Pouca gente sabe, mas economistas adoram abelhas – ou pelo menos a ideia em torno delas. Não por acaso, o inseto ilustra o logotipo da Royal Economic Society, associação britânica que reúne profissionais do setor.

A Fábula das Abelhas, publicado por Bernard Mandeville no começo do século 18, usa o bichinho como metáfora para o funcionamento da economia – e antecipa conceitos modernos como a divisão do trabalho e a “mão invisível” do mercado.

Mais de 200 anos depois, quando um futuro ganhador do prêmio Nobel de Economia, James Meade, procurava um exemplo paupável para ilustrar um conceito complexo da teoria econômica, ele se voltou às abelhas em busca de inspiração.

Ele queria explicar o que economistas chamam de “externalidades positivas” – efeitos colaterais benéficos de determinados arranjos que mercados sem regulação não produziriam o suficiente e que, portanto, poderiam ser objeto de subsídio por parte do Estado.

Para Meade, o exemplo perfeito de externalidade positiva era a relação entre maçãs e abelhas.

Pomares e apiários
Imagine, escreveu em 1952 o economista, uma região que reunisse pomares e apiários. Se aqueles que cultivavam maçãs plantassem mais árvores, os apicultores se beneficiariam, porque suas abelhas produziriam mais mel.

Mas os produtores de macieiras, por sua vez, não compartilhariam desses benefícios – as externalidades positivas – e, por isso, talvez não plantassem o suficiente para que todos tivessem um aproveitamento ótimo da situação.

Isso se deve, de acordo com Meade, “ao simples e único fato de que o agricultor não pode cobrar o apicultor por estar contribuindo para a nutrição das abelhas”.

Mas há um porém na tese – o economista escolheu a planta errada. A flor da macieira não está entre as que mais estimulam a produção de mel. E essa era uma de muitas coisas que James Meade não sabia sobre as abelhas.

Para entender seu erro fundamental, precisamos recorrer à história da relação entre os humanos e esses insetos.

‘Nunca mate uma abelha’
No começo de tudo, não existia apicultor – só a coleta de mel, a tentativa de roubar as colmeias de abelhas selvagens. Esses são episódios que encontramos retratados em pinturas rupestres.

Então, pelo menos 5.000 anos atrás, a atividade foi “formalizada”. Gregos, egípcios e romanos se dedicaram à domesticação das abelhas.

As abelhas tinham significado religioso e espiritual importante no Egito Antigo (Foto: Getty Images via BBC News)

AS ABELHAS TINHAM SIGNIFICADO RELIGIOSO E ESPIRITUAL IMPORTANTE NO EGITO ANTIGO (FOTO: GETTY IMAGES VIA BBC NEWS)

Na Idade Média, os apicultores passaram a usar cestos como colmeias sintéticas – com o formato que acabou se tornando clássico e que muitas vezes aparece nos desenhos animados.

Mas o problema com os cestos-colmeia era que, para tirar o mel, era preciso se livrar das abelhas – assim, muitas vezes, os apicultores sufocavam os insetos com fumaça sulfurosa, extraíam o mel e depois se preocupavam com a construção da próxima colônia.

No decorrer do tempo, as pessoas começaram a se preocupar com o desperdício e com o tratamento dispensado aos animais que não apenas forneciam aos humanos mel mas também polinizavam as plantas.

Na década de 1830, um movimento pelos direitos das abelhas emergiu nos Estados Unidos sob o lema “nunca mate uma abelha”.

Em 1852, por sua vez, o escritório americano de patentes concedeu a patente número 9300A ao sacerdote Lorenzo Langstroth pela invenção de uma colmeia com moldura removível.

Lorenzo Langstroth com a colmeia que desenhou (Foto: SCIENCE PHOTO LIBRARY)

LORENZO LANGSTROTH COM A COLMEIA QUE DESENHOU (FOTO: SCIENCE PHOTO LIBRARY)

A colmeia de Langstroth é uma caixa de madeira com uma abertura na parte superior e molduras móveis, cuidadosamente separadas uma da outra pelo intervalo mágico de 8 milímetros de “espaço abelha” – qualquer coisa maior ou menor que isso faz com que os insetos construam suas próprias estruturas nas molduras e dificultem a extração do mel.

A rainha fica na parte de baixo, separada por uma grade no “isolamento de rainhas” – uma rede que a impede de circular, mas permite a entrada das abelhas operárias. Isso mantém as larvas distantes dos favos de mel.

Os favos são retirados com facilidade e colhidos por uma centrífuga que gira e expele a parte líquida, filtrando o mel.

Industrialização e vida real
Com esse aparelho, um maravilha do design e da eficiência, a nova colmeia permitiu a “industrialização da abelha”. E foi essa industrialização que escapou a James Meade. A abelha melífera é um animal cuidadosamente domesticado.

As abelhas têm um papel central na indústria amendoeira da Califórnia (Foto: Getty Images via BBC News)

S ABELHAS TÊM UM PAPEL CENTRAL NA INDÚSTRIA AMENDOEIRA DA CALIFÓRNIA (FOTO: GETTY IMAGES VIA BBC NEWS)

Com as colmeias de Langstroth, as abelhas se tornaram portáteis. A partir de então, nada impedia que produtores rurais chegassem a um acordo financeiro com apicultores para que eles pudessem posicionar as colmeias no meio da plantação.

Algumas décadas depois do exemplo famoso de James Meade, outro economista, Steven Cheung, ficou curioso sobre o assunto e fez algo que nós economistas talvez não façamos o suficiente: ele chamou pessoas do “mundo real” e perguntou a elas o que de fato acontecia.

E descobriu que, com frequência, eram os produtores de maçã que pagavam aos apicultores pela polinizavação de suas plantações.

No caso de outras culturas, os apicultores de fato pagam aos produtores rurais pelo fato de que suas abelhas se beneficiam do néctar das plantações adjacentes. Um exemplo nesse sentido é a hortelã, que não precisa de ajuda das abelhas, mas que rende mel de excelente qualidade.

Maçãs e abelhas não são, portanto, bons exemplos de externalidades positivas, já que a interação entre elas cria de forma natural um mercado – e grande.

Atualmente, seu centro de gravidade é a indústria de amêndoa da Califórnia. A oleaginosa ocupa quase 4 mil km² do Estado – e movimenta cerca de US$ 5 bilhões por ano. As amendoeiras precisam de abelhas – mais precisamente de 5 colônias por hectare, alugadas por cerca de US$ 185 cada uma.

As colmeias de Langstroth são amarradas umas às outras, carregadas em caminhões articulados – 400 por veículo – e levadas para os campos de amendoeiras da Califórnia a cada nova primavera. Isso tudo à noite, enquanto as abelhas estão dormindo.

Os números impressionam: 85% dos 2 milhões de colmeias comerciais existentes nos EUA são deslocados e, com eles, dezenas de bilhões de abelhas.

Como descreve a autora Bee Wilson em The Hive: The Story of the Honeybee and Us (A colmeia: a história da abelha melífera e nós, em tradução livre), os grandes apicultores americanos administram 10 mil colmeias cada um e, da Califórnia, podem viajar milhares de quilômetros até chegarem aos campos de cerejas no Estado de Washington, aos campos de girassóis na Dakota do Norte e Dakota do Sul, às plantações de abóboras na Pensilvânia ou de blueberries no Maine.

Dilema das abelhas selvagens
O prêmio Nobel de Economia James Meade estava equivocado ao imaginar a apicultura como uma espécie de idílio rural. As abelhas foram quase completamente industrializadas e a polinização, amplamente comercializada.

E isso nos coloca diante de um dilema.

Ecologistas estão preocupados com a população de abelhas selvagens, que estão em franco declínio em diversas partes do mundo.

A queda na população de abelhas selvagens tem sido atribuída por alguns especialistas ao amplo uso de pesticidas na agricultura (Foto: Getty Images via BBC News)

A QUEDA NA POPULAÇÃO DE ABELHAS SELVAGENS TEM SIDO ATRIBUÍDA POR ALGUNS ESPECIALISTAS AO AMPLO USO DE PESTICIDAS NA AGRICULTURA (FOTO: GETTY IMAGES VIA BBC NEWS)

Ninguém sabe ao certo o porquê. Entre motivos aventados estão parasitas, o uso de pesticidas na agricultura e o misterioso “distúrbio do colapso das colônias”, em que as abelhas simplesmente desaparecem e deixam a rainha para trás.

Como as abelhas domesticadas enfrentam as mesmas pressões, entraria em cena um princípio econômico simples – uma redução da oferta de abelhas acabaria pressionando os preços dos serviços de polinização.

Mas não é isso que os economistas estão vendo.

O distúrbio do colapso das colônias tem tido efeito mínimo, considerando-se diversas métricas, sobre o mercado de abelhas. Produtores estão pagando basicamente a mesma coisa pela polinização, e os preços de novas rainhas praticamente não se mexeram.

As abelhas-rainhas são peça importante na indústria do mel (Foto: Getty Images via BBC News)

AS ABELHAS-RAINHAS SÃO PEÇA IMPORTANTE NA INDÚSTRIA DO MEL (FOTO: GETTY IMAGES VIA BBC NEWS)

Aparentemente, apicultores industriais conseguiram desenvolver estratégias para manter a estabilidade das populações usadas no negócio, seja comercializando e reproduzindo em cativeiro abelhas-rainhas ou dividindo colônias.

É por isso que não há redução na oferta de mel – ou de amêndoas, maçãs ou blueberries. Pelo menos até agora.

Deveríamos comemorar a ação de incentivos econômicos na preservação de parte da população de abelhas? Talvez.

Outra perspectiva é a de que o impulso da economia moderna de controlar e monetizar o mundo natural é justamente o que causou o problema.

Antes de a agricultura monocultora mudar ecossistemas, não havia a necessidade de levar as colmeias de Langstroth de um lado a outro para polinizar plantações – populações locais de insetos faziam o trabalho de graça.

Então, se quisermos um exemplo de externalidade positiva – algo que o mercado não regulado não produzirá na quantidade que a sociedade desejaria – talvez devêssemos olhar para um uso da terra que contribuísse para a proliferação de abelhas selvagens e de outros insetos.

Campos de flores selvagens, talvez – e alguns governos já estão subsidiando esse tipo de iniciativa, assim como James Meade os aconselharia.

*Tim Harford escreve a coluna Undercover Economist (Economista disfarçado, em tradução livre) no jornal Financial Times.

fonte: Época Negócios

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