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Dia do Orgulho LGBTQIA+: As dores, desafios e luta pela vida e contra violência no Tocantins

Bandeira do Orgulho – Foto – Patricia Richter

Lucas Eurilio – Reportagem Especial Gazeta do Cerrado

Antes de mais nada, quem sofre, sabe exatamente onde dói. Não precisamos de aceitação, exceto a nossa própria, precisamos e queremos RESPEITO!

Nesta segunda-feira, 28, celebra-se o Dia do Orgulho LGBTQIA+  no Mundo. Há sim, vários motivos para se orgulhar. De si, de como você é, de quem está se tornando, do que nossa comunidade já conquistou – e ainda precisa conquistar – mas e quando o preconceito fala mais alto, como tem sido ao longo de todos esses anos. 

O dia do Orgulho nasceu após um grupo de LGBTQIA+ encabeçado por uma mulher preta e travesti chamada Marsha P. Johnson, se organizar e se rebelar contra uma repressão preconceituosa da polícia em um bar na cidade de Stonewall Inn, em Nova York, em 28 de junho de 1969.

O protesto ficou conhecido também como A Rebelião de Stonewall, série de manifestações violentas e espontâneas de membros da Comunidade. 

Ainda que com muitas e muitas conquistas, o cenário mudou pouca coisa de lá pra cá. 

No dia 25 de junho, uma mulher trans, de 40 anos, foi incendiada vida por um adolescente no Cais Santa Rita. em Recife. Ao ser acionada, a Polícia disse que encontrou a vítima ainda em chamas. Ela foi identificada como Roberta. 

A mulher teve 40% do corpo queimado e precisou amputar o braço, pois queimadura foi muito profunda. O caso de transfobia é investigado e o agressor não teve a identidade revelada.

Assim como Roberta, as agressões contra este grupo específico da Comunidade – que são as pessoas mais invisibilizadas e vulneráveis – acontecem diariamente. Um dos casos que mais comoveu o Brasil, foi o da travesti Dandara dos Santos, de 42 anos.

Dandara foi espancada até a morte com pedaços de pau, chutes e carregada em um carrinho de mão pelo grupo que a assassinou. Na época o vídeos das agressões viralizaram e o Governo do Ceará emitiu uma nota repudiando o crime e mobilizou a Secretaria de Segurança Pública para investigar a morte da travesti.

Para muitos, o que Roberta e Dandara sofreram é mimimi.

Segundo o boletim de assassinatos divulgados pela a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em maio deste ano, em 2020 foram 175 assassinatos de travestis e mulheres trans. Já em 2021, apenas nos primeiros quatro meses foram mortas 56 pessoas trans.

Também no mesmo período foram registrados ainda 5 tentativas de suicídio, 17 tentativas de assassinatos e 18 violações de direitos humanos contra pessoas trans.

“Os dados indicam que os assassinatos de pessoas trans estão acontecendo mais precocemente, contra vítimas cada vez mais jovens e com maior violência”, diz trecho do boletim da Antra.

Após muita pressão e luta da Comunidade LGBTQIA+, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou em 13 de junho de 2019 uma Lei que criminaliza a Homofobia e Transfobia e entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional em não pautar o tema. 

Com a nova Lei já em vigor, o Supremo na época enquadrou as condutas homofóbicas e transfóbicas na Lei de Racismo e quem for pego praticando esse tipo de crime contra a Comunidade, pode ter que cumprir 5 anos de reclusão.

Mas o que muda com a nova Lei?

Sim, ela nos dá um resguardo jurídico e ficamos amparados pela Lei, caso algum crime aconteça em razão da orientação sexual, no entanto, ela não tem evitado que muitas pessoas LGBTQIA+ sofram preconceito e sejam mortas. 

Durante a pandemia os casos de homofobia e transfobia tem aumentado muito, principalmente na internet. Conforme a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da SaferNet, a ONG registrou um aumento de 106 %, até a primeira quinzena de junho. No total, foram 2.529 denúncias em 2021 contra 1.226 em 2020. 

“Não vi homofobia aqui não”, “Eu aceito, mas não na minha família”, pode até ser gay, mas não pode ser escandoloso”, “Ah, isso não é transfobia”, “Deus abomina, isso é pecado”, “Não tenho problemas com LGBTs, até tenho amigos que são”, qual LGBTQIA+ nunca ouviu pelo menos uma dessas frases? Quantos não foram expulsos de casa por serem quem são?

No Tocantins dois casos ganharam repercussão negativa em 2021. O primeiro deles foi às vesperas do Dia dos Namorados, no dia 11 de junho.  Depois que a Prefeitura de Araguaína fez uma publicação com o casal Edigio Rosa, de 40 anos e Pedro Lima Rosa, de 56 anos, falando de como é a vida dos servidores públicos e mostrando casais que representam em suas redes sociais, os vereadores Marcos Duarte (Solidariedade) e Ygor Cortez (PV), divulgaram nota e vídeo repudiando a publicação. O vereador Sargento Carneiro (PROS) também repudiou a postagem nos canais oficiais da Prefeitura.

Pedro e Paulo são casados há 17 anos – Foto – Marcos Sandes

Segundo o vereador Marcos Duarte, a Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Araguaína, usou os perfis e site do Paço para fazer apologia a homossexualidade.

Na publicação, que foi feita em seu Instagram, ele diz que respeita a orientação sexual de qualquer pessoa, mas é contra que canais de comunicações oficiais da Prefeitura de Araguaína sejam usados como forma de divulgar a homossexualidade.

“A Assessoria de Comunicação da Prefeitura é paga com dinheiro público e não concordo que o dinheiro do povo seja gasto em tais campanhas midiáticas de incentivo a pautas ideológicas !!”, disse Marcos em trecho de sua nota de repúdio.

Ao fim, ele afirmou que, como cristão, defende a família tradicional e os valores cristãos.

Veja a publicação aqui.

Atitudes como a do vereador contribuem diretamente a favor da violência contra LGBTQIA+, pois muitos usam o discurso religioso e da família para propagar o ódio.

Neste caso, após uma representação do Coletivo Somos, o Ministério Público Estadual (MPTO) através da 6ª Promotoria de Justiça abriu um inquérito e vai apurar as condutos dos três vereadores por discurso de ódio

Navegue pelo assunto – Vereadores de Araguaína serão investigados por discurso de ódio.

Em Dianópolis, região sudeste do Tocantins, os ataques aconteceram de forma institucional, através de trocas de emails entre servidores do Instituto Federal do Tocantins (IFTO).

Igual ao caso de Araguaína, este veio em meio ao mês do Orgulho depois que o setor  de Saúde do Câmpus divulgou um evento virtal sobre o Orgulho LGBTQIA+ .

Após o envio e-mail, vários servidores começaram a responder, muitos apoiando, outros, com o mesmo discurso religioso de que é pecado e de que não concordam.

Na época, um servidor do IFTO que preferiu não se identificar com medo de retaliações e mais homofobia, denunciou um professor e vários colegas pelo ataque que aconteceu no âmbito institucional.  Abaixo, preconceito disfarçado de ‘opinião e liberdade de expressão” no episódio do IFTO.

O Instituto se posicionou sobre o assunto e disse  que preza pelo respeito à diversidade sexual e aos direitos da população LGBTQIA+, e repudia quaisquer manifestações de discriminação, preconceito, homofobia e transfobia no meio acadêmico ou administrativo.

Enfatiza ainda que o ambiente escolar deve pautar pela discussão e promoção do conhecimento que assegurem a formação de cidadãos plenos em seus direitos e deveres, de modo a fomentar alternativas para a consolidação de uma sociedade cada vez mais plural, democrática e justa.

Leia mais sobre o assunto – Servidor denuncia caso de homofobia institucional no IFTO de Dianópolis

Não poderíamos deixar de citar aqui, o caso do apresentador Sikêira Júnior, que chamou os LGBTQIA+ de raça desgraçada – cometeu um crime ao vivo – e disse que os membros da Comunidade são maconheiros e pedófilos, durante um editorial no Alerna Nacional, na filial da Rede TV do Amazonas, após o Burguer King publicar um comercial falando sobre como explicar ao seu filho sobre preconceito como agir ao ver LGBTs. (Veja comercial abaix0).

O comercial foi alvo de críticas de conservadores Bolsonaritas e Sikêra chegou a dizer que “Vocês são nojentos. A gente está calado, engolindo essa raça desgraçada, mas vai chegar um momento que vamos ter que fazer um barulho maior. Deixa a criança crescer, brincar, descobrir por ela mesma. O comercial é podre, nojento.

Em entrevista ao portal UOL a Aliança Nacional LGBTQI+ disse que vai entrar com  uma ação judicial contra o Sikêra por crime de homofobia.

“A Aliança Nacional LGBTQI+ afirmou que vai entrar em contato com todos os patrocinadores do programa Alerta Nacional, da RedeTV!, no intuito de assegurar que o telejornal não vire palco para “difamação e pânico moral”. “Esse senhor é recorrente em seus ataques, sua mentiras, suas agressões, Entraremos com uma ação. LGBTFobia é crime, disse Eliseu Neto, coordenador da Advocacy da Aliança LGBTQI+.

O que tem sido feito no Tocantins?

Desde a trágica morte do professor  da UFT, Cleides Antônio Amorim, 42 anos, em 2012, o Estado pouco tem avançado para proteger e assegurar a vida de pessoas LGBTQIA+.

Cleides foi assassinado após uma discussão com um homem identificado como Gilberto Afonso de Sousa, num bar em Tocantinópolis, no Bico do Papagaio. Na época, testemunhas contaram para a Polícia Civil que o assassino agrediu a vítima com insultos homofóbicos e depois esfaqueou o professor.

No Tocantins, segundo os dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), ONG que também mapeia os crimes contra pessoas LGBTQIA+ há  41 anos, divulgou em 2019, um relatório onde apontam três mortes de pessoas da Comunidade no estado. 

Ainda no âmbito estadual, a extinta ONG Grupo Ipê Amarelo de Conscientização e Luta pela Livre Orientação Sexual (Giama) havia constatado desde 2002 até quando fechou as portas, cerca 25 crimes com características de homofobia. A ONG parou de funcionar por falta de incentivo do Estado e do Município, em meados de 2013, 2014.

Ainda em 2014, há quase sete anos,  o então Governo do Tocantins decidiu revogar o Plano Estadual de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBTQIA+, mesmo já tendo sido discutido e elaborado o documento conjuntamente com as Secretarias Estaduais e da Sociedade Civil.

Na época, a justificativa da então Secretaria Estadual de Defesa Social, atual Secretaria de Cidadania e Justiça (Seciju) para a revogação era de que o texto do projeto estava em desacordo e precisava passar por adequações.  Até hoje, em 2021, ninguém mais tocou no assunto e o Plano segue engavetado.

Nossa equipe entrou em contato coma Seciju perguntando para além de ações nos meses de visibilidade, em que o estado tem contribuído para que crimes não aconteçam contra a Comunidade LGBTQIA+. Em nota,

por meio da Diretoria de Direitos Humanos e de sua Gerência de Diversidade e Inclusão Social, informa que no período referido pelo solicitante, foram produzidas, promovidas ou executadas dentre ações voltadas para o público LGBTQIA+: Cartilha sobre os direitos LGBTQIA+ desenvolvidas pela Seciju; Entrega das cartilhas em casas noturnas e bares LGBTQIA+; Apoio à denúncias de LGBTfobia em Palmas; Atividades lúdicas e atos políticos em alusão  ao Dia Nacional da Visibilidade de Transexuais e Travestis; Entrega de cestas básicas para pessoas LGBTQIA+; Entrega de álcool em gel e máscaras para pessoas LGBTQIA+; Criação e publicação do decreto para garantia do uso do nome social no âmbito estadual; Blitzen educativas com entrega de preservativos em casas noturnas; Lives sobre direitos, conquistas e luta contra o preconceito; Apoio a parada Lgbt 2019 com contratação do cantor Kenet Borges.

A Gerência de Diversidade e Inclusão Social informa também que no que tange o Plano Estadual de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBTQIA+, houve a Rearticulação da Comissão Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGBT) para que por meio desta retomada de discussões ele possa ser aprovado.

Entramos em contato também com a Secretaria de Segurança Pública questionando  quais são as formas de atendimento e se a polícia está preparada para fazer o atender ocorrências desse grupo em caso de violência. A Polícia Civil respondeu que para o atendimento sobre crimes contra vulneráveis, incluindo o segmento LGBTQIA+, em Palmas, existe a 1ª Delegacia Especializada de Atendimento a Vulneráveis (DAV – Palmas). Também existem 12 delegacias especializadas sobre crimes contra vulneráveis, nas maiores cidades do Estado do Tocantins.

Além disso, a Secretaria da Segurança Pública do Tocantins vem promovendo capacitações de seu efetivo, em parceria com o Ministério da Justiça, voltadas ao atendimento específico de vulneráveis.

Atualmente o Coletivo Somos, a Associação de Travestis e Transexuais do Estado do Tocantins (Atrato) e a Aliança Nacional LGBTI no Tocantins, são grupos que tem trabalhado para desenvolver ações e políticas públicas de combate à LGBTfobia no Estado.

Para o Coletivo Somos, ainda é preciso caminhar e disse que pessoas LGBTQIA+ já se calaram demais.

“Precisamos caminhar muito, mas um dos primeiros primeiros passos é reconhecer nossos companheiros e companheiras que batalharam antes de nós, para que pudéssemos estar aqui hoje continuando a Luta. Também é preciso que a gente esteja organizado enquanto comunidade para cobrarmos nossos direitos, não deixar que a LGBTfobia passe impune e para que outras lutas coletivas sejam travadas em conjunto. Já ficamos tempo demais calados e caladas. Já estivemos por muito tempo fora dos espaços de poder. Chegou a hora de conquistarmos lugares que são nossos por direito. A força que nos move é a de saber que SOMOS muitas e muitos. Como diz Maria Bethânia: ‘não mexe comigo, que eu não ando só’. Feliz Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+”

Byanca Marchiori, presidente da Atrato, disse que hoje é um dia muito importante, mas ressaltou que é preciso ser feito muito mais.

“Faltam políticas públicas. Elas são feitas só no papel. Nós como ativistas LGBTs, no meu caso principalmente da causa das mulheres e homens trans, encontramos muitas barreiras quando queremos direitos iguais. O Tocantins é um estado tão novo  e deveria ter um avanço muito grande. Muitas barreiras ainda precisam ser quebradas.”, disse Byanca.

Até aqui chegamos e aqui ficaremos! Quando algum filho, parente ou amigo decidir que é hora de falar sobre sua sexualidade, essa é a hora, esse vai ser o momento certo, afinal ninguém chega em casa falando “mão, pai, sou hétero”.

Nossa equipe se solidariza ainda com todos aqueles que foram expulsos de casa, que foram silenciados e tiveram suas  vidas tiradas de forma injusta, São Dandaras, Pietras, Indaiás, Marias, Joãos, Manoels, já não aguentamos mais perder tantas pessoas apenas por serem quem são e por viver algo simples, o AMOR. Não é privilégio, SÃO DIREITOS QUE NOS FORAM TIRADOS.

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