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Rio não é um caso perdido e a violência tem sim solução

Após seis meses de intervenção federal no Rio de Janeiro, já é possível fazer uma avaliação dessa experiência. E, com base nos resultados, vemos um quadro desalentador: os índices mais sensíveis permanecem altos (mortes violentas, tiroteios e chacinas), houve um crescimento preocupante de mortes decorrentes de intervenção militar-policial e a vitimização dos próprios agentes de segurança continua elevada.

A intervenção se baseia em um modelo de segurança pública de concepção militar, que pensa desafios de violência e criminalidade como problemas de guerra, a ser combatidos por generais e batalhas.

Do nosso ponto de vista, violência e criminalidade são problemas sociais e policiais, melhor enfrentados com base em diagnósticos, prioridades, definição e monitoramento de metas, modernização na gestão e fortalecimento da integração e inteligência.

Mesmo sem as mudanças estruturais necessárias para alterar a segurança pública no país (como reforma das polícias, mudança das políticas de drogas e reforma do sistema penitenciário) é possível reduzir mortes violentas a curto prazo com políticas de segurança orientadas para a proteção da vida.

Elencamos aqui algumas ações que consideramos fundamentais e urgentes para a construção de uma segurança pública efetiva e de proteção à vida em contraponto à lógica de guerra e confronto:

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1. Para reduzir homicídios é imperioso priorizar a sua elucidação, especialmente das chacinas (homicídios múltiplos, com três mortes ou mais). A desarticulação de grupos que cometem crimes em série produz forte impacto na redução deste fenômeno e deve ser feita com inteligência, prendendo criminosos fora de sua área de controle territorial, para evitar que possam reagir e amedrontar a população.

2. O esclarecimento de homicídios tem duplo sentido: entender as dinâmicas predominantes que resultam em mortes violentas (motivações e práticas) e transmitir a mensagem, para a sociedade, para os criminosos e para a polícia, de que grupos de extermínio, milícias e quadrilhas serão desarticulados.

3. É necessário alocar recursos de inteligência para enfrentar dinâmicas de ingresso de armas e munições por criminosos profissionais. A arma deve estar no centro das preocupações da segurança, inclusive com a prevenção da circulação de armas entre jovens em escolas, a partir de parcerias com lideranças comunitárias.

4. No caso do Rio de Janeiro, é essencial reduzir a letalidade policial (no período da intervenção, a polícia foi responsável por 27% do total de homicídios. Em algumas áreas essa proporção atinge 35%). Para isso, é necessário desarticular esquemas crônicos de corrupção em batalhões e delegacias, trocando comandos e guarnições inteiras.

5. Também no cenário fluminense é necessário reduzir os confrontos e o estímulo de que criminosos atirem como primeira reação de defesa. Priorizar a presença policial em áreas onde ocorram tiroteios, o que hoje não ocorre, seria um meio de evitar conflitos armados, além de proteger a população. A mensagem é: onde houver disparos, haverá maior repressão a atividades ilegais com fins de lucro.

6. É preciso desenvolver modelos de segurança menos dependentes da presença física de policiais militares e do uso da força. O aprimoramento de mecanismos de gestão e monitoramento é essencial, com a adoção de campanhas e medidas para estimular as notificações; ampliação e modernização dos sistemas computadorizados; avisos automáticos de concentração de ocorrências em uma localidade (os chamados hot spots); sistemas de alerta da polícia; e integração entre polícias, guardas municipais e vigilância privada, entre outros.

7. No caso do Rio de Janeiro, é urgente desenvolver casos-modelo, particularmente em cidades da Região Metropolitana com altas taxas de homicídios. Estados e cidades do Brasil e do mundo tiveram experiências bem-sucedidas de redução de homicídios, demonstrando que violência tem solução.

Diferente do que alguns dizem, o Rio não é “um caso perdido”. É um caso de políticas de segurança historicamente erradas. Se insistirmos neste modelo, continuaremos perdendo vidas preciosas. Perdendo a disputa moral contra o crime. Perdendo o ânimo com a violência. Políticas de segurança podem e devem salvar vidas, em vez de exterminá-las.

Fonte: El País

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