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Uso da cannabis: Deputados apostam no combate a fake news para liberar remédios

O projeto de lei que regulamenta o uso da Cannabis (PL 399/2015) no Brasil foi aprovado em caráter terminativo nesta semana pela comissão especial da Câmara criada para analisar o texto e, portanto, poderia seguir direto para o Senado. Porém, o avanço do tema tem como um dos principais obstáculos a desinformação (leia mais abaixo os principais pontos do projeto).

Parlamentares contrários ao texto adiantaram que apresentarão um recurso para que o PL vá a Plenário da Câmara. Porém, o recurso também precisará ser votado e, até a última atualização desta reportagem, não foi apresentado. Se seguir direto para a análise dos senadores, caberá ao presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) definir o rito de tramitação do projeto na Casa.

A proposta (íntegra) apresentada em 2015 pelo deputado Fábio Mitidieri (PSD-ES) mudava apenas um artigo da lei 11.343/2006, que institui a política nacional sobre drogas, para liberar no Brasil o comércio de medicamentos à base de Cannabis sativa, ou de substâncias canabinoides, com eficácia terapêutica comprovada e laudo médico atestando a indicação de uso.

Porém, foi só em junho de 2019, com a criação da comissão especial pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que os debates avançaram. A versão aprovada nesta semana é o substitutivo apresentado pelo relator da matéria no colegiado, deputado Luciano Ducci (PSB-PR). O texto (íntegra) é mais amplo e propõe um marco regulatório, estabelecendo regras para a exploração medicinal, veterinária, industrial, e ainda a pesquisa de qualquer variedade de planta do
gênero Cannabis.

Para tanto, o texto fixa duas diferenciações principais da planta, de acordo com os teores de THC (tetrahidrocanabinol), o principal psicoativo:

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  1. “Cannabis medicinal – variedade de planta do gênero Cannabis cuja destinação se dará exclusivamente para a fabricação de medicamentos ou de produtos que tenham finalidade medicinal;
  2. Cânhamo industrial – variedade da planta do gênero Cannabis sem ação psicoativa, com teor máximo de THC de 0,3%  com base no seu peso seco, a ser utilizada para fins não medicinais”;

Desde março do ano passado é permitido pela Anvisa a fabricação, importação e comercialização de produtos derivados da cannabis para fins medicinais. Porém, os medicamentos – passíveis de regulamentação mais rígida – hoje são liberados caso a caso. Há ainda organizações, como associações de pacientes, que conseguiram autorização judicia provisória (liminar) para cultivar a cannabis medicial e produzir óleos, pomadas a partir dela.

Os medicamentos feitos de cannabis são usados, por exemplo, no tratamento de quadros de epilepsia, esclerose múltipla, câncer e mal de Parkinson. Ao Congresso em Foco, o autor do projeto frisa que o debate do PL não deve ser ideológico e afirma que o uso medicinal é apoiado inclusive pelo governo.

“Essa não é uma narrativa de esquerda contra direita, como o presidente Bolsonaro tentou colocar aí, que se o PT voltar vai plantar maconha no Planalto, aquela coisa toda… Você vê os votos e o apoio que nós temos no Congresso, é apoio de todos os lados: direita, esquerda, centro, porque essa é uma posição apartidária, esse projeto ele é pela vida não pela ideologia política”, afirma Fábio Mitidieri.

O parlamentar cita declaração de Bolsonaro dita a apoiadores bolsonaristas na saída do Palácio Alvorada na última terça-feira (8), dia em que a comissão especial debatia o texto. Questionado sobre o PL, o presidente se limitou a dizer: “O da maconha? Tem canabiol sintético aí, não precisa deixar o pessoal plantar maconha em casa aí não. Imaginou se um dia o PT voltar ao governo a quantidade de pé de maconha que dá pra plantar ali ó”.

Diante de ataques como o disparado por Bolsonaro, Mitidieri afirma que a estratégia, caso o projeto vá a Plenário, será a de esclarecer todas as dúvidas sobre a matéria para que as fake news não ganhem força e confundam a sociedade.

“Esse industrial que está sendo tão atacado pela base do governo, alegando que nós vamos fazer a liberação da maconha recreativa no Brasil, isso não passa de uma grande fake News. O uso industrial seria o cânhamo, que não tem efeito alucinógeno, o THC é muito baixo, e não é considerado droga […] Nem o governo é contra essa parte medicinal, a discussão toda está no uso industrial, que nós não estamos falando de maconha, e sim do cânhamo”, disse o autor do projeto.

O parlamentar afirma aque o mercado da Cannabis, regulamentado em mais de 50 países, movimenta cerca de 60 bilhões de dólares por ano. Sobre o argumento da oposição de que, se aprovado, o texto abre caminho para a legalização do uso recreativo da planta (como no caso da maconha), Mitidieri esclareceu que “ama coisa não tem nada a ver com a outra”  e que, entre os países que regulamentaram o uso medicinal e industrial, menos de 10% enveredou para esse rumo.

Tropa de choque

Ao longo dos debates na comissão, presidida pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), em vários momentos os ânimos se exaltaram. Em uma das sessões, o petista chegou a ser agredido pelo deputado Diego Garcia (Podemos-PR), um dos mais ferrenhos críticos ao texto.

Nas redes sociais, deputados como Diego Garcia (Pode-PR) afirmam que o substitutivo de Luciano Ducci é um “cavalo de Troia”, que, segundo ele, quer “liberar a maconha” no país”. Muitos parlamentares bolsonaristas usam argumentos como a “defesa da família e da vida” para criticar o projeto.

De acordo com o deputado Eli Borges (Solidariedade-TO), o PL “é uma farça [sic] da esquerda que alega estar preocupada com o remédio a base de Cannabis, mas na verdade a intenção é outra”. “Estão votando um Marco Regulatório da maconha no Brasil e nós não podemos aceitar. #emfavordavida #emfavordafamilia …”, publicou nas redes sociais.

“Com a omissão de partidos importantes na luta contra a legalização, a matéria foi aprovada e seguirá para plenário, onde a nossa luta continua contra esse absurdo que pretende abrir as portas para o uso recreativo da maconha no nosso país”, afirmou, na mesma linha, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ).

Na linha de frente bolsonarista também está a deputada Caroline de Toni (PSL-SC). Na comissão, a parlamentar ela disse se tratar de um “cavalo de troia” e que o Estado não terá capacidade para fiscalizar o cultivo e a produção das plantas. Disse ainda que a maconha é porta de entrada para outras drogas.

“O relator transformou o projeto que previa a liberação de medicamentos a base de substrato de Cannabis num verdadeiro Cavalo de Tróia, ao incluir a possibilidade de plantio de maconha em todo o território nacional. Nossa luta não termina aqui. Entraremos com recurso contra a aprovação de hoje e solicitaremos que a proposta enfrente o Plenário da Câmara dos Deputados para derrubar essa aberração esquerdista.- não haverá como ter controle”, disse em rede social.

O coro conta ainda com o apoio do deputado Osmar Terra (MDB-RS), que chegou a participar de audiência pública da comissão em 2019, quando ainda era ministro da Cidadania.

Na ocasião, o ministro focou seu discurso no combate às drogas, com dados até mesmo sobre o uso de cocaína e crack. Sua apresentação dizia que a liberação da Cannabis interessa a: “usuários descompromissados com a saúde pública, idealistas defensores do direito de se drogar, e grupos de interesse econômico na exploração deste novo negócio”.

Osmar Terra é um dos que mais dissemina notícias falsas no Twitter, segundo levantamento do Radar Aos Fatos, e foi convocado nesta semana a depor à CPI da Covid. O parlamentar é apontado como um dos organizadores do “gabinete paralelo”, que defende, entre outras medidas, tratamentos ineficazes contra a doença.

Bom senso

O relator do projeto, Luciano Ducci, critica a desinformação aposta na mobilização dos parlamentares para esclarecer do que, de fato, trata o texto. “Esse pessoal que está querendo confundir está usando um argumento falacioso, ele é muito frágil. Falam que vão plantar maconha pelo Brasil inteiro…Isso é mentira, uma fake news muito forte”, afirmou ao Congresso em Foco.

“Tenho certeza que vai reinar o bom senso. Temos que mostrar para os líderes a segurança que o projeto está trazendo e a vantagem que ele está trazendo pros pacientes”, disse.

Ducci afirma ter trabalhado “à exaustão” para construir o substitutivo, considerado por ele muito mais estruturado que legislações de outros países da América Latina, como Chile, Uruguai, Peru e Colômbia.

“O Brasil é muito forte na agricultura para perder espaço para outros países”, argumenta. Além disso, diz, o mercado brasileiro é muito maior e pujante, capaz de tornar o Brasil um grande “player mundial”, se garantida a segurança jurídica para o desenvolvimento do ramo.

O relator afirma que, na indústria têxtil, multinacionais como Levis, Adidas e Nike já utilizam o cânhamo em suas produções, e no setor de cosmético, companhias como Loreal e Avon. A planta, cita, também pode ser explorada pela indústria da celulose, por ter um ciclo de plantio de seis meses, contra ciclos de seis a dez anos do eucalipto e do pinus, respectivamente.

O deputado detalha os mecanismos de controle previstos no marco legal e cita, por exemplo, o transporte das plantas e dos produtos feitos à base dela, que só poderá ser feito por um responsável legal da empresa por por transportadora especializada no ramo de segurança.

Ducci reitera que todas as etapas, do plantio ao descarte, deverão ser fiscalizadas. “Se não pedir autorização [para o plantio], aí ele já cai na Lei de Drogas, é plantio ilegal de Cannabis, vai preso”, afirma.

Entenda os principais pontos do projeto

Fonte Congresso em Foco

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