A temperatura média dos oceanos atingiu o maior registro da história em 2019 e bateu o terceiro recorde consecutivo, de acordo com um estudo internacional publicado nesta segunda-feira (13) na revista científica “Advances in Atmospheric Sciences”.
O estudo aponta que os oceanos estiveram 0,075 °C acima da média registrada de 1981 a 2010. Nas últimas seis décadas, essa temperatura subiu 450%, informa a publicação, o que corresponde a uma elevação de 46 mm no nível dos oceanos.
Além de os oceanos estarem mais quentes, a temperatura está se elevando a uma velocidade cada vez maior e, mesmo que as emissões de gases do efeito estufa parem, os oceanos continuarão a ter temperaturas elevadas porque demoram a se estabilizar, alertam os pesquisadores.
“Esse aquecimento medido dos oceanos é irrefutável e é mais uma prova do aquecimento global. Não há alternativas razoáveis, além das emissões humanas de gases que retêm o calor, para explicar esse aquecimento”, afirma o líder da pesquisa, Lijing Cheng.
A elevação da temperatura dos oceanos é medida em “zetta joules”, que se refere a energia acumulada ou absorvida.
Em termos técnicos, em 2019 os oceanos acumularam uma energia média de 228 zetta joules acima do que havia sido registrado de 1981 a 2010. O número é 25 zetta joules acima do que registrou em 2018, até então a maior temperatura acumulada.
“É como se os oceanos tivessem absorvido o calor liberado pela explosão de 3,6 bilhões de bombas atômicas como a de Hiroshima”, compara Cheng, professor associado do Centro Internacional de Ciências Climáticas e Ambientais do Instituto de Física Atmosférica (IAP) da Academia Chinesa de Ciências (CAS).
Segundo Cheng, a temperatura média do oceano até 2 mil metros de profundidade é de aproximadamente 5,85 °C. Esse número, no entanto, é menos preciso para monitorar o aquecimento dos oceanos do que a análise da variação da temperatura.
“Por exemplo, nos trópicos, a temperatura da superfície do mar é maior que 28 °C, mas cai para cerca de 2 °C a 2 mil metros. Já nas regiões polares, a temperatura é próxima de 0°C. Essa enorme variação dificulta a obtenção de um número exato de temperatura média global. Porém, para anomalias de temperatura (alterações relacionadas à temperatura média), elas são menos heterogêneas espaciais e alguns padrões de larga escala se formam, portanto nossa estimativa é mais confiável”, afirma em entrevista ao G1.
Consequências do aquecimento dos oceanos
Com as águas oceânicas mais quentes, há o derretimento de geleiras, que leva ao aumento do nível do mar e ameaça comunidades costeiras; o embranquecimento dos corais, que reflete a perda de vitalidade neste ambiente que fornece alimento e abrigo para diversas espécies marinhas; e o aumento de tempestades e furacões (leia mais abaixo).
“Quando a energia do Sol chega à Terra, parte dela é refletida de volta ao espaço, e o restante é absorvido e irradiado por gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono. Isso é chamado efeito estufa, o que mantém nossa Terra quente. Desde a revolução industrial, as atividades humanas liberam cada vez mais gases de efeito estufa no ar com a queima de carvão, de petróleo e o transporte”, explica Cheng, em entrevista ao G1.
Citando outros estudos, os pesquisadores elencam algumas consequências do aumento da temperatura dos oceanos:
- Derretimento das camadas de gelo, elevando o nível do mar;
- Redução do nível de oxigênio das águas, afetando a vida marinha e corais;
- 95% dos recifes de coral sofrerão branqueamento até o final do século, se as emissões de gases do efeito estufa continuarem;
- Maior evaporação e aumento da umidade na atmosfera, levando a um ciclo hidrológico extremo;
- Condições mais propensas a fortes chuvas e inundações, além de furacões e tufões;
- Formação de fenômenos como o El Niño e La Niña;
O artigo liga os grandes incêndios registrados em 2019 ao aumento da temperatura dos oceanos.
“Essa é uma das principais razões pelas quais a Terra experimentou crescentes incêndios catastróficos na Amazônia, Califórnia e Austrália em 2019 (estendendo-se para 2020 na Austrália)”, afirmam.
O que indica o aquecimento dos oceanos
Mais de 90% do calor retido na terra pelos gases do efeito estufa é absorvido pelos oceanos, segundo estudos científicos citados na pesquisa. “Mensurar o calor retido nos oceanos (OHC) é uma das melhores formas de quantificar a taxa de aquecimento global”, argumentam os pesquisadores no artigo.
“É importante observar que o aquecimento dos oceanos vai continuar, mesmo que a temperatura média da Terra na superfície seja estabilizada a [uma elevação de] 2ºC (o principal objetivo do Acordo de Paris)”, dizem os pesquisadores.
Isso ocorrerá porque o oceano e outros grandes sistemas, como as geleiras, demoram a reequilibrar, “mas os riscos associados serão menores”.
“A taxa de aumento deve ser diminuída por ações humanas para levar a uma rápida redução de emissão de gases do efeito estufa, reduzindo os riscos para humanos e outras vidas na Terra”, relatam.
Oceanos Atlântico e Antártico estão aquecendo mais
Os oceanos Atlântico e Antártico continuam apresentando maior aquecimento, comparado aos demais, embora todos os oceanos tenham registrado aumento constante nas temperaturas, segundo o estudo.
“O Oceano Antártico e o Oceano Atlântico estão aquecendo mais rápido que os oceanos Pacífico e Índico. Isso está relacionado à circulação das águas oceânicas. Os oceanos Antártico e Atlântico são mais eficientes no transporte de calor da superfície para o oceano profundo”, explica Cheng ao G1.
Pesquisas anteriores já demonstraram que a energia absorvida pelo oceano Antártico foi responsável pela elevação de 35% a 45% da temperatura dos oceanos (OHC, sigla em inglês para “Ocean Heat Content”) no período de 1970 a 2017.
Os pesquisadores afirmam que o calor está associado ao aquecimento dos mares na Tasmânia, o que causa profundo impacto na pesca e nos ecossistemas marinhos.
“Curiosamente, a maior parte dos registros de ondas de calor marinhas foram feitas em regiões de aquecimento oceânico, como o Mar Mediterrâneo, o Pacífico Norte (apelidado de “The Blob”), o pacífico equatorial central, o Mar da Tasmânia e o Atlântico Norte”, alertam. “Ondas de calor marítimas e as mudanças ambientais nos oceanos representam altos riscos à biodiversidade e à pesca e causam perdas econômicas”, afirmam.
Metodologia
A pesquisa foi conduzida por um time de 14 cientistas de 11 instituições. Eles coletaram dados do Instituto de Física Atmosférica (IAP), da China, e do Departamento Nacional de Administração Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês), dos EUA.
“Usamos observações in situ [no local] com termômetros, e não usamos dados de satélites. Os dados são coletados por muitos instrumentos, alguns em navios e outros transportados por mamíferos oceânicos”, explica Cheng ao G1.
Outras pesquisas
Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) e divulgado em setembro de 2019 aponta que, se nada for feito até 2100, o nível do mar pode avançar até um metro de altura, o que pode levar à retirada de milhões de moradores de áreas costeiras e ilhas.
Outro relatório, feito pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), também ligado à ONU, afirma que a emissão de gases causadores do efeito estufa precisa diminuir mais de 7% ao ano no período entre 2020 e 2030 para que o aumento na temperatura média global seja de apenas 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.
Caso as emissões não sejam reduzidas nesse ritmo, o mundo caminha para um aumento de temperatura de 3,2ºC, “trazendo impactos climáticos ainda maiores e mais destrutivos”.
Em novembro, mais de 11 mil cientistas de 153 países se uniram para declarar emergência climática em um artigo publicado no periódico “Bioscience”, onde apresentam evidências de que o planeta está em crise.
Fonte: Globo.com