do milho, do feijão, do sorgo, da mandioca, das hortaliças folhosas, tomates, das pastagens, todas as cadeias produtivas que estão englobadas na agricultura e na pecuária da região.

A Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Aquicultura (Seagro) afirma que a proibição pode trazer sérios prejuízos para as diversas culturas desenvolvidas na região, comprometendo não só a produção do grande como também do pequeno produtor, uma vez que todos eles utilizam os defensivos agrícolas no controle de pragas, doenças e plantas daninhas, o que torna a produção agrícola viável.

Outro órgão, a Agência de Defesa Agropecuária (Adapec), defende que a questão de normativas reguladoras tanto no âmbito estadual quanto federal sobre o uso controlado dos defensivos e que o uso é embasado uma legislação Federal que rege o Brasil em relação à aplicação de produtos agrotóxicos, e paralelamente, em uma legislação estadual que também rege este uso. A aplicação de defensivos, independente da classificação toxicológica, é autorizada em território nacional, sempre respeitando tudo aquilo que está presente na legislação, tanto federal quanto estadual, e que dentro das boas práticas agrícolas é permitido o uso dessa ferramenta de trabalho ao agricultor no controle de pragas agrícolas. A Agência de Defesa e o Ministério da Agricultura preconizam que esses produtos sejam aplicados com responsabilidade técnica e dentro das boas práticas agrícolas.

Dossiê contra o Pacote do Veneno

Há vários anos a bancada ruralista vem se articulando no Congresso Nacional para desmontar o já frágil aparato regulatório brasileiro, diminuindo a importância das medidas de proteção à saúde e ao ambiente no processo de registro e fiscalização do uso de agrotóxicos, em nome de uma suposta desburocratização e da falácia da produção de “alimentos mais seguros”.

Um grande passo nessa direção foi dado com a aprovação do substitutivo do Projeto de Lei (PL) n.º 6.299/2002 em 2018. O PL, que trata da alteração no marco regulatório dos agrotóxicos e era objeto de análise em uma comissão especial no Congresso Nacional, foi alterado diversas vezes ao longo dos trabalhos, sendo a ele anexado um crescente número de projetos.

Desta forma, foi adotada a expressão “Pacote do Veneno”, para dar a exata dimensão de um conjunto de medidas que têm a mesma pretensão: jogar mais veneno no nosso solo, no ar, na água e nos alimentos. A comissão especial era composta majoritariamente por deputados da bancada ruralista que, nas suas prestações de contas oficiais ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), registram fartos financiamentos de campanha pelo agronegócio, quando era permitido esse tipo de financiamento eleitoral.

Do outro lado, contra o Pacote do Veneno, se colocam instituições de pesquisa, sociedades científicas, órgãos técnicos das áreas de saúde e ambiente, e a sociedade civil organizada, incluindo a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos que recolheu mais de 1.700.000 assinaturas. O debate alcançou a esfera da Organização das Nações Unidas (ONU), que enviou nota alertando para os perigos da proposta.

Com o objetivo de visibilizar e subsidiar esse debate que deve envolver toda a sociedade brasileira, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) organizaram em 2018 o Dossiê Científico e Técnico contra o Projeto de Lei n.º 6.229/2002 — o Pacote do Veneno e em favor do Projeto de Lei n.º 6.670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). Para tanto, foram reunidas as 25 Notas Técnicas públicas contrárias ao Pacote do Veneno, agregando uma análise integrada de todos
os argumentos apresentados. A única nota técnica pública que apoiou o Pacote do Veneno, e mesmo assim com ressalvas, também foi analisada.

Veja as entidades que são contrárias ao Pacote do Veneno:

FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz; INCA – Instituto Nacional de Câncer; ABA – Associação Brasileira de Agroecologia; SBEM – Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia; SBMFC – Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; ADAB – Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia; ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária; DSAST/MS – Departamento de Vigilância em Saúde; Ambiental e Saúde do Trabalhador/Ministério da Saúde; IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde e CONASEMS – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde; DPU – Defensoria Pública Geral da União; MPF – Ministério Público Federal; MPT – Ministério Público do Trabalho; CNDH – Conselho Nacional dos Direitos Humanos; CNS – Conselho Nacional de Saúde; CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; FBCA – Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos; FECEAGRO/RN – Fórum Estadual de Combate aos efeitos dos Agrotóxicos na Saúde do Trabalhador, no Meio Ambiente e na Sociedade Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos; MPCON – Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor; PLATAFORMA #ChegaDeAgrotóxicos Recomendações do relatório da Human Rights Watch – “Você não quer mais respirar veneno”; SNVS – Servidores do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; ONU – Organização das Nações Unidas.

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